Legisladores iniciam saga contra cruzes na estrada

Costume se difundiu no país nos últimos anos, gerando até uma onda de trabalhos acadêmicos sobre o assunto.

Costume se difundiu no país nos últimos anos, gerando até uma onda de trabalhos acadêmicos sobre o assunto.

Lori/Legion Media
Projeto de lei gera polêmica ao sugerir proibição de ramos de flores, cruzes, lápides e outros objetos à beira de estradas para homenagear os mortos no trânsito.

Uma proposta de emenda na lei que regulamenta as ações de motoristas e transeuntes na Rússia está causando polêmica ao sugerir a proibição do que se convencionou chamar no país de "pseudotúmulo": cruzes, flores e outros artigos colocados à beira de estradas em homenagem aos mortos no trânsito.

"O assunto é mórbido. Entendo os sentimentos das pessoas próximas, mas, todos os anos, dezenas de milhares de pessoas morrem em acidentes de carro na Rússia", diz o deputado do Partido Liberal Democrático da Rússia Valéri Selezniov, que elabora o projeto para a proibição desses monumentos.

"Muitos dos que se sentem afetados são amigos que consideram ser seu dever ressaltar o local do acidente depositando flores artificiais, coroas de luto, monumentos, sepulcros improvisados com cercas. E o túmulo não está sob essa obra, o que contradiz tanto a lei, como nossas tradições. É uma enganação. E tudo isso se constrói ao longo das estradas", completa.

Os deputados ainda consideram que os monumentos distraem os motoristas e causam novos acidentes.

Falso túmulo acadêmico

Nos últimos anos, o costume se difundiu pelo país, gerando até uma onda de monografias e dissertações acadêmicas a respeito do assunto.

Os cenotáfios - monumentos fúnebres em memória de pessoas cujos restos mortais estão em outro local - aparecem às beiras das estradas russas de todas as formas: desde simples buquês de flores artificiais a lápides com fotos pintadas a óleo, obeliscos e projetos arquitetônicos em mármore e granito. Partes dos carros acidentados também costumam ser depositados nesses locais como homenagem.

A tradição começou no país ainda nos anos 1990, segundo os pesquisadores Mikhail Matlin e Evguêni Safronov, de Ulianovsk. Em apenas 670 km de estradas percorridas na região, os dois contaram 278 cenotáfios. Os monumentos com inscrições legíveis levaram os pesquisadores a concluir que 3% datavam dos anos 1980; 28%, dos 1990; 53,5%, dos anos 2000; e 15,5%, de 2011 a 2013.

Uma nova tendência que os pesquisadores têm notado nesse tipo de homenagem é a de se deixarem cds com músicas da preferência do morto, pinturas e lamparinas, o que os leva a comparar o novo costume russo ao Egito antigo.

Uma informação curiosa que as pesquisadoras Anna Sokolova e Anna Iudkina descobriram foi que, ao passar por tais monumentos, 46% dos russos não fazem nada, 20% pensam na morte e nos modos de morrer, "sentindo nesse momento um nervoso emocional quanto a isso", 17,5% diminuem a velocidade e prestam mais atenção ao trânsito, 10%  somente fitam o monumento e 6% rezam. Um respondente ainda afirmou que costuma buzinar ao passar pelos cenotáfios.

Religiões contra cenotáfios

A ideia de proibir tais homenagens não é nova: já foi sugerida anteriormene por deputados das unidades federativas de Leningrad, Tulski, Tverskoi, Sverdlovsk, pela Região Hebreia Autônoma, e pelas predominantemente muçulmanas Kabardino-Balkária e Tataristão.

Os representantes da Igreja Ortodoxa Russa, porém, também se mostram de acordo com o projeto de emenda.

"Não tem nenhum sentido espiritual distinguir o local de morte de um indivíduo. Levantar monumentos, colocar coroas de flores, construir um 'segundo túmulo', tudo isso é uma mentira e não está correto. Existe um lugar especial para as sepulturas: o cemitério", diz o padre ortodoxo Nikolai Popov.

Com material do jornal Rossiyskaya Gazeta.

 

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