Rasputin: quem era o “monge louco” na realidade?

Russia Beyond (Foto: Legion Media; Domínio público)
Mais de 100 anos após sua morte, Rasputin continua a ser uma das figuras mais controversas da história russa. Até hoje sua vida é cheia de mitos e polêmicas — que desmentimos neste artigo!

No Brasil, o grupo Boney M., com sua famosérrima música “Rasputin”, de 1978, pode ser pouco conhecido, mas mundo afora o grupo jamaicano foi badalado com a canção, ainda mais com seu vocalista, Bobby Farrell, continuando a se vestir no palco como o monge místico para cantar seu suposto amor com a imperatriz russa Alexandra.

Farrell morreu em São Petersburgo, em 30 de dezembro de 2010, exatamente no 94º aniversário do assassinato de Grigori Rasputin (1869-1916) naquela mesma cidade. O artista se apresentou em uma festa corporativa, cantou seus últimos versos “ra-ra-Rasputin” e foi encontrado morto em seu quarto de hotel na manhã seguinte. Essa enorme coincidência é apenas mais um exemplo dos muitos mistérios que envolvem a vida e, neste caso, a morte do famoso monge russo.

"Cabelos escuros, compridos e mal penteados; barba preta e grossa; testa alta, nariz largo e protuberante, boca musculosa. Mas toda a expressão do rosto está concentrada nos olhos, de uma cor azul-linho, olhos brilhantes, profundos, estranhamente atraentes. Seu olhar é, ao mesmo tempo, penetrante e carinhoso, ingênuo e astuto, atento e distante. Quando se anima a falar, suas pupilas parecem um ímã”, escreveu o embaixador francês na Rússia, Maurice Paléologue, sobre o monge Rasputin.

Todos que conheciam Rasputin percebiam que havia algo de especial nele. Ele era admirado e odiado, mas não deixava ninguém indiferente. Para entender quem Rasputin realmente era, é preciso buscar fatos documentados e comprovados sobre sua vida.

O mais importante é que ele realmente tinha um poder de curar pessoas, entre elas, o tsarevitch (príncipe) Alexey, filho de Nicolau II, que tinha hemofilia, uma doença hereditária que impede a coagulação do sangue. Em outras palavras, cada pequeno hematoma ou contusão do menino podia resultar em longos sangramentos e ser fatal. Incrivelmente, as habilidades de Rasputin foram validadas até mesmo por aqueles que o odiavam.

Ele conseguiu curar o herdeiro

Rasputin.

“Não há dúvidas de que Rasputin dominava a técnica da hipnose terapêutica, embora seja impossível definir exatamente como isso funcionava”, escreve o historiador russo Ígor Zímin.

A grã-duquesa Olga Alexandrovna, irmã de Nicolau II, escreveu que, em 1907, quando Alexey tinha apenas três anos, ele machucou a perna enquanto brincava em Tsarskoe Selo, a residência de verão do Imperador. “Havia círculos escuros ao redor de seus olhos [...] sua perna estava inchada horrivelmente. Os médicos não podiam fazer absolutamente nada”, escreveu a grã-duquesa.

 “Então Alix [como era chamada carinhosamente a imperatriz Alexandra Fedorovna] enviou um telegrama para Rasputin, que estava em São Petersburgo. Ele chegou por volta da meia-noite. A essa altura, eu já estava no meu apartamento e, pela manhã, Alix me chamou para ir ao quarto de Alexey. Eu não podia acreditar em meus olhos. A criança estava viva e absolutamente saudável. Ela estava sentado na cama, a febre parecia ter passado, não havia vestígios do tumor na perna, seus olhos estavam claros, brilhantes. Mais tarde, Alix me relatou que Rasputin nem tocou na criança, ele apenas ficou ao pé da cama e rezou”.

Mikhaíl Rodzianko, presidente da Duma do Estado (câmara baixa do parlamento russo), escreveu: “Rasputin tinha um enorme hipnotismo. Acho que ele era de um interesse científico excepcional”. Mais três membros da família imperial, a grã-duquesa Xenia Alexandrovna, irmã de Nicolau, seu marido, o grão-duque Alexander Mikhailovich e o grão-duque Kirill Vladimirovich, todos reconheceram independentemente as habilidades terapêuticas de Rasputin em suas memórias.

Rasputin e Imperatriz Alexandra: não, eles não eram amantes

A imperatriz Alexandra com o filho Alexey, em 1912.

Grigori Rasputin era proveniente de uma família de camponeses da Sibéria. Quando jovem, ele tinha a saúde fraca e, provavelmente, para se curar e se fortalecer, começou a fazer peregrinações a diferentes mosteiros e lugares sagrados da Rússia. Em sua aldeia natal, Pokrôvskoie, localizada na província de Tobolsk, ele ficou famoso como um “homem de Deus”. Ele foi apresentado a Nicolau 2° e Alexandra por seus parentes, em novembro de 1905.

No entanto, ao contrário do que se acredita, Rasputin não era um convidado frequente no palácio do Imperador. Em 1906, Rasputin se encontrou com Nicolau e sua família duas vezes; em 1907, três vezes. Sydney Gibbes, que serviu como tutor inglês dos filhos de Nicolau 2° entre 1908 e 1917, escreveu: “A imperatriz acreditava em sua retidão, em sua força espiritual, acreditava que sua oração ajudava. Essa era a única relação que eles tinham. Rasputin não visitava o palácio com tanta frequência quanto se dizia. Ele era chamado quando Alexey estava doente. Eu vi Rasputin só uma vez. Ele me pareceu um homem inteligente, astuto e gentil”.

