Dez anos de Solimões

Gigante russa do petróleo e do gás adquiriu em maio pacote de ações de projeto brasileiro e deve obter status de operadora, caso transação seja aprovada pela ANP. Foto: Getty Images/Fotobank

Gigante russa do petróleo e do gás adquiriu em maio pacote de ações de projeto brasileiro e deve obter status de operadora, caso transação seja aprovada pela ANP. Foto: Getty Images/Fotobank

Economista pincela história exploratória da bacia, que tem área maior que a do Estado do Rio de Janeiro, apontando dificuldades e possibilidades do projeto, e notando que permissão para explorar área tão extensa seria improvável em outros países.

Em outubro de 2005, a empresa argentina Oil M&S, em sociedade com parceiro brasileiro, adquiriu, na Sétima Rodada de Licitações da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), 21 blocos exploratórios na Bacia do Solimões, no Estado do Amazonas, pelo bônus de assinatura total, na época, de R$ 420.200,00.

Na mesma bacia, na província de Urucu, a 650 km de Manaus, a Petrobras já produzia óleo leve, condensado e gás natural há anos, sendo tal província a maior produtora de gás natural em terra do país e a terceira maior de óleo. O gasoduto Urucu-Coari-Manaus entrou em funcionamento em 2009, passando a levar gás natural (que antes era reinjetado no poço, pois a legislação brasileira proíbe sua queima) para geração elétrica na capital amazonense.

Desde o início, as perspectivas para a Oil M&S no Solimões, cujos blocos tinham área total de 48.445 km2 (para comparação, o Estado do Rio de Janeiro tem área de 43.700 km2), eram de óleo leve e gás natural.

Mas boa parte das áreas com tais indícios eram bem mais distantes de Manaus que Urucu, além de estarem espalhadas em uma região de floresta equatorial. Os custos de exploração e produção seriam, portanto, mais elevados do que a média nacional em terra e apresentariam desafios ambientais complexos, tanto do ponto do vista do licenciamento, quanto da operação em si.

Outro problema que se colocou desde o começo foi a monetização do gás lá eventualmente existente, pela ausência de infraestrutura de transporte e pela grande distância de centros consumidores relevantes.

Assim, a Oil M&S deixou o Brasil em março de 2010, vendendo sua parte nos blocos do Solimões para a sócia Petra Energia. Toda vez que se adquire bloco exploratório mediante leilão da ANP, há que se cumprir um Programa Exploratório Mínimo, que consta de pesquisas geofísicas e geológicas e até de perfuração de poços. Esse Programa já estava em andamento quando a Petra Energia assumiu a operação do projeto, mas ainda sem qualquer poço perfurado.

Em julho de 2010, o grupo brasileiro HRT Participações adquiriu, em uma transação privada (“private placement”) - que, aparentemente, custou US$ 30 milhões -, participação de 51% nos blocos da Petra no Solimões e tornou-se operadora dos mesmos.

Broca x pesquisa

Em outubro, a HRT abriu capital na Bovespa e elevou sua participação para 55%. Logo depois, obteve licença para perfurar poços em cinco dos 21 blocos, efetivamente perfurando o primeiro em abril de 2011. Diz-se, entre os profissionais de petróleo, que quem descobre óleo não é pesquisa geofísica ou geológica, mas a broca.

Esperadas descobertas de óleo leve não ocorreram, só gás em reservatórios espalhados geograficamente. Passou-se a discutir a possibilidade de monetizar o gás transformando-o em GNL (gás natural liquefeito), de forma a viabilizar seu transporte fluvial.

Outra possibilidade estudada foi a produção na região de fertilizantes básicos a partir do gás natural (os chamados nitrogenados): amônia e ureia. Consideraram-se outras formas de monetização também, como uma tecnologia chamada “gas to liquid”, que faz gasolina e outros combustíveis diretamente do gás natural.

A HRT acabou por adquirir, mediante exercício de opção de compra (“call option”), os 45% de participação da Petra Energia nos 21 blocos no Solimões por US$ 796 milhões em junho de 2011. Em novembro do mesmo ano, a empresa russa TNK-BP adquiriu os mesmos 45% por US$ 1 bilhão, tornando-se sócia da HRT no Solimões. Na época, o preço pago pela petroleira russa foi considerado “moderado” diante dos indícios de óleo e gás existentes no conjunto dos blocos.

Então responsável por 16% da produção de petróleo russa (de quase 10 milhões de barris/dia, enquanto a Petrobras produz 2,2 milhões de b/d), a TNK-BP era uma “joint venture” entre a britânica BP e um grupo de bilionários russos, e apenas começava a se internacionalizar (além do Brasil, com áreas exploratórias na Venezuela e Vietnã).

