O difícil day after das sanções

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

Apelo por fim de medidas aumenta na Europa, mas incertezas permanecem. Conceito de Grande Eurásia ganha força com esfriamento das relações Rússia-UE.

Boatos e apelos pelo fim das sanções impostas à Rússia ainda este ano soam com intensidade cada vez maior na Europa. Agora são as autoridades francesas que mostram disposição para se juntar aos países tradicionalmente mais amigáveis em relação à Rússia, como Itália ou Áustria. Mas a dúvida que fica é: que tipo de relação poderá ser estabelecida no pós-sanções?

As relações jurídicas entre a Rússia e a UE se baseiam- no Acordo de Parceria e Cooperação (APC) de 1994, que tem por fundamento ideológico o conceito de Grande Europa, uma comunidade com regras e sistemas de valores comuns que se constituíram na União Europeia.

Em meados dos anos 2000, começou a ser discutida a elaboração de um tratado básico que viria a substituir o APC, para absorver a experiência de cooperação acumulada e estabelecer as bases para uma convergência mais qualitativa. Nessa época, porém, o ambiente político dava sinais de mudanças: ao invés de aumentarem importância, as relações despencavam.

O resultado disso foi, em 2014, a imposição de sanções recíprocas após o início e a rápida intensificação da crise ucraniana. A era da declarada “parceria estratégica” havia terminado, deixando um gosto amargo em ambos os lados. Não há como retornar ao modelo anterior, mesmo se imaginarmos o cenário altamente improvável de resolução próxima da Ucrânia.

A Rússia não quer mais se tornar parte de uma Europa unificada, e a Europa unificada não compactua com a suposta ideia de expansionismo – também precisa retirar-se e resolver suas numerosas contradições internas. Não deve haver mais, portanto, a Grande Europa.

É impossível restaurar a parceria estratégica nos moldes dos anos 1990-2000. A lógica da Grande Europa não se aplica mais. Após a crise, as relações não terão mais abrangência total, e sim focarão em áreas individuais de aplicação.

Apesar do prognóstico pouco favorável, existem aspectos práticos que, independentemente da atmosfera política, não podem ser abstraídos do âmbito das relações Rússia-União Europeia. São eles: energia (nenhuma das partes têm recursos para romper a interdependência), o trânsito de pessoas (ainda mais acentuado em função dos refugiados) e a cooperação transfronteiriça (com o objetivo de encontrar soluções para problemas comuns).

Grande Eurásia à vista

As perspectivas de desenvolvimento econômico agora se tornam mais relevantes quando analisada sob o conceito de Grande Eurásia, e não mais de Grande Europa. E a principal causa disso é externa: a China se voltou ao Ocidente e tem intenções bastante claras de abrir caminhos rumo à Europa e ao Mediterrâneo.

O simples formato Rússia-UE não tem peso para a construção da Grande Eurásia, que requer um diálogo multifacetado: União Europeia-União Econômica Euroasiática (UEE), Rússia/ UEE-China, União Europeia-China e, finalmente, China-UEE-União Europeia.

É justamente nos termos da última combinação, China-UEE-União Europeia, que faz sentido discutir aquilo que Moscou e Bruxelas já haviam abordado anteriormente – a criação de um espaço econômico comum e a harmonização de regras e regulamentos.

Entre as vantagens desse desfecho estaria o desenvolvimento de algumas ex-repúblicas soviéticas que nunca conseguiram obter uma base estável erguer a economia local.

Segurança corroída

A questão da segurança na Europa não consiste apenas e nem tanto na Ucrânia e em outros países onde os interesses da Rússia e da UE/Otan entram em conflito real ou imaginário.

O continente europeu está como um todo deixando de ser um espaço de estabilidade garantida. Por um lado, isso está relacionado ao fato de que a UE não conseguir se distanciar dos fracassos cada vez mais fatais do Oriente Médio.

Por outro, os desequilíbrios internos do projeto da União Europeia estão levando ao desmantelamento dos sistemas de unificação – ao que parece, o acordo de Schengen não tem chances no formato atual – e ao aprofundamento das contradições entre os países-membros.

Fiódor Lukiánov é presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia.

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