Pútin usa URSS para falar de justiça social

Presidente da Rússia, Vladímir Pútin Foto: Reuters

Presidente da Rússia, Vladímir Pútin Foto: Reuters

Presidente Vladímir Pútin descreveu a União Soviética como uma terra de oportunidades e sugeriu que duas relíquias soviéticas, os uniformes escolares obrigatórios e o prêmio “Herói do Trabalho”, fossem retomados em nome da justiça social. As declarações fossem feitas durante uma reunião informal com seus apoiadores em Rostov do Don na última sexta-feira (29).

O governo soviético ofereceu a Pútin oportunidades – educação de qualidade, trabalho pelo KGB no exterior e mobilidade social de volta à casa – sem as quais ele “não teria tido a chance de subir à sua posição atual”, disse Pútin, acrescentando que a mesma façanha seria “bastante difícil” nos dias de hoje.

“Temos que novamente transformar a educação em um veículo de mobilidade social para todos”, disse o presidente aos membros de base da Frente Popular de Toda a Rússia, uma coalizão de associações que o apoiam, incluindo o partida governista Rússia Unida e vários grupos não-governamentais.

Durante a sessão de perguntas e respostas, Pútin também manifestou apoio pela ideia de retomar a obrigação do uso de uniformes escolares, abolidos em 1992, que, segundo um educador da cidade siberiana de Tiumen, poderia promover coesão social e preservar a saúde das crianças.

“O governo federal poderia exigir de novo o uso de uniformes e deixar os detalhes para as regiões”, disse Pútin.

O presidente foi cauteloso ao falar se todas as crianças russas deveriam usar o mesmo livro de história. Em suas palavras, deve haver uma “versão canônica da nossa história” para o bem da unidade nacional, mas os professores também devem apresentar pontos de vista diversos aos seus alunos.

O ambiente no auditório estava tranquilo, Pútin permaneceu sentado no mesmo nível que o público e contou piadas, além de relembrar sua época como um jovem agente do KGB. O presidente russo serviu na principal agência de segurança da União Soviética entre 1975 e 1991.

Por sugestão de um operário, Pútin ressuscitou outro ícone soviético: o título honroso de “Herói do Trabalho”, criado em 1928 e rebatizado de “Herói do Trabalho Socialista” em 1938. A premiação foi extinta juntamente com a União Soviética em 1991.

“Eu não só concordo com você, mas acho que sua proposta será implementada até o final do dia de hoje”, disse Pútin ao homem, fazendo com que o corpulento líder sindical Mikhail Chmakov franzisse o rosto de descrença antes de dar um sorriso contido.

O presidente disse que não tem volta para a União Soviética, embora expresse com frequência certa nostalgia pela força geopolítica de antes. Em outra ocasião, Pútin chegou a descrever o colapso da URSS como “a maior catástrofe geopolítica” do século 20.

Mobilidade social

Na sexta-feira passada, Pútin também repetiu a crença de muitos russos de que a rede de segurança social e o sistema de educação eram mais fortes na URSS, bem como era menor a diferença de grau entre ricos e pobres.

Ele criticou a desigualdade de renda e sugeriu o estabelecimento de limites razoáveis para os “paraquedas dourados”, como são chamadas as generosas indenizações eventualmente concedidas aos altos executivos.

O paraquedas dourado no valor de US$ 100 milhões recebido pelo ex-executivo da empresa de mineração MMC Norilsk Nickel, Vladímir Strjalkovski, foi o maior da história da Rússia e provocou indignação quando anunciado em dezembro do ano passado. A prática foi amplamente criticada por deputados da Duma (câmara dos deputados na Rússia) e funcionários do gabinete do procurador-geral.

Strjalkovski, um antigo colega de Pútin durante seus anos no KGB, prometeu dar 10% do montante às famílias de oficiais do serviço de segurança falecidos.

O presidente ouviu ainda reclamações sobre as condições para as pequenas empresas, sobretudo relativas ao acréscimo nos pagamentos obrigatórios para o fundo de pensões.

A partir deste ano, os empreendedores individuais têm de pagar 37 mil rublos (US$ 1.200) por pessoa para o fundo, um aumento dramático em relação aos níveis anteriores e uma iniciativa que, segundo os diretores de pequenas empresas, fez com que mais de 350 mil pessoas cancelassem sua inscrição como empreendedores.

Pútin deu ordens para o governo rever a situação dentro de duas semanas e reportar suas conclusões a ele novamente.

Parceria oficializada

O tom leve do debate quase mascarou o trabalho político que estava em curso na ocasião. Com o Rússia Unida assolado por escândalos e quedas nas pesquisas, são muitos os rumores de que a Frente Popular de Toda a Rússia vai se tornar o principal veículo pró-Putin, talvez até mesmo substituir o partido governista.

A especulação ganhou impulso quando Pútin exortou os membros para registrar oficialmente o grupo e realizar um congresso de fundação nos dias 11 e 12 de junho, que coincide com o feriado do Dia da Rússia.

Antes disso, a Frente Popular anunciou que Andrêi Botchariov, condecorado veterano da guerra da Tchetchênia e ex-deputado Duma de Estado, iria conduzir os preparativos para o congresso, incluindo a criação de comitês organizadores regionais por todo o país.

Botchariov disse que o grupo iria se certificar de que as ordens emitidas na conferência da última sexta-feira fossem realizadas, informou a agência RIA Nóvosti.

Em outro sinal de crescente poder do grupo, o líder do Rússia Justa, Serguêi Mironov disse, em um comunicado on-line, que seu partido não excluiria a possibilidade de trabalhar com a Frente Popular em certas questões.

A Frente Popular de Toda a Rússia foi fundada por iniciativa de Pútin em 2011. Elegeu dezenas de candidatos sem partido e pró-governo à Duma de Estado em dezembro no mesmo ano, e apoiou a eleição de Pútin para seu terceiro mandato presidencial em março de 2012.

Mesmo assim, 57% dos russos nunca ouviram falar da organização e 42% a consideraram uma “imitação” do amplo apoio ao presidente, de acordo com pesquisas do Centro Levada em março.

 

Publicado originalmente pelo The Moscow Times

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