Apesar de apoio à Síria, Moscou e Damasco mantêm contradições

Soldados sírios passam por carro adesivado com imagens de Assad e Pútin

Soldados sírios passam por carro adesivado com imagens de Assad e Pútin

AP
Especialistas apontam três divergências entre países que são ignoradas por conveniência.

Desde o início do conflito sírio, Moscou vetou quatro vezes um projeto de resolução contra o regime sírio no Conselho de Segurança da ONU, ajudou a Síria a destruir armas químicas e defendeu, inúmeras vezes, a postura de Assad nas negociações internacionais. A assistência militar de Moscou também teve importância especial para Damasco.

Com o apoio das forças aeroespaciais russas, o Exército sírio, que estava recuando até setembro de 2015, assumiu a liderança no conflito, recuperou o controle de cidades tomadas, incluindo a histórica Palmira, e agora dirige sua ofensiva rumo à autodenominada capital do Estado Islâmico (EI), Raqqa. Sem a Rússia, esses feitos não teriam sido possíveis. Mas entre o Kremlin e o regime sírio também há três contradições.

1. Objetivos diferentes

Os objetivos do Kremlin e de Assad no conflito sírio coincidem apenas em parte, segundo Vladímir Akhmedov, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Orientais da Academia Russa de Ciências. “A Rússia tem interesse em manter um governo secular na Síria para continuar a colaboração com Moscou”, diz o especialista.

Além disso, para Moscou, a continuidade ou não de Assad no poder não é relevante, afirma Akhmedov, enquanto que, para o governante sírio, trata-se de uma questão essencial. Os representantes do governo sírio se recusam a negociar a renúncia do presidente como condição para o início do processo de transição previsto pelos acordos de Genebra.

2. Guerra e paz

Ainda segundo Akhmedov, o presidente da Síria apoia a regulação política apenas em termos formais.

“Assad é um homem de guerra, ele pretende lutar até o fim”, afirma o especialista. “Ele está disposto a negociar somente a partir de uma posição de poder, para impor suas condições sobre a oposição. Ele precisa de vitórias militares e assumir o controle sobre grandes áreas do país.”

A opinião é partilhada por Grigóri Kosatch, professor da Universidade Estatal Russa Ciências Humanas. “Ao contrário da Rússia, Assad nunca considerou nem mesmo a ala moderada da oposição síria como um possível parceiro nas negociações. Ele sempre declarou que os terroristas estão agindo sob a influência de agentes externos”, explica.

A continuidade da Rússia na guerra é perigosa ao país, alerta Kosatch, pois aumenta o risco de perdas.

Para Akhmedov, o país “não pode se permitir uma escalada da violência e a participação de mais soldados russos na operação militar”.

3. Posição sobre os curdos

Os posicionamentos de Moscou e Damasco sobre a questão curda não coincidem. Quando, em março de 2016, os curdos sírios declararam a criação de uma federação no norte da Síria, o governo de Damasco se mostrou contra a iniciativa, embora os curdos tivessem escolhido um caminho federalista para declarar a independência, segundo os especialistas.

“Damasco não endossa qualquer ideia de federalismo porque teme o colapso do país”, explica Kosatch.

Em meio à disputa entre o governo sírio e os curdos, a Rússia manteve uma postura neutra. Na ocasião, o porta-voz do presidente russo, Dmítri Peskov, declarou que “a configuração interna do Estado sírio é um assunto para os sírios”.

A cautela de Moscou se deve, explica Kosatch, ao fato de os curdos serem um aliado eficaz na luta contra o Estado Islâmico. “Mas a Rússia não quer entrar em conflito com Damasco por causa deles”, acrescenta.

Uma embaixada do Curdistão sírio foi aberta em Moscou, embora não oficialmente, em fevereiro passado. A entidade funciona como uma organização não governamental.

Por cima das diferenças

Para os especialistas entrevistados pela Gazeta Russa, apesar das contradições entre Assad e a Rússia, o Kremlin não negará apoio ao presidente sírio, tendo em vista os interesses russos envolvidos.

“A Rússia não vê agora na Síria ninguém que poderia substituir Assad e, portanto, é obrigada a aguentar todas as suas iniciativas”, avalia Kosatch.

Akhmedov acredita que, se Moscou exercer muita pressão sobre Damasco, Assad poderia se recusar a colaborar refugiando-se no Irã, que, diferentemente da Rússia não contempla a possibilidade de mudança de regime na Síria e o apoia incondicionalmente. “Por isso, Moscou não critica o regime sírio e mostra um consenso em suas opiniões, mesmo quando há diferenças”, afirma.

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