Arábia Saudita e Irã, um desafio de mão dupla

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

Apesar de proximidade com Teerã, Moscou avalia riscos e mantém cautela diante de escalada de tensão entre os dois países.

Embora a incursão russa na Síria tenha prejudicado as relações entre Moscou e Riad, a situação em relação a Teerã é oposta e vem demonstrando rápido crescimento. Mesmo assim, a recente escalada de tensão entre os dois principais atores regionais foi relativamente ignorada pelo Kremlin, que emitiu uma simples de nota de “preocupação” com os últimos acontecimentos.

Em seu comunicado oficial, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo pediu que todos os países do Golfo evitem ações que possam intensificar o conflito e criticou o Irã ao permitir ataques à embaixada saudita em Teerã e ao consulado em Mashad, por não serem “considerados um meio legítimo de protesto ou de expressão de opiniões políticas”.

Nesse contexto, se para alguns foi surpresa o fato de as autoridades russas não terem comentado a execução do clérigo xiita Nimr al-Nimr, amplamente condenada pelos países ocidentais, a decisão do governo russo poderia ser interpretada, segundo observadores russos, como um desejo de evitar complicações nas relações – já complexas – do país com a Arábia Saudita.

Após a execução de al-Nimr, alguns analistas russos chegaram a afirmar também que uma nova crise e até uma possível guerra no Golfo Pérsico beneficiaria o Kremlin, elevando novamente os preços do petróleo. No entanto, esse cenário causaria mais problemas do que soluções. Quaisquer vantagens econômicas seriam de curto prazo, já que os demais produtores fariam tudo para retomar os preços atuais e a escalada ameaçaria os planos políticos da Rússia na região.

Enquanto parece não haver uma maneira rápida de acabar com a crise ucraniana, Moscou vê o conflito sírio como uma oportunidade de melhorar as relações com os EUA e a União Europeia.  E como o quebra-cabeça sírio não pode ser resolvido sem um compromisso entre a Arábia Saudita e o Irã, a liderança russa não está interessada em novas rixas entre os dois países.

Aliança estratégica?

É cedo para se falar em uma deterioração das relações Rússia-Estados Unidos devido às novas tensões entre a Arábia Saudita e o Irã. Moscou está no campo xiita por causa de seu apoio ao regime de Bashar al-Assad, enquanto os EUA se mantêm fiéis aos sauditas. Parece que o confronto é possível, mas, na realidade, Moscou não está estrategicamente aliada com Teerã.

É verdade que, durante as negociações sobre o programa nuclear do Irã, a Rússia desempenhou um papel fundamental e agora Moscou e Teerã quase não têm discordâncias sobre a maioria das questões globais, inclusive a crise na Síria, mas não se enganem: é uma aliança de conveniência.

Os laços econômicos entre os dois países ainda são fracos. O Irã está interessado em armamentos militares e tecnologias nucleares russos, mas as oportunidades financeiras e tecnológicas da Europa são muito mais importantes. Assim, o Kremlin não vai defender o Irã a qualquer custo, sobretudo se isso levar a uma maior deterioração de suas relações com os EUA e a UE.

Mesmo se imaginarmos o pior cenário – um confronto militar entre a Arábia Saudita e o Irã –, é pouco provável que a Rússia venha a interferir. Basta recordar a guerra entre o Irã e o Iraque nos anos 1980, quando os líderes soviéticos preferiram ficar fora do conflito, embora estivessem faturando com os armamentos vendidos para ambas as partes do conflito.

Guerra econômica

Apesar dos últimos desdobramentos, não há razão para esperar uma guerra aberta no Golfo Pérsico. Teoricamente, a Arábia Saudita poderia atacar primeiro. Mas, embora os sauditas tenham capacidade tecnológica para realizar um ataque aéreo maciço, derrotar o Irã em uma operação terrestre seria quase impossível.

Já Teerã, em sua busca para restaurar as relações com o Ocidente e modernizar a economia nacional, também não tem interesse em encarar uma nova guerra. Além disso, suas forças armadas não estão suficientemente treinadas para uma guerra de grande escala.

A guerra contra o Irã é, portanto, econômica – os sauditas estão reduzindo os preços do petróleo, o que dificulta a entrada no Teerã no mercado internacional. E o que tudo isso significa na prática? A resolução da questão nuclear iraniana não trouxe a paz ao Oriente Médio.

Embora o conflito militar seja pouco provável, a escalada de tensão não deve ser descartada como um novo capítulo da ‘Guerra Fria regional’. O ataque à embaixada saudita é apenas o começo de uma resposta do Irã, que levará à deterioração da situação em toda a região.

Síria, Iraque e Líbano são os primeiros países que sofrerão as consequências de acontecimentos recentes. O confronto no cinturão xiita entrará no novo nível, com Riad e Teerã oferecendo apoio financeiro e armamentos para seus aliados. Isso poderia causar divisão entre a Síria e o Iraque, enquanto o Líbano estará à beira de uma nova guerra civil.

Nikolai Surkov é professor associado do Instituto Estatal de Moscou para Estudos Orientais.

Publicado originalmente pelo Russia Direct

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