Região russa mais atingida por Tchernóbil ainda tem moradores

Corvo se posta sobre placa que alerta para o perigo da radioatividade na região.

Corvo se posta sobre placa que alerta para o perigo da radioatividade na região.

Reuters
No 30º aniversário do desastre da usina nuclear, Gazeta Russa visita Briansk para verificar como vive população local

A cidade de Novozibkov, localizada na unidade federativa russa de Briansk (a 580 km de Moscou e 260 km de Tchernóbil, na fronteira entre Rússia, Ucrânia e Bielorrússia), não difere em nada de qualquer outro município da região.

Estradas ruins, velhos ônibus soviéticos... À primeira vista, é impossível notar algo de especial. No entanto, nos últimos 30 anos, a cidade fez parte da zona de evacuação, uma área da qual a população foi obrigada a se retirar devido à elevada radioatividade.

No final de abril de 1986, quando um dos reatores de Tchernóbil explodiu, soltando uma nuvem de radioatividade que atravessou fronteiras, Novozibkov vivia um dia comum de primavera.

Local residents did not want to relocate after the Chernobyl disaster, despite a government offer of assistance. Source: Gleb FedorovMoradores locais não quiseram sair dali após o desastre de Tchernóbil. Foto: Gleb Fedorov

Estava calor e o sol brilhava no céu. A cidade se preparava para o feriado mais importante da União Soviética - e, até hoje, também da Rússia -, o Dia da Vitória, celebrado em 9 de maio. Nenhum dos 40 mil habitantes de Novozibkov imaginava que uma chuva radioativa estava a caminho. 

Descoberta por acaso

Então, Serguêi Sizov, professor de treinamento militar básico da faculdade de pedagogia local, ensinava um novo assunto a seus alunos: o uso de dosímetros radiológicos.

No dia 28 de abril, a Televisão Central (organização estatal soviética que fazia parte do Comitê Estatal da URSS de Televisão e Radiodifusão e era responsável pela transmissão televisiva em toda a União Soviética) transmitiu uma breve notícia sobre um vazamento na usina nuclear de Tchernóbil.

Acredita-se que a cidade de Novozibkov tenha sido fundada no século 17 por seguidores da seita dos Velhos Crentes. Foto: Gleb Fedorov
Antes da revolução bolchevique, Novozibkov era um ramal de transportes importante e tinha mais de 10 fábricas. Foto: Gleb Fedorov
A cidade tinha sua própria faculdade de pedagogia. O prédio sobreviveu à revolução bolchevique e continua em pé. Foto: Gleb Fedorov
Prédio tem monumento a Mikhail Lomonossov, símbolo da educação no país. Construído na era soviética, agora ele passa por renovação. Foto: Gleb Fedorov
 

Ao checar o nível de radiação com seus alunos, Serguêi detectou uma forte elevação.

"Às oito horas da manhã do dia 29 de abril, em determinada área do edifício da faculdade de pedagogia, o aparelho de medição mostrou 11 microsievert. Em outra sala, o aparelho apontava para 65 microsievert. As doses eram colossais, se comparadas ao índice considerado normal, de 0,15 microsievert”, diz Serguêi.

O professor tentou tocar o alarme da cidade, mas as autoridades decidiram aguardar ordens de Moscou. Eles esperaram por uma semana. Durante os sete longos dias que se passaram, Serguêi medicou seus alunos com iodo, o que pode ter evitado que eles desenvolvessem qualquer tipo de câncer.

Sviatsk virou uma vila fantasma. Foto: Gleb Fedorov
Víktor Streliukov, 40, tem câncer, mas diz não temer a radiação. Seu pai morreu em 2003 e a mãe, em 2011. Foto: Gleb Fedorov
A radiação na vila ainda está acima dos limites aceitáveis. Foto: Gleb Fedorov
A parte mais viva da vila é, paradoxalmente, o cemitério, ainda ativo, apesar de altamente contaminado. Foto: Gleb Fedorov
 

Uma aldeia fantasma

Há 30 anos, Sviatsk costumava ser uma aldeia de velhos crentes, corrente religiosa cristã russa resultante do cisma ocorrido na religião russa no século 18. Localizada a 30 km de Novozibkov, a cidadezinha abrigava mais de 100 casas e duas igrejas.

