Erdogan recua após enfatizar apoio à queda de Assad

Erdogan (dir) e Assad durante coletiva de imprensa em 2010

Erdogan (dir) e Assad durante coletiva de imprensa em 2010

Reuters
Proposta por presidente turco Recep Tayyip Erdogan, derrubada de líder sírio entraria em conflito com interesses de Moscou e poderia comprometer retomada de relações entre Rússia e Turquia. Kremlin se absteve, porém, de comentários diretos.

Após declarar que Ancara havia entrado no conflito sírio para acabar com o domínio do presidente local Bashar al-Assad, o chefe de Estado turco Recep Tayyip Erdogan recuou nesta quinta-feira (1º) ao anunciar que o único objetivo da operação do país na Síria é neutralizar os grupos terroristas que atuam na região.

“O alvo da operação do Escudo do Eufrates não é um país ou um indivíduo, é totalmente dirigido contra organizações terroristas, ninguém pode ter dúvidas a esse respeito ou tentar buscar um significado diferente”, disse Erdogan em uma reunião com autoridades locais.

A declaração veio na esteira de um comentário feito por Erdogan na terça-feira (29), durante um simpósio científico em Istambul, em que o presidente da Turquia afirmou que suas tropas estavam posicionadas no norte da Síria para “para acabar com o domínio do cruel tirano Bashar al-Assad, que criou um estado de terror no país”.

Apesar de os assessores de Erdogan afirmarem no dia seguinte que as palavras do presidente não deveriam ser tomadas literalmente, a afirmação soou particularmente provocativa para Moscou, que é um dos principais aliados de Assad.

A declaração também foi vista como um agravante para as relações entre a Turquia e a Rússia, que ainda estão em processo de reconciliação após o incidente ocorrido em 24 de novembro de 2015, quando a aviação turca abateu um caça Su-24 russo.

Aliança que segue

Após reunião bilateral com seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu, nesta quinta, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguêi Lavrov, destacou que os acordos alcançados pelos dois países “estão sendo implementados em todos os aspectos”.

“Rússia se orienta pelo trabalho prático – gostaria de ressaltar mais uma vez – e não por declarações unilaterais de alguém já que são muitos, mas por acordos alcançados pelos presidentes”, acrescentou Lavrov.

No encontro, realizado na estância russa de Alânia, os diplomatas debateram não só sobre a luta contra o terrorismo na Síria, mas também sobre a situação na Ásia Central, a região Transcaucasiana, a Ucrânia e a parceria em órgãos internacionais.

Mais cedo, o Kremlin preferiu se abster de comentários sobre o assunto ao citar uma recente conversa telefônica entre Erdogan e o presidente russo Vladímir Pútin.

“Houve uma ampla troca de opiniões”, disse o porta-voz da presidência, Dmítri Peskov, ao ser questionado sobre um possível esclarecimento por parte do líder turco.

Na opinião de Iúri Mavachev, diretor do departamento de política no Instituto de Estudos da Turquia Moderna, Moscou continuará evitando declarações drásticas. “A Rússia preservará sua neutralidade externa, dando preferência às negociações nos bastidores com ambas as partes.”

Ataque de nervos

O ataque verbal de Erdogan pode ter sido uma resposta à recente morte de três soldados turcos no norte da Síria, segundo Mavachev.

Os militares teriam sido supostamente atingidos pelas tropas do governo de Damasco durante um bombardeio perto da cidade de al-Bab, em 24 de novembro passado, data que marcou o primeiro aniversário do abate do avião russo por Ancara.

“Erdogan não pode ficar em silêncio sobre esse incidente diante de seus partidários, ele quer apaziguá-los, dizer- a eles que tudo está seguindo conforme planejado, que a Turquia não vai ceder suas atitudes na Síria”, sugere Mavachev.

Após o ocorrido, a Rússia negou qualquer envolvimento no bombardeio, enquanto Damasco se absteve de comentários.

Opinião semelhante é exposta por Vladímir Avatkov, diretor do Centro para Estudos do Oriente Médio, para quem a retórica beligerante de Erdogan tem por objetivo unir sua comitiva e, paralelamente, pressionar os aliados de Assad – Rússia e Irã. “Ele quer apertar esses países para que façam concessões sobre a questão síria”, diz.

No entanto, o acadêmico especializado em Turquia e principal colaborador científico do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais da RAS, Víktor Nadein-Raevski, acredita que a  declaração do líder turco tenha sido uma “crise nervosa”.

“Foi uma afirmação puramente emocional. Ele [Erdogan] é um homem impulsivo”, alega Nadein-Raevsky. “Ele pode ter ficado chateado com o recente sucesso do Exército sírio em Aleppo, onde os aliados da Turquia estão sofrendo perdas.”

Coerência em teste

Avatkov destaca também que Erdogan já criticava com frequência Assad antes mesmo da declaração do último dia 29.

“A Turquia se pronuncia a favor da mudança do regime sírio desde o início do conflito. Foi um dos primeiros países a afirmar que Assad é um ditador e deve renunciar”, afirma.

É por isso que, segundo o especialista, a declaração de Erdogan não contradiz sua política tradicional, “especialmente agora os exércitos sírio e turco se encontram em uma perigosa proximidade no norte da Síria”.

Mavachev duvida, contudo, que a Síria e a Turquia se envolverão em um conflito direto. “Damasco não tem poder necessário para se envolver em uma guerra com um adversário tão sério como o Exército turco, mas a Turquia também não lutará simultaneamente contra o EI, os curdos e Damasco”, acrescenta. Em sua opinião, embora haja possibilidade de conflitos, uma guerra absoluta está fora de questão.

Os acadêmicos garantem que há um acordo sobre a Síria entre a Rússia e a Turquia: enquanto Moscou apoia Assad nos arredores de Aleppo, a Turquia continua lutando contra o EI e os curdos perto de suas fronteiras.

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