Marcha Nemtsov gera indagação sobre protestos políticos

Segundo ONG, protesto reuniu cerca de 15.200 pessoas no centro de Moscou; Polícia da capital registrou apenas 5.000

Segundo ONG, protesto reuniu cerca de 15.200 pessoas no centro de Moscou; Polícia da capital registrou apenas 5.000

Iliá Pitalev/RIA Nôvosti
Maior manifestação da oposição em 2017, a “Marcha Nemtsov” ocorreu neste domingo (26) em Moscou. Analistas políticos, porém, dizem que protestos ganharam outra dimensão no país na atualidade.

A oposição liberal russa realizou neste domingo (26) seu maior protesto do ano, a Marcha Nemtsov, em memória ao ex-vice-primeiro ministro Borís Nemtsov, assassinado há dois anos.

A manifestação foi realizada no centro de Moscou e reuniu, segundo a ONG “Béli Schiotchik” (do russo, Contador Branco), em torno de 15.200 pessoas; já de acordo com a Polícia de Moscou, havia em torno de 5.000 manifestantes.

Apesar da variação, ambos os registros indicam um número significativamente menor de seguidores que nos anos anteriores. Em 2016, o evento reuniu 24 mil pessoas, e, em 2015, entre 50 e 70 mil pessoas, segundo seus organizadores.

De acordo com um porta-voz da Polícia, nenhum incidente grave foi relatado durante a marcha deste ano. 

No entanto, segundo informou um correspondente da TASS, o líder do partido Parnas, Mikhail Kasianov, que comandava o movimento em memória de Nemtsov, foi atacado em Moscou. Uma pessoa não identificada teria corrido até Kasianov e espirrado em seu rosto um líquido de cor verde brilhante.

O evento é considerado importante por ser a única manifestação que ocorre com alguma regularidade na atualidade. Além disso, desde a morte de Nemtsov, poucos protestos de grandes dimensões ocorreram na capital russa.

Os protestos políticos, que se intensificaram na Rússia a partir de 2011, devem continuar em queda. Os “cidadãos zangados” que exigiam mudanças na Praça Bolôtnaia entre 2011 e 2012 deixaram as ruas e não mostram ter a pretensão de retornar.  

Protesto na cozinha 

“Naquela época, as pessoas estavam indignadas porque seus direitos políticos haviam sido cerceados. E essas pessoas não eram pobres, elas tinham as despensas cheias. Para elas, porém, era importante ter a chance de escolher seu governo”, diz o especialista em TI Dmítri Stepanov, de 37 anos.  

Ele foi um dos que tomaram as ruas após as eleições para a Duma (câmara de deputados na Rússia) de 2011, exigindo que essas fossem reconhecidas como fraudadas e os cidadãos, restituídos de seu direito de voto.

Stepanov se lembra como uma mudança drástica ocorreu nas posições de muitas pessoas: elas, que pensavam que “os direitos democráticos estavam sendo gradualmente limados, mas ainda existem”, passaram a pensar que “não existem quaisquer direitos políticos no país”.

Então, as pessoas começaram a protestar. Mas aqueles que os guiavam não podiam oferecer uma estratégia clara, diz Stepânov.

“E nós perdemos essa batalha. Agora, cerca de 300 pessoas protestam regularmente nas ruas de Moscou. Na Rússia inteira há entre 1.500 e 2.000 manifestantes. E outras dezenas de centenas de milhares estão esperando a situação se desenrolar porque ainda não veem por que sair para a rua e protestar. A que isso vai levar?”

Stepânov continua indo aos protestos. “Vou apenas aos que estão legalizados”, completa.

De certa maneira, suas palavras fazem eco ao que os líderes da oposição vêm dizendo. Hoje, a desilusão é sua principal emoção, ressalta o deputado da Duma e opositor Dmítri Gudkov.

Remetendo aos tempos soviéticos, quando as pessoas só conversavam de política, quando o faziam, escondidas nas cozinhas de seus apartamentos comunais com os vizinhos, Gudkov diz que hoje todos os sentimentos dos dissidentes estão sendo empurrados para esse cômodo.

“O problema não está no formato do protesto. Em 2011, o protesto era emocial, o que é sempre algo vívido. Agora, ele se tornou rotina”, disse Gudkov à Gazeta Russa.

“As pessoas  não estão desejosas de aderir a slogans políticos. E não só porque elas não acreditam mais na mudança. Muitas estão com medo. Houve um julgamento relacionado a um protesto da Praça Bolôtnaia, procedimentos criminais foram lançados contra publicações em redes sociais. Isso cria uma atmosfera de medo. Uma pessoa normal pensará cem vezes antes de sair e protestar e se sujeitar ao risco”, diz o político oposicionista Iliá Iáshin.

A posição atual do governo sobre o assunto foi definida há muito tempo e expressa em muitas ocasiões: a lei é para todos; ninguém está autorizado a organizar desordens em massa e usar violência contra os policiais.

“O governo não deve ser severo, mas deve se certificar de que todos sigam determinadas regras. Caso contrário... podemos encontrar os problemas que ocorreram em 1917”, disse o presidente Vladímir Pútin, fazendo menção à revolução russa.

Exceto pela opinião sobre a estagnação generalizada, o ponto de vista das pessoas sobre o potencial dos protestos é diferente daquele das pessoas que as guiavam – e que hoje simplesmente não funciona.

Oposição desunida 

“O futuro do protesto político é a base sócio-econômica, e hoje ninguém sabe como traduzir a insatisfação sócio-econômica em slogans políticos”, afirma o diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Financeira do Governo Russo, Pável Salin.

Para Serguêi Markov, diretor-geral do Instituto de Estudos Políticos, instituição próxima do Kremlin, o maior potencial para o protesto também está ligado à esfera social.

“Ele está ligado à queda dos padrões de vida e é muito claro para muitos, já que afetou, principalmente, pessoas pobres. Isso pode ser visto, por exemplo, nas estatísticas de venda de carros: as vendas de carros populares caíram, mas as de carros de luxo não. Além disso, novos problemas aparecem acima desses problemas sem resolução, como os estacionamentos pagos, que antes não existiam ou eram ínfimos [e custam cerca de R$ 10 a hora, mas são apoiados por 57% dos moscovitas, de acordo com uma pesquisa do Centro Levada]”, diz Markov.

Mas, para ele, a possibilidade de os protestos recobrarem forças está congelada: com a crise nas relações entre a Rússia e o Ocidente, a maior parte dos cidadãos vê os protestos contra seu próprio governo como antipatrióticos.

O segundo motivo é que a oposição está desacreditada com sua atitude diante da crise ucraniana.

“Uma pessoa pode ter sua própria opinião sobre a Crimeia, mas um apoio declarado a um regime russofóbico é algo que danifica sua reputação de maneira significativa”, diz Markov. 

Líderes da oposição falam frequentemente sobre condições desiguais, como a falta de recursos de mídia e administrativos.

“Imagine que tenhamos uma corrida. Eu corro todos os 400 metros, mas o representante do governo corre apenas os 100 últimos metros. Começamos a corrida ao mesmo tempo, mas eu tenho uma série de obstáculos”, exemplifica Gudkov.

Aqueles que continuam a frequentar os protestos, acreditam que as raízes do problema estejam em outro lugar.

“Não sei quem nutriu expectativas de que a morte de Nemtsov fosse nos unir. A oposição russa não pode se unir porque lhe falta um objetivo comum: alcançar grandes mudanças na Rússia. Ela está ocupada com desafios como não desaparecer do cenário político e apoiar sua própria existência”, diz Stepânov.

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