Mas a estatal russa Rosneft, que produz atualmente cerca de 5 milhões de b/d, comprou a TNK-BP em março de 2013, incluindo os 45% da operação no Solimões. Agora, em maio de 2015, a Rosneft anunciou oficialmente que adquiriu, por US$ 55 milhões, o restante da participação da PetroRio (ex-HRT) no Solimões, assumindo 100% do projeto, caso a ANP aprove a conclusão do negócio.

Dos R$ 400 mil aos US$ 2 bilhões

Depois de passar por diversas mãos, durante uma década, a preços que flutuaram entre R$ 400 mil e US$ 2 bilhões, o projeto Solimões aqui em análise ainda não entrou em produção e agora vale US$ 122 milhões, o que corresponde a 16 vezes menos do que seu topo e 400 vezes mais do que seu fundo.

Nesses dez anos, as expectativas em torno da futura produção do projeto foram infladas em função de estudos geofísicos e geológicos, além de poços perfurados, mas, no final das contas, apenas um poço até agora apresentou vazão de gás razoável, sendo os demais considerados secos.

Segundo o geólogo John Albuquerque Forman, ex-diretor da ANP e um dos fundadores da HRT, há indícios de “tight gas” (como o “shale gas”, a ser explorado mediante técnicas de fratura de rocha) no Solimões. Outra perspectiva é o trabalho conjunto de exploração (e, quem sabe, de transporte de gás) com a Petrobras em blocos da Rosneft limítrofes a um campo de gás da estatal brasileira ainda não desenvolvido.

Seja como for, os blocos da Rosneft no Solimões têm agora prazos curtos para cumprir as obrigações assumidas com a ANP em matéria de exploração. Além disso, para o porte da Rosneft, trata-se de um projeto pequeno (a produção de óleo de Urucu, por exemplo, é de 55 mil b/d ou 0,5% da produção da Rosneft) que talvez não se justifique só por razões econômicas.

Por fim, é digno de nota o fato de uma estatal estrangeira ter permissão para prospectar hidrocarbonetos em área tão extensa, o que, em muitos outros países, não seria possível. 

Carlos Serapião Jr. é graduado pelo Instituto Rio Branco e fez mestrado em finanças na École Nationale des Ponts et Chaussées 

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Para Brasil, passar ações foi ‘negócio da China’

Natália Lebedeva, economista

Mas por que a empresa se dedica à América do Sul em um período tão difícil? A capitalização da Rosneft passou de US$ 96 bilhões, em 2013, para US$ 35,6 bilhões, entre 15 e 16 de dezembro de 2014, após a desvalorização do rublo. Além disso, suas dívidas estão em cerca de US$ 60 bilhões.

A aquisição de 55% das ações do projeto Solimões permite à gigante russa seguir seu próprio gráfico de investimentos. Isso é muito importante diante das dificuldades financeiras da empresa. O status de operador permite direcionar os hidrocarbonetos obtidos para áreas econômica ou politicamente mais rentáveis para a empresa.

Certamente, a compra tem também um componente político. O Brasil não impôs sanções à Rússia e a cooperação bilateral e no âmbito do grupo Brics lhes permite uma defesa mútua de interesses no cenário mundial, sobretudo no setor de petróleo e gás. 

Os projetos da Rosneft na Venezuela, onde se produzem 160 mil barris de petróleo por dia, e a eventual descoberta de um novo campo petrolífero na Bacia do Solimões poderão ter um impacto significativo não apenas sobre os preços regionais, mas globais. E Rússia, Brasil e Venezuela têm grande interesse em aumentar os preços de commodities energéticas.

Além disso, na fase de exploração, o equipamento e a experiência das empresas envolvidas na perfuração de poços na Venezuela será de extrema importância. E na fase da produção também será possível otimizar o transporte e substituir matérias-primas.

Quanto ao Brasil, ele só terá a ganhar com projetos conjuntos com a Rosneft, tanto econômica como politicamente. Em primeiro lugar, o país receberá investimento na extração e na infraestrutura, já que se espera a construção de um gasoduto a partir de depósitos remotos. 

Em segundo, a exploração de novos campos no âmbito do projeto permitirá que o Brasil reduza a dependência das importações de gás natural da Bolívia.

Em terceiro, existe a possibilidade de que países como Cuba e China se tornem novos mercados para os hidrocarbonetos brasileiros. Nos últimos tempos, a Rússia tem reorientado suas exportações de hidrocarbonetos do mercado europeu para o chinês, assim como a Venezuela. E o Brasil poderá ser o próximo.


Natália Lebedeva é diretora da consultoria Miraville Group.

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