Irã pode atrapalhar negociações de paz na Síria

Rebeldes nos arredores de al-Bab, no norte da Síria

Rebeldes nos arredores de al-Bab, no norte da Síria

Reuters
Posição inesperadamente dura de Teerã contra o convite da Rússia aos americanos para participar das reuniões em Astana é um sinal claro de que o Irã prosseguirá sua própria agenda regional, independentemente de Moscou e Ancara.

Na conferência de paz da próxima semana em Astana, o Cazaquistão tem o potencial de acabar com a guerra civil que se arrasta há cinco anos na Síria. Mas as chances de sucesso se mostram agora bastante frágeis.

O presidente sírio, Bashar al-Assad, está ansioso para negociar um cessar-fogo e chegar a um acordo com a oposição a seu governo. No entanto, não se sabe se os chamados “moderados” irão tolerá-lo por muito tempo. Da mesma forma, por terem vantagem, Assad e seus aliados iranianos podem buscar uma vitória militar decisiva.

Esses obstáculos aparentemente instransponíveis fazem com que a iniciativa trilateral encabeçada por Irã, Turquia e Rússia pareça uma iniciativa muito arriscada.

Desafiando o “O Grande Satã”

Para aumentar a legitimidade do fórum em Astana e demonstrar um gesto de boa vontade para com o novo presidente dos EUA Donald Trump, o chanceler russo Serguêi Lavrov convidou “representantes da ONU e de Washington para a reunião”.

Na entanto, em 17 de janeiro, menos de uma semana antes do início das negociações em Astana, o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, ressaltou à agência de notícias Tasnim que o país não havia convidado os Estados Unidos para o encontro e “estamos contra sua presença”.

Apesar das declarações em Teerã afetarem a iniciativa de Moscou, cujo objetivo era melhorar as relações com a nova administração dos Estados Unidos, é improvável, que o alvo tenha sido Moscou – o problema é especificamente com Donald Trump.

Em várias ocasiões durante a campanha eleitoral, Trump criticou o Plano Integral de Ação Conjunta (JCPOA) – acordo sobre o controverso programa nuclear de Teerã assinado entre o Irã e o grupo 5+1 (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China ) –, insinuando que poderia abandonar ou renegociá-lo.

Recentemente, o presidente iraniano Hassan Rouhani rejeitou a ideia de que o acordo nuclear possa ser unilateralmente desfeito por um dos membros, no caso os EUA.

Como uma nação orgulhosa, o Irã ressente o desrespeito de Estados e políticos estrangeiros. Isso é ainda mais forte quando se trata de Washington devido à tensão que marca a história entre os dois países. Cabe lembrar que, em 1953, a CIA orquestrou um golpe contra o primeiro-ministro iraniano, Mohammad Mosaddegh, e os EUA ajudaram o Iraque na guerra com o governo islâmico do Irã nos anos 1980. Não é à toa que os aiatolás costumam se referir aos EUA como “O Grande Satã”.

Raízes do antiamericanismo

A ira de Teerã contra os EUA tem três origens principais.

Em primeiro lugar, o Irã se ressente do apoio de Obama à guerra lançada pelas monarquias sunitas do Golfo contra o regime alauita na Síria, cujo membros compartilham da mesma fé que o Irã.

O Ocidente e seus aliados sunitas exigem a remoção de Assad do poder, mas, para o Irã, isso é inegociável. O destino do presidente sírio, porém, também coloca Teerã e Moscou em lados distintos. A Rússia já deixou claro que não oferece apoio incondicional a Assad, e que sua carreira política deve ser decidida de forma democrática pelo próprio povo sírio.

Em segundo lugar, tudo o que acontece na Síria ou no Iraque é visto por Teerã através do prisma do conflito entre xiitas e sunitas – Irã e seus aliados versus Arábia Saudita e seus seguidores. Como os EUA se vinculam tradicionalmente às monarquias sunitas, o Irã segue a regra: o amigo do meu inimigo não é meu amigo.

Em terceiro e último lugar, os tecnocratas em Teerã precisam provar suas credenciais antiamericanas para o consumo doméstico. Após a morte do aiatolá Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, a rixa virulenta entre fundamentalistas religiosos e modernizadores dentro da elite governante iraniana foi intensificada.

Esperança de paz

A última alfinetada de Teerã em Washington poderia prejudicar os interesses iranianos e, portanto, forçar o país a reconsiderar sua posição. Por quê?

Ao se opor à presença da delegação americana nas negociações de paz, Teerã está empurrando os Estados Unidos de volta para o abraço de seu ainda pouco confiável aliado formal, a Arábia Saudita, que, obviamente, é arquirrival do Irã. Ambos almejam a supremacia absoluta na região.

Qualquer solução duradoura e de longo prazo para a guerra civil síria requer o consentimento, ou pelo menos a negligência benigna, de pilares do poder global, como os EUA. Além disso, há uma grande probabilidade de Donald Trump estar deliberadamente subindo as apostas vis-à-vis com China e Irã.

Como um homem de negócios astuto, o presidente dos EUA poderia aplicar táticas comprovadas antes de negociações difíceis: subir a aposta; mostrar uma atitude agressiva; e estabelecer condições prévias aparentemente inaceitáveis, que uma vez rejeitadas, poderiam ser abandonadas.

Há também a suspeita constante de que a equipe de Rouhani, que acaba sendo flexível quando não há outra opção, esteja parodiando o estilo abrasivo do novo presidente dos EUA. Seja como for, as negociações de paz em Astana são um primeiro passo na direção certa.

Vladímir Mikheev é um jornalista moscovita. Foi repórter do jornal Izvêstia e colaborador da BBC.

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