‘Mau comportamento’ nas redes sociais gera demissões na Rússia

Temas polêmicos devem ser evitados em posts de bibliotecários, segundo manual

Temas polêmicos devem ser evitados em posts de bibliotecários, segundo manual

Pável Lisitsin/RIA Nôvosti
Casos de demissão por posts nas redes sociais se repetem, e associação lança manual de etiqueta on-line para bibliotecários. Segundo especialista, exageros no monitoramento de funcionários na internet contradizem a Constituição Russa.

Maria Chestopalova, de 21 anos, ensinava canto em um centro de ensino suplementar na cidade siberiana de Krasnoiarsk, a 4.000 km de Moscou, há cinco anos. Em dezembro passado, Timur Bulatov entrou em contato com a escola e se apresentou como membro da Primeira Frente Moral Russa, uma organização que não existe oficialmente, e disse a Chestopalova que ela não estava apta a atuar como professora.

Usando fotografias e publicações da jovem na rede social russa VKontakte, Bulatov havia compilado um documento de 31 páginas. Depois de fazer a ligação, ele enviou o material coletado para o diretor da escola, o promotor local e a prefeitura.

Bulatov acusou a professora de promover homossexualidade e um estilo de vida pouco saudável por ser membro de comunidades on-line que promovem o consumo de álcool, além de ter publicado fotos de si mesma segurando cerveja e embriagada.

No final do documento, Bulatov exigia que Chestopalova fosse demitida por não atender aos requisitos da Norma Federal de Educação do Estado, ainda que esses princípios não mencionem o comportamento de professores em redes sociais.

O diretor pediu a Chestopalova que deixasse o cargo já no dia seguinte. Em seu perfil no Pikabu, outra rede russa, a professora confessou ter sida chantageada e pressionada a se demitir, pois a recusa “pegaria mal para reputação da escola e dos pais”.

Três dias após a nova publicação, Chestopalova recebeu uma ligação para que aceitasse o trabalho de volta. No entanto, segundo contou em entrevista à Gazeta Russa, viu-se obrigada a pedir demissão duas semanas depois do retorno.

“Era desagradável trabalhar lá porque eu sabia que poderia ser acusada de novo. A atmosfera era realmente hostil, e os professores não me apoiavam pois tinham receio de perder o próprio emprego”, disse Chestopalova, que hoje trabalha em uma escola particular de música privada.

Demitido por sarcasmo

Um caso parecido ocorreu com Andrêi Grichin, ex-editor-chefe do jornal “Vetcherni Magadan”, financiado pela prefeitura de Magadan (a 10.200 km de Moscou).

Em sua página no Facebook, Grichin criticou o comportamento do representante da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vladímir Safronkov, que havia se dirigido ao enviado britânico “de modo extremamente informal”.

O editor comparou Safronkov a um “gopnik” (gíria usada para se referir a criminosos de baixo calão, sem educação e valores morais) e sugeriu que os diplomatas pudessem usar roupas esportivas Adidas enquanto comem sementes de girassol, em alusão ao modo estereotipado de se vestir e portar dos ‘gopniks’. No dia seguinte, Grichin foi chamado ao escritório da administração local e compelido a renunciar ao cargo.

“O governo exagera ao tentar manter o controle do que a maioria pensa, mas sabe que está perdendo o controle. Acho que as tentativas de pressionar as pessoas aumentarão, mas isso só levará à deterioração da situação na capital nas regiões”, afirma o editor.

Proibição para menores de 14 anos

Um projeto de lei, apresentado em abril passado à Duma de Estado (Câmara dos deputados na Rússia), prevê a proibição do uso de sites e aplicativos de redes sociais por pessoas menores de 14 anos.

Caso a lei seja aprovada, será necessário utilizar dados do passaporte para realizar o registro em tais sites. Uma vez que na Rússia os passaportes só são concedidos a cidadãos a partir dos 14 anos, qualquer criança com idade inferior a esta estaria impossibilitada de fazer o cadastro na internet.

A proibição é apoiada por 62% dos russos, segundo divulgou o Centro Russo de Pesquisa de Opinião Pública (VTsIOM). Porém, quando informadas de que todos teriam de se inscrever com seus passaportes, independentemente da idade, o número de pessoas que discordaram do projeto subiu de 35% para 52%.

Apesar do esforço, as circunstâncias indicam que o projeto de lei não seguirá para o Senado. Segundo o grupo de mídia russo RBC, fontes na Duma duvidam da real necessidade dessa legislação, e o assessor de imprensa do Kremlin, Dmítri Peskov, já declarou que as disposições do projeto de lei “não são muito realistas”.

Etiqueta on-line para bibliotecários

O monitoramento de perfis de professores e jornalistas em redes sociais não é uma política oficial – o mesmo não pode ser dito sobre os funcionários públicos.

Desde 1º de julho de 2016, empregados do governo foram obrigados a fornecer links para publicações feitas em mídias sociais e na internet.

Os bibliotecários enfrentam um monitoramento semelhante, após a introdução das novas Normas de Comportamento de Bibliotecários em Redes Sociais, da Associação Russa de Bibliotecas. Segundo o documento, os funcionários de bibliotecas devem abster-se de “declarações fortes de qualquer natureza sobre questões relativas a política, nacionalidade, orientação sexual ou religião em sites de redes sociais”.

Também segundo o documento o diretor de biblioteca tem o direito de controlar as atividades de seus funcionários nas redes sociais e que aqueles que aqueles que forem pegos violando as normas poderão ser repreendidos ou demitidos.

No entanto, esse tipo de restrição contradiz a Constituição Russa, afirma Ígor Gretzky, membro da Associação de Advogados da Rússia. “Essas normas não podem ser impostas por um empregador para controlar o comportamento dos funcionários.”

Segundo Gretzky, o monitoramento da vida particular dos funcionários, incluindo suas publicações na internet e nas redes sociais, é um ato de discriminação proibido pelo Artigo 3 do Código do Trabalho da Rússia.

“Quando estão fora do horário de trabalho, os funcionários ficam livres das responsabilidades profissionais e podem usar esse tempo de acordo com sua discrição. Portanto, nenhuma ação disciplinar pode ser tomada a esse respeito”, concluiu.

Dias após a publicação das normas para bibliotecários, o documento foi retirado do site da organização.

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