Por que o acordo de paz Minsk 2 jamais dará certo

Ucrânia tem receio de que conflito no país vire "moeda de troca" entre Rússia e EUA-UE

Ucrânia tem receio de que conflito no país vire "moeda de troca" entre Rússia e EUA-UE

Mikhail Sokolov/TASS
Disputas ideológicas e incapacidade de Kiev freiam tentativas de resolução do conflito, reavivado com recente incursão ucraniana na Crimeia. Mas por que novamente?

Até a semana passada havia consenso de que a guerra na Ucrânia se tornara um “conflito congelado”. Tendo isso em mente, tanto a mídia como as figuras políticas pareciam ter virado as costas para a história, e a cobertura foi silenciada – com exceção dos relatórios da OSCE a partir das linhas de frente, que eram, porém, pouco divulgados. “O que os olhos não veem, o coração não sente” virou lema.

Mas isso tudo isso mudou agora, e por uma razão bastante simples. O segundo acordo de Minsk, assinado em fevereiro de 2015, não pode ser implementado em seu formato atual e todos as partes estão plenamente conscientes disso. Como resultado, os lados  vão realizando manobras em benefício próprio até que seja feita uma nova tentativa para encontrar uma resolução final, que deverá acontecerá já no próximo mês.

Por parte da Rússia, é evidente que o Kremlin deseja um resultado no qual tenha o direito garantido de manter uma “esfera de influência” na Ucrânia e em outros ex-Estados soviéticos não membros da Otan. Com base nisso, a retórica de Moscou tenta pintar o governo de Kiev como incompetente, corrupto e incapaz de resolver inúmeros problemas em seu país.

Seguindo essa lógica, o governo de Pútin parece insistir que as potências ocidentais façam um acordo diretamente com a Rússia, ignorando as autoridades ucranianas.

Kiev cercada

Sob a perspectiva de Kiev, as coisas parecem um tanto diferentes. Os líderes locais têm receio de que a fonte de apoio estrangeiro esteja secando. Eles veem países europeus falarem sobre a suspensão das sanções anti-Rússia e apelando para a melhoria das relações com Moscou. Também estão cientes do crescente questionamento da política externa dos EUA na Europa, liderado pelo candidato presidencial Donald Trump.

O maior medo da Ucrânia é que os Estados Unidos e a União Europeia troquem influência na região por cooperação com a Rússia em outros confrontos, como na Síria. Caso isso aconteça, eles poderão, em grande parte, culpar-se pelo constante fracasso, desde 2014, em tomar controle da corrupção desenfreada no país.

As outras partes envolvidas no conflito são rebeldes pró-Rússia no leste da Ucrânia, que atualmente detêm o poder de facto em Donetsk e Lugansk. Sua preocupação é que Moscou proponha negociar seu apoio com os rebeldes se Kiev e o Ocidente reconhecerem a reintegração da Crimeia. Restaurar essas províncias será de grande dificuldade para a Ucrânia, uma vez que o Exército nacional é visto como responsável por bombardear a população local ao longo dos últimos dois anos.

Concepção falha

Para entender por que o Minsk II não funciona, é preciso lembrar as circunstâncias em que foi assinado. O exército de Kiev cedeu à ofensiva dos rebeldes em fevereiro de 2015 e abandonou a cidade Debaltseve, ponto estratégico entre Lugansk e Donetsk. Os líderes internacionais estavam, portanto, lutando para encontrar um acordo rápido que encerrasse os confrontos. Em desespero, o presidente ucraniano Petrô Porochenko assinou um acordo que não é capaz de implementar porque não possui controle suficiente sobre o Parlamento para aprovar a legislação necessária.

Na época, ele prometeu que os parlamentares de Kiev iriam aprovar uma resolução até 13 de março de 2015, permitindo uma “Ordem de Autogovernança Local em Determinados Distritos” nas regiões de Donetsk e Lugansk, e estabelecendo, assim, o cenário para as eleições locais nos territórios em disputa.

Dezessete meses depois, porém, Porochenko não moveu uma palha sequer, pois o resultado seria provavelmente o colapso de seu governo. Outro problema é que um dos itens do acordo Minsk II pressupõe anistia por crimes cometidos durante a guerra, e os grupos nacionalistas ucranianos influentes simplesmente não aceitariam isso.

Por outro lado, tanto os rebeldes como Moscou são provavelmente contra o artigo nove, segundo o qual o controle da fronteira de Estado em toda a zona de conflito deve ser restituído ao governo ucraniano. No entanto, isso não precisa acontecer até o dia seguinte às eleições – que, pelo que tudo indica, jamais serão realizadas.

Próximos passos

Porochenko assinou em Minsk um acordo que não pode cumprir. Ele sabe disso, e a Rússia também está a par da situação. Isso significa que a única esperança do governo ucraniano é fazer com que os líderes estrangeiros acreditem que Moscou é responsável por todos os problemas em seu país e que representa um perigo iminente para Kiev e, talvez, para outras partes da Europa também.

No caso do Kremlin, a atual disputa de natureza ideológica é mais uma demonstração de força que obriga as mentes ocidentais a prever do que a Rússia seria capaz ao ser pressionada. No entanto, em um momento em que Pútin investe grandes esforços na tentativa de restaurar as relações com o Ocidente, é impensável que ele vá agora abandonar o seu capital político por questões territoriais na Ucrânia.

Além disso, a demissão surpresa do então chefe da administração do Kremlin, Serguêi Ivanov, na sexta-feira (12), sugere que o governo russo está comprometido em fazer as pazes. Ivanov era considerado o mais importante “silovik” (político com formação em segurança ou serviços militares – GR) na administração atual e visto como linha-dura em relação à Ucrânia. Seu substituto, Anton Vaino, 44 anos, é, porém, um ex-diplomata sem qualquer vínculo com agências militares, sugerindo que os “civis” estão começando a ganhar a discussão em Moscou.

Bryan MacDonald é analista político e jornalista baseado em Moscou.

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