Prós e contras da campanha síria

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

Incursão no país árabe põe na balança valores e interesses do Kremlin.

O outono de 2015 é um novo marco para a história política do país. Pela primeira vez em mais de 25 anos, a Rússia atua oficialmente em uma ação militar de grande escala no exterior. Mas, além do objetivo de pacificação, a natureza estratégica da iniciativa é que chama a atenção. Enquanto apela para uma coalizão internacional contra o terror, Moscou deixa claro que está pronta para agir sozinha.

Os motivos que levaram o Kremlin a optar por uma ação militar muito além de suas fronteiras são óbvios. O Estado Islâmico, organização proibida no país, é inimigo incontestável da Rússia. Mas é o faro político de Vladímir Pútin que exerce papel fundamental no contexto. Ele agarrou a oportunidade de romper a situação e forçar os outros a reagir à sua iniciativa, e não vice-versa.

A demonstração das capacidades militares russas não é, contudo, um fim, mas um fator. Tal como é a formação de um círculo de parceiros importantes na região, desde Teerã até Beirute. Os riscos, esses também são óbvios.

Moscou se envolve a favor de uma das partes – a do presidente sírio Bashar al-Assad – em uma brutal guerra civil e religiosa, solidarizando-se, embora circunstancialmente, com a minoria xiita. Isso requer um alinhamento cuidadoso das políticas ou, caso contrário, a escala dos danos, incluindo internos, dadas às particularidades dos muçulmanos russos, pode ser imensa.

As relações com os Estados Unidos e a União Europeia também tendem a se complicar. Acabar com o fundamentalismo islâmico é do interesse de quase todos. Mas, uma vez que o possível sucesso da Rússia está relacionado com o reforço não apenas de sua influência, mas também das posições do regime de Assad, a atitude negativa dos EUA e seus aliados deve aumentar.

Se isso chegará a uma ação direta contra Moscou, ainda é difícil de prever. Mas há esperança de que todos tenham tirado algumas lições de experiências passadas. Na melhor das hipóteses, os principais players vão manter a neutralidade. Enquanto isso, a inevitável guerra midiática já começou.

O principal dilema das guerras em que grandes países se envolvem é que nelas não existe o conceito de “vitória”. As campanhas militares são realizadas quase que exclusivamente com o propósito de mudar o regime de governo, e essa mudança vem sendo inevitavelmente alcançada – no Afeganistão, no Iraque e na Líbia.

Ninguém se atreve a declarar abertamente a vitória, até porque a total eliminação do governo indesejado nunca aconteceu. Nos exemplos citados, o vencedor teve que se envolver na cara e ineficaz reedificação do governo (Afeganistão e Iraque) ou a se retirar imediatamente (Líbia), deixando para trás um Estado em ruínas.

Seja como for, o objetivo de qualquer campanha é, enfim, a busca de uma “estratégia de saída”.

É claro que o envolvimento russo na Síria tem, no mínimo, uma diferença crucial em relação às ações dos EUA e da Otan desde o início de 2000. Moscou não tenta mudar o governo que está no poder, mas reforçá-lo. À parte da legitimidade perdida de Assad e da ausência de controle estatal sobre a maior parte do território, a interação com o Exército e o governo local, embora enfraquecidos, garante mais chances contra o Estado Islâmico do que ajudar os rebeldes.

Isso não elimina, porém, a “estratégia de saída”, especialmente se as coisas não saírem como planejadas. No fim das contas, os norte americanos estão atacando o EI a partir de sua base aérea em Incirlik, na Turquia, onde permanecerão em caso de rumo desfavorável no teatro das operação militares, enquanto os pilotos russos estão posicionados diretamente na Síria.

Toda guerra tem uma lógica própria. Em um determinado momento essa lógica acabará por prevalecer sobre a racionalidade política. A experiência de quase todas as potências que tentaram apostar pesado no Oriente Médio são prova disso. A história dessa região já nos ensinou uma coisa: ali, nada corre como o planejado. E não podemos nos esquecer disso.

Fiódor Lukianov é presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa

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