De babás sanguinárias e crianças crucificadas

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

Especialista em mídia analisa decisão tomada por canais de TV federais russos de não transmitir notícias sobre caso de babá que degolou criança em Moscou na segunda-feira (29). "Foram os próprios canais que começaram a não mostrar essas loucuras. Mas os apoiamos", anunciou o porta-voz do Kremlin, Dmítri Peskov.

Já faz 22 anos que trabalho no serviço de informações da Ekho Moskvi. Em todos esses anos, debati-me profissionalmente com as notícias, todos os dias. E em todos esses anos continua a discussão sobre o que é necessário e o que é válido falar pela televisão para o espectador nacional.

Inicialmente, discutia-se como a guerra na Tchetchênia influenciava seu psicológico. Para que o espectador precisa saber disso, já que ele não pode ajudar a instituir a ordem na república rebelde?

Depois, essa pequena e muito sensível organização, que é a dos espectadores, foi privada de informações sobre atentados terroristas. Afinal, nunca se sabe, isso poderia causar pânico e, quem sabe, atrapalhar os trabalhos dos serviços secretos. Os oposicionistas e suas ações também nunca foram noticiados sob o pretexto de que simplesmente não interessam a ninguém.

Que uma mulher ande por meia hora pela capital do país vestida de preto com uma cabeça de criança na mão e gritando ser terrorista, isso já não é notícia para nós. Tal acontecimento não ocorreu. Foi impressão sua.

A Síria está em todas as reportagens, a Ucrânia também, com a hashtag usada pela juventude pró-Kremlin #queremtomarnossacrimeiadevolta. E até negócios escusos com detectores de metano alterados para aumentar a produção - e que causaram a morte de 36 pessoas em explosões na república de Komi - estão na mídia, o que era muito difícil de se esperar. Mas a babá sanguinária, não.

Para mim, sinceramente, foi inesperado: pensei que uma reportagem rica assim seria usada de todo modo para gerar histeria, falar sobre como o EI (Estado Islâmico) já está batendo à porta, sobre como estamos bombardeando pouco a Síria.

Mas, de repente, dizem que, pelo amor de Deus!, renovam-se as inquietações entre diferentes nacionalidades, que os imigrantes acabarão espancados.

PAREM! Seguir essa lógica significa que, ao divulgar a história da supostamente estuprada Lisa, os canais de TV russos estão provocando uma inquietação na Alemanha? Afinal, a adolescente de 13 anos de origem russa que vive na Alemanha fugiu para a casa do namorado e disse ter sido sequestrada e estuprada por imigrantes do Oriente Médio, declaração que foi amplamente divulgada como realidade por canais de TV russos. Então, os imigrantes russos na Alemanha foram incitados contra as pessoas do Oriente Médio?

E a reportagem divulgada pelo Canal 1 russo e depois desmentida, mas não oficialmente, sobre um menino supostamente crucificado em sua aldeia pelo exército ucraniano no leste do país? Ela renovou conscientemente os ânimos antiucranianos?

Todo esse inferno inventado não feriu o psicológico dos espectadores?

Até me calo sobre o silêncio junto a notícias "menores", como o trabalho da polícia, dispersando-se em debandada, ou o problema de a quem confiar seus filhos. Como escrevem em outdoors de propaganda social: "Tanto faz?".

Conheço esse tipo de lamentos: "Não consigo assistir a isso, não me mostre". Não minta! Se fosse difícil, não assistiriam. E, sim, meninos e meninas, todos assistem e discutem.

Entre as 20 notícias mais populares e "clicáveis" nas 24 horas após o crime, apenas quatro não tinham relação com a babá sanguinária, de acordo com o serviço Mediametriks.

Ninguém está dizendo que o vídeo de uma mulher louca com uma cabeça cortada na mão deveria ser transmitido em looping 24 horas por dia. É para isso que são necessários profissionais que falem sobre esse horror e coloquem o preto no preto e o branco no branco.

As pessoas têm o direito de saber e pensar sobre as coisas que acontecem. Mesmo se lhes rejeitam, conscientemente, esse direito ou as cerceiam.

Aleksandr Pliusсhev é colunista e apresentador da rádio Ekho Moskvi.

Publicado originalmente em russo pelo site Plushev.com

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