“Para os russos, herança cultural síria é também pessoal”, diz arqueólogo

Serjilla era uma das mais bem preservadas das Cidades Mortas, no noroeste da Síria

Serjilla era uma das mais bem preservadas das Cidades Mortas, no noroeste da Síria

Alamy/Legion Media
Depois de trabalhar nos locais históricos de Palmira, cidade libertada do EI em março passado, o arqueólogo russo Timur Karmov se prepara para liderar uma nova expedição à Síria. Em entrevista à Gazeta Russa, o especialista fala sobre a luta para preservar monumentos arquitetônicos em meio ao conflito que assola o país.

O arqueólogo Timur Karmov, afiliado ao Instituto do Patrimônio do Ministério da Cultura russo, foi um dos primeiros civis a adentrar Palmira em abril de 2016. Na época, integrou um grupo de cientistas russos encarregados de avaliar a condição dos monumentos locais após meses de domínio do Estado islâmico.

No final de outubro, Karmov irá liderar uma nova expedição, agora no norte da Síria, para verificar o status de objetos listados pela Unesco em uma região na província de Aleppo ainda sob ameaça de guerra civil.

Qual é o objetivo da futura expedição? Faz sentido enviar arqueólogos a lugares onde ainda ocorrem batalhas?

Timur Karmov: Claro que não vamos fazer escavações nesses lugares. O principal objetivo da viagem é fazer o reconhecimento, monitorar os objetos listados como patrimônio cultural pela Unesco. Precisamos entender a condição desses monumentos in situ, o quanto foram afetados pela guerra. Isto é, especialistas russos produzirão um relatório consolidado para enviá-lo à Unesco e que poderá então ser usado em uma próxima sessão da comissão responsável pela preservação dos monumentos.

Foi basicamente assim que trabalhamos em Palmira, mas a cidade tornou-se acessível bem antes. Os objetos que queremos estudar agora permanecem ilhados desde o início da guerra, estão localizados em áreas de combate ou muito próximos a elas.

Que tipos de monumentos são encontrados no norte da Síria?

T.K.: Seu nome oficial na Lista de Patrimônio Mundial da Unesco é “Aldeias Antigas do Norte da Síria” (ou Cidades Mortas). São centenas de edifícios dispersos a uma grande distância uns dos outros e estão concentrados em oito grandes parques arqueológicos. Quatro desses oito parques estão situados no território dos militantes [radicais islâmicos], por isso, trabalharemos apenas nos outros quatro.

Houve confrontos entre curdos sírios e terroristas da Frente al-Nusra em um desses parques e é possível que muitas coisas tenham sido destruídas por lá, incluindo o Mosteiro de São Simeão, que é importante para ortodoxos e cristãos em geral.

Na verdade, estamos seguindo para a região onde os cristãos foram chamados de cristãos pela primeira vez, onde as primeiras igrejas e mosteiros foram construídos.

Este é o local onde a tradição ortodoxa ganhou força, na Síria. É por isso que, acredito eu, para a Rússia, onde 75% das pessoas são ortodoxas, esses objetos não são apenas parte do patrimônio cultural mundial – são, de certa forma, bastante pessoais.

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Esses objetos datam do primeiro período medieval?

T.K.: Não só. Existem também nesta área monumentos da Antiguidade, e há objetos que são ainda mais antigos, do período sírio-hitita. Por exemplo, há um maravilhoso complexo de templos da era hitita chamado de Ain Dara. Descoberto por arqueólogos franceses, é um grande exemplo da arquitetura por volta do século 10 a.C.

Haverá arqueólogos estrangeiros nessa expedição à Síria, ou será uma missão estritamente russa?

T.K: Esta será uma expedição puramente russa. Está sendo realizada sob a égide do Instituto do Patrimônio. Nosso instituto decidiu supervisionar o monitoramento desses objetos, uma vez que não existem especialistas internacionais na Síria no momento. Ninguém quer arriscar sua vida indo para lá. Além disso, os russos têm permissão para acessar esses locais por causa das relações especiais entre Damasco e Moscou. Nossa segurança é garantida pelo Ministério da Defesa russo.

Um dos objetivos mais importantes é verificar se os rumores sobre a destruição de parte dos monumentos no norte da Síria são verdadeiros. Hoje as informações são contraditórias: fontes da oposição acusam a Força Aérea síria de cercar os objetos do patrimônio cultural. Há fotos de objetos destruídos, mas seriam confiáveis? É possível que isso seja apenas propaganda. Precisamos verificar isso estando lá.

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Em geral, como você avalia a atual condição dos objetos que compõem o patrimônio cultural na Síria? Existe algum progresso?

T.K.: Eu não avaliaria a condição desses objetos em termos de progresso ou regressão, uma vez que o país está sendo assolado por uma guerra civil. O governo sírio está tentando trabalhar com o máximo de eficiência. Quando eles têm a oportunidade, removem as coleções das cidades, evacuam os objetos. Mas, infelizmente, alguns deles são fixos e, por isso, são deixados lá.

Vocês certamente se lembram das tragédias ocorridas, sobretudo em Palmira, quando a região era controlada pelo Estado Islâmico (EI). Teve aquela trágica história do arqueólogo sírio Khaled al-Asaad, que permaneceu na cidade para tentar impedir a destruição apenas para ser decapitado por militantes. Em seguida, eles demoliram os monumentos de forma bastante demonstrativa. Agora o EI tem outras preocupações. Pelo menos, sob esse ponto de vista, a situação se estabilizou. Mas é muito cedo para falar de expedições e trabalhos de restauração em grande escala. Primeiro a luta deve cessar. Por enquanto, tudo o que podemos fazer é monitorar a região.

Há monumentos listados pela Unesco em territórios ainda tomados pelo conflito?

T.K.: Claro. Nós já falamos sobre norte da Síria. Mas há também a cidade velha de Aleppo, onde está sendo travada uma luta feroz, assim como Bosra, no sul do país.

Por outro lado, o governo recuperou o controle sobre outros objetos: o Krak des Chevaliers e a Fortaleza de Saladino. Ambos foram sofreram danos mínimos, ainda menos do que em Palmira.

A situação na Síria é complexa: o governo e a oposição estão lutando de novo, enquanto a Rússia e os Estados Unidos se acusam mutuamente. Esse conflito é também sentido nas comunidades científicas e culturais internacionais?

T.K.: Qualquer estrutura internacional sofre influência da situação política, mas a Unesco, em minha opinião, é a menos afetada. Há diferenças, mas menos do que em outros campos. Não há agressões. Há certa competição na esfera científica, mas nem por isso é prejudicial. Pelo contrário, isso nos ajuda a preservar e estudar os objetos do patrimônio cultural da Síria.

Mesmo no período de confronto com o Ocidente, sanções e assim por diante, isso não afeta muito nossa colaboração científica. Ainda nos comunicamos uns com os outros, tentamos acompanhar os trabalhos uns dos outros. E todo mundo está interessado em cooperar na Síria. Os cientistas europeus – sobretudo franceses – demonstram bastante interesse. Eu, particularmente, acredito que a uniformização de abordagens para a preservação do patrimônio cultural pode se tornar uma ponte e nos ajudar a encontrar pontos de contato no processo de negociação.

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