Novos governos na América Latina, novas relações com Moscou

Novo presidente peruano tomará posse no próximo dia 28 de julho

Novo presidente peruano tomará posse no próximo dia 28 de julho

AP
As últimas eleições presidenciais no Peru tornaram-se um aspecto importante do cenário político na América Latina. O que se pode esperar do novo líder peruano e de outros países latino-americanos, como Brasil e Argentina, em relação à Rússia?

Pouco antes das eleições de janeiro passado, o presidente da Rússia, Vladímir Pútin, e seu homólogo do Peru, Ollanta Humala, tiveram uma conversa telefônica. Ambos os chefes de Estado destacaram que, apesar do desenvolvimento desfavorável da economia mundial, o volume de comércio bilateral havia aumentado em 40% no ano passado.

Durante o governo de Velasco Alvarado, o país viveu o auge das relações bilaterais entre Peru e Rússia. No entanto, segundo assinala o jornal peruano ‘El Men’ em seu artigo ‘A nova aliança com a Rússia’, após a renúncia do general Alvarado, a colaboração com a URSS foi praticamente interrompida, e seus sucessores não pouparam críticas a Moscou. Entre os críticos encontrava-se também Alberto Fujimori, embora o agravamento das relações bilaterais tenha se dado, em grande parte, por causa da queda soviética e da crise pela qual passava a Rússia.

Ollanta Humala recuperou os níveis anteriores de cooperação econômica e comercial com Moscou. Seu governo conta com inúmeros exemplos de sucesso na resolução dessa tarefa, entre eles o da fabricante de automóveis Kamaz, que criou uma unidade de montagem de ônibus no Peru, e o da AvtoVAZ, que começou a exportar sua produção para a região andina.

Além disso, com a ajuda de especialistas russos, colocou em órbita o primeiro satélite peruano, chamado Chaski 1. Também foram celebrados diversos contratos para a modernização de equipamentos militares e para o fornecimento de sistemas antitanque Kornet-E e helicópteros militares Mi-35. E, desde o início da guerra de sanções entre o Kremlin e o Ocidente, foi alcançado ainda um acordo para a exportação de frutas do Peru à Rússia.

Se não bastasse, no início deste ano, a Rússia enviou o último lote de 24 helicópteros Mi-171, conforme contrato assinado em 2013, cujo valor total somou em torno de 528 milhões de dólares. De acordo com a jornalista e especialista militar Tatiana Rusakova, Rússia e Peru se distanciam gradualmente da típica relação “fornecedor-cliente”. Além do envio direto de tecnologia militar, Moscou vem abrindo joint ventures no Peru. Por exemplo, no início de setembro de 2014, os países ratificaram um acordo para a construção de um centro conjunto para produção e manutenção de helicópteros perto da base das Forças Aéreas do Peru.

Pedro Pablo Kuczynski, que tomará posse no próximo dia 28, é conhecido na Rússia. Como primeiro-ministro e ministro das Finanças nos governos anteriores do Peru, viajou à Rússia em várias ocasiões e está bem a par do status atual das relações políticas e econômicas de seu país com a Rússia. Segundo Emil Dabaguián, pesquisador sênior do Instituto da América Latina, essas relações não sofrerão mudanças significativas após a mudança de governo no Peru. “A tendência atual estabelecida por Humala e seus antecessores entre os nossos países vai continuar”, diz o especialista. “O Peru não vai participar das sanções ocidentais. O fornecimento de produtos alimentares para a Rússia vai continuar. E pode-se dizer com toda certeza que também permanecerá a cooperação na Apec.”

Mudanças na esquerda latino-americana

No entanto, alguns especialistas russos, acostumados a dividir as forças políticas na América Latina entre “aliados” e “inimigos”, dependendo da ideologia de cada uma, estão céticos. A recente decisão da Assembleia Nacional da Venezuela (cuja maioria corresponde à oposição do presidente Nicolás Maduro) de rever o contrato de petróleo com a empresa russa Rosneft, no valor de 500 milhões de dólares, tem sido vista em Moscou como prova da tendência negativa nas relações russo-venezuelanas.

Também existe certa preocupação no governo russo em relação ao processo iniciado no Brasil, um importante parceiro comercial da Rússia, após o afastamento da presidente Dilma Rousseff. A mudança de poder na Argentina, onde o candidato de direita Mauricio Macri substituiu uma antiga aliada de Moscou e amiga pessoal de Pútin, Cristina Fernández de Kirchner, tampouco gera otimismo entre os especialistas em América Latina, especialmente depois um decreto do novo presidente argentino proibindo a transmissão do canal Russia Today na TV aberta.

Para vários especialistas russos, os governos de direita na América Latina apostarão em uma política mais voltada aos Estados Unidos. “Se chegam ao poder liberais que contam com o apoio dos Estados Unidos, as portas se abrirão para empresas norte-americanas, que voltarão a exercer uma política colonialista”, afirma Andrêi Manoilo, doutor em ciência política e professor da Universidade Estatal de Moscou.

Outros analistas alegam, porém, que esse tipo de abordagem para a situação está desatualizada e que muitas das preocupações de políticos e especialistas russos em relação ao continente latino-americano são simplistas. Graças à democratização do continente e ao desaparecimento das ditaduras, as forças de esquerda na América Latina também estariam mudando, como no Chile, por exemplo, e isso não apresenta qualquer ameaça real para as relações políticas e econômicas com Moscou.

Sob essa perspectiva, o importante é que a Rússia deixe de lado os padrões ideológicos do passado e ofereça aos países da América Latina um modelo eficaz, competente e diversificado para as relações políticas, econômicas e comerciais. E o Peru é a prova de que isso é possível.

Evguêni Bai é jornalista internacional, especialista em América Latina e colaborador nos veículos The New Times, Novaia Gazeta e Ekspert.

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