Uma viagem pelo mercado de escravos da Rússia moderna

Mélnikov (esq.) finge ser morador de rua para atrair atenção dos prospectores de escravos Foto: Kommersant

Mélnikov (esq.) finge ser morador de rua para atrair atenção dos prospectores de escravos Foto: Kommersant

Como funciona o negócio que explora quase um milhão de pessoas no país.

Com roupas velhas e aparência desajeitada, Oleg Melnikov, líder do movimento juvenil Alternativa, finge ser um sem-teto, típico alvo de exploradores contemporâneos. Oleg permanece na estação de trem à espera de um possível recrutador que irá oferecer a ele uma cerveja com drogas fortíssimas e, desse modo, colocá-lo em ônibus ilegal rumo ao Daguestão, no sul da Rússia.

Cerca de uma hora depois,  um homem do Cáucaso senta-se ao seu lado e começa a puxar conversa. Depois tudo acontece muito rápido. Os outros membros do Alternativa conseguem alertar o posto mais próximo da polícia rodoviária, onde o ônibus é parado, e Oleg é finalmente resgatado.

O movimento criado por ele em 2010 tem poucos integrantes, mas contribui com a polícia. Os três indivíduos de Moscou e um grupo pequeno no Daguestão já conseguiram libertar mais de 120 escravos.

“Existem várias fábricas no Daguestão”, diz a coordenadora do movimento ortodoxo Crianças de Rua, Anna Fedotova. “Algum tempo depois, esses escravos acabam sendo libertados. Mas algumas fábricas são verdadeiros campos de concentração, com pessoas acorrentadas e forçadas a trabalhar até a morte.”

O relato é confirmado por Iliá, advogado que prestava assistência jurídica gratuita aos sem-teto e que certa vez foi parar nas mãos dos exploradores. “Na estação de trem convidaram Iliá para beber alguma coisa”, conta um colega chamado Nikita Danov.

“Disseram que ele, como advogado, conseguiria fácil um trabalho no Daguestão. Mas na bebida de Iliá colocaram algo sem ele ver e quando voltou a si já estava no ônibus, bem longe de Moscou”, diz Danov. O advogado foi enviado para uma pedreira e informou sobre sua localização, de onde foi retirado.

Escravo por necessidade

É assim que geralmente acontece a libertação dos escravos no Daguestão: a pedido dos parente, determinada pessoa desaparecido é procurada. Depois de localizada, ela é tirada sozinha do local. Mas nem todo mundo quer ser salvo. No Daguestão trabalham desertores de ambas as guerras da Tchetchênia apenas por abrigo e comida, ou então ex-presidiários recentes que não têm para onde ir.

“Os verdadeiros sem-teto, que escolhem conscientemente essa vida, não vão para as fábricas, pois não querem trabalhar”, explica o vice-presidente do movimento Crianças de Rua, Oleg Olkhov. “Nessa armadilha caem apenas aqueles que vêm para cá à procura de trabalho e a quem ninguém avisou do perigo.”

Quinze horas sem parar

Uma semana depois de Oleg Mélnikov receber alta do hospital, um trem vindo de Makhatchkalá traz mais um resgatado. Desta vez, os membros do movimento Alternativa salvaram Alleg Fethulov. Ele chegou a Moscou para procurar trabalho e na estação de trem foi abordado por dois homens do Cáucaso que lhe ofereceram uma bebida.

Alleg acordou, junto com todos os outros homens raptados, em um ônibus já no Daguestão. Ele foi parar em uma fábrica onde não batiam nos escravos, davam bom alimento e cigarros. Eram colocados para dormir em grupos de cinco dentro de vagões e trabalhavam 15 horas por dia, sete dias por semana, sem descanso.

Problema nacional

Os casos de uso de trabalho escravo são conhecidos não apenas nas repúblicas do Cáucaso do Norte, mas também na Basquíria, Nijni Novgorod, Voronej e na região de Moscou.

Um ano atrás, o movimento Alternativa também libertou escravas de uma mercearia na zona leste da capital. As mulheres eram mantidas anos no porão, espancadas, estupradas, mal alimentadas e podiam dormir pouco. Dois dias depois que o processo criminal foi instaurado, a loja fechou as portas.

Pelas estimativas, na Rússia são exploradas até um milhão de pessoas. Os artigos “Tráfico de seres humanos” e “Uso de trabalho escravo” apareceram na legislação russa só em 2004 e, desde então, não houve quase nenhuma condenação associada à exploração de migrantes ou à escravidão no Cáucaso do Norte.

 

Publicado originalmente pela revista Ogoniók 

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