Entre a justiça e a efetividade

Deputados devem votar as duas emendas assim que voltarem do recesso de verão Foto: Aleksêi Filipov / RIA Nóvosti

Deputados devem votar as duas emendas assim que voltarem do recesso de verão Foto: Aleksêi Filipov / RIA Nóvosti

Os parlamentares apresentaram na Duma de Estado (câmara baixa do Parlamento russo) um projeto de lei que visa acabar com as conexões familiares no funcionalismo público. O documento entregue para a Duma propõe adicionar dois artigos à lei federal “Sobre a resistência à corrupção”.

O objetivo da primeira emenda é interditar a transferência de recursos financeiros para órgãos estatais cujos dirigentes (ou vices ou chefes de contabilidade) sejam familiares próximos dos dirigentes, respectivos vices ou chefes de contabilidade da entidade pública que efetuou a referida transferência.

Por familiares próximos, os legisladores entendem pais, cônjuges, filhos, netos, avós e irmãos, bem como irmãos, pais, avós e filhos dos respectivos cônjuges. Caso o dirigente viole este princípio, será demitido por perda de confiança.

A segunda emenda proíbe o trabalho de familiares próximos no mesmo órgão estatal ou municipal, caso as respectivas funções estejam na dependência ou controle de um deles. No entanto, os autores da lei introduziram uma exceção: familiares próximos poderão exercer funções nas mesmas entidades se estas orem federais ou municipais nas áreas da educação, cultura, medicina e farmacologia em zonas rurais.

“A intenção do projeto de lei é estancar a fuga de recursos financeiros orçamentais e acabar com a nomeação de funcionários incompetentes para cargos importantes”, afirma um dos autores do projeto, o deputado Víktor Chudegov. “É por isso que proibimos as transferências de fundos orçamentais para empresas em que trabalhem familiares próximos dos emissores das transferências e impedimos que familiares sejam subordinados diretos de familiares em cargos públicos em subordinação direta de outros familiares.”

Chudegov alega que os membros do Parlamento estão se orientando, sobretudo, por justiça social, e não pela defesa da efetividade do trabalho do funcionalismo público. “Se um alto dirigente de uma região arranjar trabalho para um seu familiar próximo, a população não verá o fato com bons olhos, mesmo que o novo funcionário cumpra com zelo as suas obrigações”, disse o deputado, salientando que esses casos são mais comuns nas repúblicas nacionais. “É necessário deixar trabalhar os realmente profissionais, não os familiares”, adianta o deputado.

Na opinião de alguns especialistas, as novas emendas já são contempladas na atual legislação, e o documento proposto pelos deputados limita-se a desnecessariamente endurecer as normas em vigor.

“As normas em questão estão na lei ‘Sobre o Funcionalismo Público’. Se esses familiares não dependerem uns dos outros, podem exercer funções no mesmo órgão. A norma aqui discutida já estava consagrada na legislação soviética do ano de 1921”, ressalta Pável Kudiúkin, docente da cátedra de Teoria e Prática de Gestão Pública da Faculdade da Gestão Estatal e Municipal, da Escola Superior da Economia.

Existe também outra norma sobre conflito de interesses, que trata da relação entre uma instituição pública e uma empresa privada que satisfaz encomendas federais. “Qualquer funcionário público é obrigado a comunicar situações em que pode estar em causa um conflito de interesses. Porém, mesmo nestes casos, a organização em que trabalha um dos cônjuges pode ser autorizada a participar no concurso, se tal favorecer o cumprimento da encomenda estatal. Neste caso, prevalece o princípio da efetividade”, explica Kudiúkin.

O especialista tem certeza de que é possível contornar as emendas propostas com a ajuda de conhecidos ou amigos que podem tomar a decisão vantajosa para quem for afastado do trabalho por motivo de parentesco. “Se todos os nossos problemas decorressem apenas dos laços de sangue, seria ótimo. As dificuldades surgem por muitíssimas outras razões, sendo impossível prever todas. O mal dos nossos legisladores é que tentam regular casos particulares em vez de criarem normas generalizadas”, enfatiza Kudiúkin.

O vice-reitor da Universidade de Economia da Rússia Plekhanov, Serguêi Markov, compartilha a mesma opinião do economista. Segundo ele, a Duma de Estado devia emitir menos leis, mas controlar melhor a aplicação jurídica delas. “É preciso dar mais atenção à área política do que à de direito. Há já muita gente que vê o Parlamento como ‘o ministério das leis’. Além disso, não devemos pensar que as novas leis entrarão em funcionamento automaticamente após a sua aprovação”, alerta Markov. “É necessário aumentar a pressão sobre os ministérios e departamentos. Por mim, criaríamos uma lei sobre a confiscação de bens e outra sobre retirada de direitos aos que recorrerem aos offshores”.

A expectativa dos autores do projeto é de que a Duma de Estado promova o debate desse projeto de lei assim que os deputados voltarem do recesso de verão.

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