Cessar-fogo sírio ou tiro pela culatra?

Apesar de grato a Moscou, Assad poderia estar seguindo uma agenda própria, segundo especialista.

Apesar de grato a Moscou, Assad poderia estar seguindo uma agenda própria, segundo especialista.

Valery Sharifulin/TASS
Para especialista, acordo de cessar-fogo tem pontos positivos e negativos, e Assad poderia sair perdendo com respiro dado à oposição em tempos de retomada de territórios.

O acordo de cessar-fogo que deve entrar em funcionamento no próximo sábado (27) levanta tantas dúvidas quanto respostas.

Intermediado por dois países de peso, a Rússia e os Estados Unidos, e endossado pelo regime de Damasco e por algumas fatias da oposição - a mesma que tem se equilibrado por mais de quatro anos para derrubar Bashar al-Assad, o acordo tem sido assombrado por três sentimentos do público.

Os diplomatas alimentam um otimismo precavido. Os especialistas em assuntos do mundo árabe, estão céticos. E os adversários são cínicos e veem um o outro através de uma mira de metralhadora no campo de batalha.

Por um lado, os ganhos militares do regime de Damasco limitaram o escopo de manobra da oposição síria. Isso os deixou sem uma "profundidade estratégica" para uma retirada digna.

Mas colocar contra a parede aqueles considerados como um partido negociador bona fide não foi algo bom, já que isso poderia forçar a oposição a lutar até o fim.

Por outro lado, a operação de desbloqueio que visa à cidade de Aleppo não diferenciou muito as formações paramilitares de grupos moderados ou radicais islâmicos que há anos cerca a cidade estratégica do norte sírio.

Para o regime de Bashar al-Assad, qualquer atraso na retomada mais ou menos suave dos territórios perdidos poderia transformar-se em retrocesso, diminuindo o passo da ofensiva e dando um respiro a seus inimigos, que poderiam usá-lo para se reagrupar, rearmar, reabastecer os estoques de munição e, então, atacar novamente.

Além disso, qualquer cessar-fogo é o início de uma sequência de eventos, o interlúdio de um processo mais prolongado. É uma espécie de carrossel, porque todo e qualquer termo e condição de um acerto final tem que ser "revisitado" regularmente para se monitorar qualquer progresso que tenha sido feito e especificar os meios de lidar com os novos desafios que surgem.

Contra muitas probabilidades

A possibilidade de transformar um acordo de cessar-fogo em uma plataforma de lançamento de um processo político de transição na Síria foi avaliada pelo especialista em política no mundo árabe e professor da Universidade Estatal de Humanidades da Rússia, Grigóri Kosatch.

"Verifiquei a maior parte dos diários sauditas um dia após o anúncio do cessar-fogo, durante a tradicional segunda-feira de encontro do governo presidido pelo rei Salman bin Abdulaziz Al Saud. Não havia uma menção sequer ao acordo de cessar-fogo. Enquanto as monarquias da Arábia Saudita e do Golfo não registrarem o acordo, sua utilidade está sujeita a dúvidas", disse à Gazeta Russa

Síndrome de pit bull

Com seu discurso anual no Dia do Defensor da Pátria (23 de fevereiro), o presidente russo Vladímir Pútin se comprometeu a usar a política externa para convencer e persuadir os aliados da Rússia na região a cumprir o cessar-fogo.

Pútin expressou esperança de que os Estados Unidos também influenciariam os atores regionais de política externa próxima da sua a fazerem o mesmo.

Essa pode ser a tática certa. Mas, com o papel dos EUA de provedor de segurança do Oriente Médio minado já há tempos, os reinos sunitas não devem estar ansiosos por ouvir as recomendações de Washington como faziam antes.

E esse não é o único obstáculo. Com o presidente Assad ainda encurralado e nutrindo iras muitas vezes suicidas, Moscou poderia se ver em uma situação desagradável.

Nesse ponto, o professor Kosatch é mordaz: o presidente sírio é um cliente pesado, e poderemos ver uma "síndrome de pit bull".

O líder de Damasco, apesar de ser sinceramente grato a Moscou por virar o jogo, ainda pode estar seguindo uma agenda secreta.

Assim, no momento, os fatores negativos parecem exceder os ganhos positivos.

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