2015 e a nostalgia do equilíbrio

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

O ano de 2015 evidenciou o grande desequilíbrio na ordem mundial e a impossibilidade de retornar à cooperação com base em princípios antigos. Enquanto os players globais lutam por um retorno a sua percepção individual da Era de Ouro, Fiódor Lukiánov discorre sobre qual modelo geopolítico aparenta ser o mais provável num futuro próximo.

Este ano foi o primeiro em que ninguém mais contestou o óbvio: o sistema mundial se encontra em um estado de grave desequilíbrio. Para muitas pessoas isso já estava claro há mais tempo, mas ninguém tinha vontade de admitir o fato, isto é, abandonar a confortável visão do final do século 20 de que tudo ia bem e que as inevitáveis recidivas do passado poderiam ser contidas pontualmente.

As ações da Rússia para a reintegração da Crimeia e ao apoio aos movimentos Antimaidan no leste da Ucrânia, ainda em 2014, foram vistas como tais recidivas. Desde então, as grandes potências tentaram usar pressão política, econômica e psicológica para obrigar o Kremlin a alterar seu comportamento e retornar para o “lado correto da história”. Em outras palavras, eles partiam do pressuposto de que existe “a coisa certa a ser feita”.

A pressão sobre a Rússia não trouxe, porém, o efeito desejado e, em seguida, veio a reviravolta final. No caso da Síria, ninguém mais sabe qual é “a coisa certa a ser feita”. Ao longo deste ano, o Oriente Médio se tornou sinônimo de impasse, pois quanto mais esforços são empregados, mais evidente fica a sua ineficácia e a impossibilidade de unir os participantes desse conflito multiestratificado em torno de um objetivo comum.

A tendência do ano foi o desesperado desejo de retornar à Era de Ouro, mas cada um com a sua própria visão. Exemplo disso é o principal agente perturbador da paz no Oriente Médio, que por toda parte passou agora a ser chamado de Daesh (transliteração do acrônimo em língua árabe de Estado Islâmico do Iraque e do Levante).

O objetivo do grupo é categórico – voltar para a era do califado quando tudo era honrado e justo, fora com os avanços da chamada civilização, imposta pelos colonizadores aos fiéis. Mas não é apenas o autoproclamado califa Abu Bakr al-Baghdadi,  líder do Daesh, que aspira pela volta ao passado radiante. Também aqueles que definem a principal corrente da política global estão procurando modelos no passado - embora em um passado menos distante.

As datas comemorativas deste ano remeteram a eventos de séculos passados relacionados ao estabelecimento de uma determinada ordem mundial: os 200 anos do Congresso de Viena, os 70 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial e da Fundação da ONU, os 40 anos da Ata Final de Helsinque e os 25 anos da “Carta para a Nova Europa”, de Paris.

Até o final do século 20, o conceito de ordem mundial esteve associado ao equilíbrio. Seja complexo, envolvendo muitos jogadores, como no século 19, ou relativamente simples, como após a Segunda Guerra Mundial, quando foi estabelecido um sistema de domínio equilibrado entre duas superpotências. O equilíbrio previa o reconhecimento mútuo de esferas de influência. Essa era a base dos acordos de Viena e de Helsinque e do Sistema de Yalta.

Um princípio diferente teria sido inserido, no entanto, na Carta de Paris de 1990, que declarava rejeição às esferas de influência e às linhas divisórias. Mas, na realidade, também ela exigia um equilíbrio, não para o confronto, mas para a aproximação. Era com isso que sonhava Mikhail Gorbatchov, para quem o fim da Guerra Fria deveria estar fundamentado na convergência, na aproximação mútua e equitativa dos blocos que antes competiam. O fim da URSS vetou essa possibilidade, pois a Rússia não era vista como segundo centro da Europa.

Seja lá o que for dito oficialmente, o ideal para a Rússia é o retorno a alguma forma de esferas de influência coordenadas. Daí vem a nostalgia por Viena e Yalta. Já para o Ocidente, o ideal é a situação da década de 1990, quando as esferas deixaram de existir e a influência tornou-se abrangente e universal. Por isso, fala-se tanto sobre Helsinque (sem citar  o artigo que fixava essas mesmas esferas de influência) e da Carta de Paris, que previa a existência de interesses comuns. Nenhum dos dois modelos nostálgicos pode ser retomado.

O equilíbrio flexível entre dois oceanos, com a América do Norte de um lado e o maciço continental da Eurásia, com alguma forma de estreita parceria entre a China e a Rússia, do outro, parece desalentador. Assemelha-se mais a uma resenha da geopolítica clássica no espírito de Alfred Thayer Mahan (teórico, historiador naval e almirante americano, um dos fundadores da geopolítica) e de Halford John Mackinder (geógrafo e geopolítico inglês) ou às sombrias advertências de George Orwell sobre a Eurásia e a Oceania.

Na realidade, porém, estamos falando de duas comunidades unificadas por interesses internos comuns, mas interdependentes e que não se encontram em confronto notório, ou pelo menos não constantemente. Essa é o melhor dos cenários que se pode imaginar hoje, pois mais uma vez a versão de paz eterna, no estilo final feliz, revelou-se como utopia.

Fiódor Lukiánov é editor-chefe da revista “Russia in Global Affairs” e diretor de pesquisa científica do Clube Internacional de Discussão Valdai.

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