EUA e Rússia unidos (mas nem tanto) pelo Ártico

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

Cooperação regional entre EUA e Rússia pode representar novo marco nas relações bilaterais – desde que crise ucraniana não imponha barreiras à evolução de parceria.

A política externa dos Estados Unidos em relação ao Ártico está se tornando uma questão prioritária. Prova disso é a recente visita do presidente Barack Obama ao Alasca – a primeira visita de um líder norte-americano à região em mais de meio século.

Fato é que, ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos vêm aumentando gradualmente o seu interesse pelo Ártico em termos doutrinais, conceituais e estratégicos. Associado a isso, Washington iniciou, no primeiro semestre de 2015, seu mandato bianual na presidência do Conselho do Ártico.

O Ártico em si é uma região marítima peculiar, natureza fechada e suas águas – do Oceano Ártico – banham apenas cinco países. Muitas questões ligadas a essa região requerem, assim, coordenação regional e não podem ser resolvidas sem levar em conta as posições de todos os países membros dos “cinco do Ártico”.

Para a Rússia, a intensificação da política norte-americana em relação ao Ártico é benéfica, pois assim surge uma nova área na qual Moscou e Washington podem cooperar produtivamente. Afinal de contas, os EUA não têm infraestrutura nem tecnológica para responder prontamente aos desafios e ameaças comuns na região.

Essa parceria também facilita o monitoramento conjunto da implementação de atividades econômicas na região e a cooperação em operações de busca e salvamento, nas respostas de emergência a derramamentos de petróleo e no controle de transportes.

Por esses motivos, é de se estranhar os comentários alarmistas de alguns especialistas estrangeiros que consideram o atraso dos Estados Unidos em relação à Rússia no desenvolvimento do potencial ártico como um sério desafio para os norte-americanos.

A renovação do potencial da Marinha russa, por exemplo, é imediatamente interpretada como uma preparação para um conflito armado, embora ocorra agora em uma escala muito mais modesta do que nos tempos soviéticos.

Os avanços da Rússia no Ártico não representam nenhuma ameaça de combate com outros países, mas uma necessidade objetiva de estar pronto para a sua descoberta e domínio ativo, que se torna cada vez mais provável diante das mudanças climáticas.

Os principais observadores norte-americanos e alguns oficiais ligados a questões do Ártico – como o representante especial dos EUA para o Ártico, o almirante Robert Papp, e o ex-embaixador dos EUA na Rússia, James Collins – veem o desenvolvimento de ações colaborativas na região como um novo marco nas relações bilaterais.

A necessidade de cooperação no Ártico entre os EUA e a Rússia é colocada ao mesmo nível que a decisão conjunta em questões como o Irã, a Coreia do Norte, a luta contra o terrorismo internacional e as metas de não proliferação nuclear.

A esperança é que a criação de uma frente conjunta para enfrentar os desafios e as ameaças no Ártico se torne a base de uma nova agenda russo-americana.

Alguns progressos nesse sentido já foram alcançados ainda antes do conflito na Ucrânia. Entre eles, cabe destacar a formação de um regime internacional de pesca na zona livre do Oceano Ártico. Já outros projetos, como a discussão de medidas para regulamentar o transporte marítimo no Estreito de Bering, foram iniciados recentemente.

Infelizmente, a crise ucraniana afetou negativamente o desenvolvimento da cooperação internacional no Ártico: os exercícios navais conjuntos foram congelados, o encontro entre chefes do Estado-Maior foi esquecido, e a criação do Fórum de Segurança Costeira dos Estados do Ártico perdeu força.

Nem mesmo o conflito armado na Ossétia do Sul, em 2008, levou a um agravamento tão sério da cooperação russo-americana na região. A principal preocupação não está, portanto, na ameaça fantasiosa de um confronto armado, mas em que medida as tensões entre os países terão um impacto destrutivo na evolução da situação no Ártico.

 

Paul Gudev é doutor de Ciências Históricas e pesquisador sênior no Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais (Imemo) da Academia de Ciências da Rússia.

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