O que pensam os muçulmanos na Rússia?

Muitos moscovitas, ao se darem conta do comportamento impróprio dos oriundos das repúblicas do Cáucaso, concluem que todos os muçulmanos são como eles, o que não é verdade Foto: Ramil Sítdikov/RIA Nóvosti

Muitos moscovitas, ao se darem conta do comportamento impróprio dos oriundos das repúblicas do Cáucaso, concluem que todos os muçulmanos são como eles, o que não é verdade Foto: Ramil Sítdikov/RIA Nóvosti

Nas últimas décadas, perante certa instabilidade após ataques terroristas ocorridos no país, muitos russos começaram a encarar os muçulmanos com certa apreensão. Apesar da tensão, muitos reivindicam que o conhecimento é a forma de evitar conflitos.

Os muçulmanos são o segundo maior grupo religioso da Rússia: segundo o último censo, de 2002, os povos tradicionalmente muçulmanos perfaziam 14,5 milhões de pessoas, cerca de 10% da população do país. Na mesma época, segundo a Direção Espiritual Muçulmana da Parte Europeia da Rússia, havia cerca de 20 milhões de adeptos do Islã na Rússia. Contudo, segundo pesquisa do centro de sondagens Levada-Tsentr de novembro de 2013, os muçulmanos alcançariam 7% da população do país.

Após uma convivência pacífica com os cristãos ortodoxos durante séculos, os muçulmanos passaram a ser encarados com certa apreensão por muitos russos nos últimos anos. Uma certa instabilidade criada após ataques terroristas ocorridos no país foi um dos motivos. Apesar da tensão, muitos reivindicam que se recorra ao conhecimento como forma de evitar conflitos.

“Não use seu hijab”

“Muitos moscovitas, ao se darem conta do comportamento impróprio dos oriundos das repúblicas do Cáucaso, concluem que todos os muçulmanos são como eles, o que não é verdade. Um muçulmano nunca abordará uma jovem na rua, nunca beberá e nunca fumará. Para um homem religioso, o mais importante é levar um modo de vida justo, ajudando o próximo. Se seu vizinho não tem nada para comer e você vive no meio da riqueza, sua vida não é justa”, afirma Azamat, de Kabardino-Balkária, que mora em Moscou.

Azamat afirma que todos que conhecem ele a a sua mulher veem os muçulmanos com bons olhos. “Estou trabalhando numa loja e meus companheiros manifestam compreensão quando faço minhas orações”, explica. “Eles sabem como sou e entendem que rezar é muito importante para mim.”

Zuliá nasceu e viveu toda vida em Moscou. Muçulmana, só começou a usar o hijab há quatro anos, depois de casar e ter dado à luz dois filhos. Apesar de possuir um diploma do ensino superior, conta que somente com muito custo conseguiu um trabalho como auxiliar de educação infantil. “A diretora me disse que o meu lugar já fora ocupado por uma muçulmana que vestia hijab, o que levou os pais das crianças a protestaram por escrito contra o fato de os filhos serem tratados por uma islamita. Por isso, escondo minha confissão para não perder o trabalho.”

Zuliá diz ter um relacionamento complicado com as companheiras de trabalho, o que atribui ao modo desconfiado como os moscovitas encaram os muçulmanos. “A nossa terapeuta da fala perguntou a uma educadora se eu não seria daquelas que explodem bombas. Ela costuma falar corretamente comigo, mas vejo que há coisas que não me pergunta diretamente” conta a jovem.

Mas há também quem queira mudar. A médica Diana se esforça por esconder que é muçulmana. Até fez uma tatuagem, o que é terminantemente proibido em sua terra. Diz querer começar uma vida nova, que não tenha a ver com as leis muçulmanas.

Boa vizinhança

O presidente do Conselho de Ulemás, da Associação Russa da Concórdia Islâmica, mufti Farid Salman, diz que nem em todas as regiões da Rússia há antipatia em relação aos muçulmanos. “Na minha terra, em Povóljie, não se faz distinção entre os representantes das várias confissões religiosas: todos são vizinhos, amigos e companheiros de trabalho. Apesar das diferenças religiosas, ninguém procura converter seja quem for à sua fé”,  garante o estudioso do Islã. “Sendo assim, existe uma forte amizade entre pessoas de distintas igrejas.”

O mufti salienta que os tártaros muçulmanos sempre viveram sem conflitos ao lado dos russos, mas que para espalhar esta experiência pelo país serão precisos massivos gastos e muito trabalho. “É necessária uma adequada política estatal. Me admira ouvir os nossos responsáveis falarem de terroristas mencionando suas origens étnicas e confissões. Não deveriam. Os terroristas se afastaram tanto de Deus como da lei dos homens”, sublinha Salman. “Os meios de comunicação social também nem sempre percebem que afirmações do tipo dividem as pessoas.”

O líder espiritual afirma que a apreensão face aos muçulmanos se agrava com o problema originado pelos migrantes. “A atitude depreciativa em relação aos migrantes gera xenofobia. Os russos se esquecem que os forasteiros são seres humanos tão decentes como eles. Urge um programa nacional de educação destinado à nova geração”,  explica. “Nos esquecemos de que, na última Grande Guerra, representantes dos povos da Ásia Central e das repúblicas do Cáucaso, como todos os outros, combateram no Exército Soviético e defenderam a pátria.” 

 

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