Êxitos e fracassos da viagem asiática de Pútin

Ilustração: Serguêi Iólkin

Ilustração: Serguêi Iólkin

Depois da recente cúpula do G20 na Austrália, Moscou e União Europeia voltaram a dialogar sobre a crise ucraniana. Mas também ficou evidente que o Kremlin vai procurar apoio dos Brics e aposta na China como seu parceiro estratégico.

O presidente Vladímir Pútin participou neste mês de dois grandes encontros internacionais – a cúpula da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), na China, e a do G20, na Austrália. Se em Pequim o encontro decorreu pacificamente, o mesmo não pode ser dito sobre a reunião em Brisbane. Ao deixar a cúpula do G20 antes da declaração final, Pútin deu margem para a imprensa internacional falar de divergências no seio do grupo e de uma suposta intensificação do isolamento da Rússia.

Em coletiva de imprensa, o presidente russo declarou, contudo, que a mídia havia intensificado o clima de tensão na cúpula. “Li a imprensa local e internacional. A complexidade da situação foi artificialmente agravada, a realidade e a vida virtual da mídia divergiram muito”, destacou Pútin, acrescentando que os jornalistas do Kremlin sabiam que ele partiria antecipadamente. “Precisava de trabalhar na segunda-feira.”

Enquanto os veículos de comunicação frequentemente se voltaram à promessa feita pelo primeiro-ministro australiano Tony Abbott de “apertar” o presidente russo em torno da queda do Boeing da Malásia, Pútin falou positivamente da cúpula em Brisbane, salientando “o extremamente favorável ambiente de trabalho”.

“Discutimos, em um espírito muito construtivo, não apenas os temas que nos juntaram, mas também questões difíceis, como a queda do Boeing malaio. Posso garantir que tudo isso se fez de maneira decente e simpática”, disse Pútin à Ria-Nôvosti, já em Moscou.

Degelo europeu

Pútin se encontrou com alguns líderes ocidentais à margem da cúpula de Brisbane – entre eles, a chanceler alemã Angela Merkel. Pouco se sabe sobre o conteúdo das conversações, mas, pelo discurso pacífico de líderes europeus, como Merkel, o presidente francês François Hollande, e a comissária europeia para a política externa Federica Mogherini, indicam certo progresso.

Além de defenderem a importância de discutir com a Rússia sobre o futuro da Ucrânia e de recuperar as relações euro-russas, outro bom sinal foi o de a União Europeia não ter decretado mais sanções contra o país, limitando-se a apresentar a lista negra dos dirigentes das repúblicas não reconhecidas do sudeste ucraniano.

Logo após a cúpula, o ministro das Relações Exteriores alemão Frank-Walter Steinmeier, viajou para Moscou, onde reafirmou o compromisso de Berlim com os acordos de Minsk, que pressupõem contatos diretos entre Kiev e os separatistas.

“Os europeus mantêm a opinião de que a Rússia continua a ser parte do conflito ucraniano. Porém, sua posição se torna mais flexível quando se fala na responsabilidade da Ucrânia pelos acontecimentos no Donbass, pela catástrofe humanitária que se agrava na região, bem como pela sabotagem das conversações com Moscou”, diz Andrêi Suchentsov, sócio-executivo da agência de análise Política Externa.

Reorientando-se

Apesar do aparente progresso, Moscou ainda sente a pressão das sanções e tenta compensar a deterioração das relações com o Ocidente fortalecendo suas relações com países asiáticos e parceiros dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Reunidos em Brisbane, os emergentes criticaram a postura do Congresso dos EUA na não ratificação da reforma do FMI, anunciada pelo G20 ainda em 2010. Em contrapartida, os líderes dos Brics reafirmaram que o Banco de Desenvolvimento do grupo começará a funcionar já em 2016.

Durante as cúpulas em Pequim e Brisbane, Pútin falou também da criação de novas ligações na arena internacional, sobretudo, na área de gestão global. “O G20 foi idealizado como instrumento de responsabilidade coletiva pelo instituto da regularização econômica global, ou seja, pelo FMI. Nesse sentido, não teve resultado. Por isso, temos dois contornos alternativos de regularização global: a Apec, que a China está construindo, e os Brics. A Rússia participa ativamente em ambos”, disse à Gazeta Russa Kirill Koktich, professor de teoria política no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou.

Pútin também vem sondando as possibilidades e vantagens da guinada oriental da política externa russa. Um acontecimento significativo para o Kremlin foi a assinatura, em Pequim, do importante acordo para o fornecimento de gás russo à China.

“No fim do ano, o governo apresentará um programa de desenvolvimento econômico e infraestrutural da Rússia”, destaca Suchentsov. “Esse programa pressupõe a concretização de um conjunto de projetos infraestruturais, visando a ampliação do trânsito de mercadorias pelas ferrovias Transiberiana e de Baikal-Amur, bem como o melhoramento das estruturas portuárias. Por isso se torna claro que, em Pequim, Pútin se interessou pelas perspetivas de desenvolvimento das economias asiáticas.”  

 

Guevorg Mirzaian é pesquisador do Instituto dos EUA e Canadá da Academia Russa de Ciências. Nikolai Surkov é professor assistente no Mgimo (sigla russa para Instituto Estatal para Relações Internacionais de Moscou).

 

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