"Os habitantes de Sviatsk se espalharam pelo território da antiga URSS. Eu fiquei, principalmente, por causa dos meus pais", conta Víktor Streliuk, 40 anos.

Hoje, pouca coisa restou na aldeia. No lugar da igreja destruída em um incêndio, Víktor construiu uma capela.

Uma ONG local reúne as mães de Novozibko. Galina Sviridenko (esq.) segura documentos do filho Denis, nascido no ano 2000 com diversos problemas de saúde causados pela radiação. Foto: Gleb Fedorov
O menino Denis nasceu sem orelhas. As fotos mostram o processo antes e depois da cirurgia de implante. Foto: Gleb Fedorov
O acúmulo de radiação é a provável causa do aumento no número de doenças crônicas entre crianças. Foto: Gleb Fedorov
 

Doenças

Estudos divulgados pela ambientalista Liudmila Komogortseva mostram que o número de crianças afetada por doenças crônicas na região após o acidente subiu de 8% para 80%. Além disso, a população local e federativa é acometida por câncer 2,5 vezes mais do que a média dos russos.

Segundo o cirurgião do Hospital Regional de Novozibkov, Viktor Khanaev, a causa desses índices está no acúmulo de pequenas doses de radiação ao longo dos anos. Elas penetram no organismo principalmente por meio do consumo de produtos alimentícios da região.

Com o passar dos anos, devido à radiação acumulada, várias gerações podem ser acometidas pelo câncer.

Nos últimos dois meses, foram diagnosticados oito casos de câncer de tireoide só em Novozibkov.

"Esse número é muito alto para a nossa cidade. Até 1986, os casos de câncer eram uma raridade por aqui”, diz Khanaev.

Para a população local, a contaminação radioativa se transformou em um fenômeno rotineiro. Os radionuclídeos atingiu o solo, a água e a madeira.

Em um local onde a renda é baixa, a agricultura de subsistência e a colheita de florestas são as principais fontes de alimentação.

Uma das colaboradoras do laboratório local de monitoramento da radiação que não quis ser identificada diz que o solo pode estar menos contaminado, mas não se pode dizer o mesmo em relação aos alimentos.

"Os cogumelos colhidos no ano passado foram trazidos para análise e mostraram um nível de radiação de 100 mil becquerel por quilograma, enquanto a norma é 2,5 mil", conta.

Apesar disso, em 2016, a lista dos municípios sujeitos ao reassentamento da unidade federativa de Briansk foi reduzida de 226 para 26.

A cidade de Novozibkov também é citada na lista oficial de locais seguros para se viver, e, assim, os pagamentos de compensações aos moradores foram reduzidos – de dois mil rublos (US$ 30) para mil rublos (US$ 15) por mês, em média.

"Para nós não importa qual é a denominação da área. Precisamos de compensações reais", diz Khanaev.

"É possível viver aqui, mas as regras de segurança da radioatividade devem ser observadas. É preciso descontaminar as florestas e abastecer o local com produtos não contaminados e  fertilizantes especiais. É obrigação do Estado fornecer esse tipo de ajuda", completa.

A produção local está toda contaminada, de acordo com laboratoristas. Foto: Gleb Fedorov
Os mercadinhos vendem alimentos produzidos na região e de fora. Foto: Gleb Fedorov
A maior parte dos moradores locais pratica agricultura de subsistência e colhe cogumelos e frutas contaminados das florestas, já que as rendas são insuficientes para a compra de alimentos de fora. Foto: Gleb Fedorov
 

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