Aleksandra Tegleva, que serviu como babá dos filhos do tsar por 17 anos, escreveu: “Vi Rasputin apenas uma vez, quando ele estava caminhando para o quarto de Alexey”. O mesmo é confirmado pelo criado de quarto de Nicolau 2°, Aleksêi Volkov: “Eu mesmo vi Rasputin no Palácio duas vezes. Ele foi recebido pelo imperador e pela imperatriz juntos. Ele ficou com eles por cerca de 20 minutos, tanto na primeira quanto na segunda vez. Eu nunca o vi sequer tomar chá com eles”.

A principal fonte de boatos sobre supostas relações sexuais entre Rasputin e a imperatriz foram as cartas de Alexandra Fedorovna para Rasputin. Elas teriam sido roubadas de Rasputin por Iliodor, um monge ortodoxo que era amigo de Rasputin até 1912, quando eles tiveram uma grande altercação. Depois disso, Iliodor escreveu o livro “O Santo Diabrete”, no qual publicou uma carta da imperatriz a Rasputin, com o intuito de macular a reputação do ex-amigo.

O boato se alastrou imediatamente pelo reino. Assim, todos passaram a pensar que Rasputin tinha tido um caso com a imperatriz, já que ela tinha escrito o seguinte: “Como estou cansada sem você. Eu só descanso minha alma quando você, o professor, está sentado ao meu lado e beijo suas mãos e apoio minha cabeça em seus ombros felizes […] desejo sempre o mesmo: dormir, dormir para sempre em seus ombros, em seus braços”.

Os historiadores afirmam em uníssono que a imperatriz realmente admirava Grigori Rasputin, já que ele tinha sido capaz de curar seu filho e acalmá-la. Mas era impossível que a imperatriz e Rasputin pudessem ficar juntos, sozinhos, sem servos ou testemunhas no Palácio de Inverno ou em qualquer outro lugar. Rasputin raramente visitava os palácios e cada uma de suas visitas é bem documentada. Além disso, o abismo social entre o místico camponês e a imperatriz era enorme para que eles tivessem tido sequer relações amigáveis, quanto menos qualquer tipo de intimidade.

Quem demonizou Rasputin e por quê?

Caricatura de Rasputin com a imperatriz.

A maioria dos críticos e inimigos de Rasputin pertencia à nobreza. Eles ficaram furiosos porque um camponês, um homem simples, conseguiu chegar tão perto da família imperial. O próprio Rasputin incentivava a boataria, inventando histórias sobre sua influência na corte.

Como escreveu o historiador Alexander Bokhanov, Rasputin não conseguia esconder seu orgulho. “Após se tornar um hóspede bem-vindo no palácio real e receber acesso a uma vida que ele nem suspeitava existir, o monge siberiano conseguiu resistir apenas por um tempo curto. Em breve, as relações com os tsares embriagou sua natureza camponesa. Rasputin começou a se considerar onipotente, gostava de impressionar as pessoas com histórias sobre sua influência e essas narrativas eram passadas de boca em boca.”

Em 1909, a polícia secreta de São Petersburgo alegou que Rasputin era um “revolucionário”, mas não foi capaz de fornecer nenhuma prova disso. Mais tarde, no mesmo ano, a polícia estabeleceu vigilância sobre ele, mas o imperador mandou cancelá-la. A vigilância foi retomada em 1914, depois que uma camponesa chamada Khionia Gúseva tentou matar Rasputin a facadas. Dessa vez, os serviços secretos foram chamados para proteger Rasputin.

 “Temendo que ele possa se tornar o alvo de intenções maliciosas de um bando de pessoas desagradáveis, mando estabelecer uma vigilância constante e protegê-lo da repetição de tais tentativas”, escreveu Nicolau 2° ao ministro do Interior, Nikolai Maklakov.

O tsarevitch Alexey.

Nos últimos dois anos da vida de Grigori Rasputin, a polícia secreta tentou encontrar qualquer coisa que pudesse realmente comprometê-lo. “Estabeleci um duplo controle sobre Rasputin, contratei [como agentes] todos os seus empregados domésticos em seu apartamento em São Petersburgo, montei um posto de guarda na rua, comprei um carro especial com motoristas espiões para Rasputin e um carruagem especial de alta velocidade com um cocheiro espião”, escreveu mais tarde Stepan Belétski, vice-ministro do Interior. “Todas as pessoas que se aproximaram de Rasputin ou pessoas próximas a ele estavam sob vigilância", escreveu.

Rasputin fazendo uma benção.

No entanto, mesmo com todas essas medidas, não foi encontrado nada realmente comprometedor sobre o monge. Ele foi visto bêbado várias vezes e sabia-se que ele organizava “festas” em seu apartamento com participação de muitas pessoas, entre elas, mulheres jovens afetuosas, que queriam ouvir suas pregações. A polícia secreta não conseguiu confirmar sequer a organização de orgias, ou sua participação em seitas clandestinas, e suas conexões com revolucionários.

Rasputin em sua casa em São Petersburgo rodeado de fãs.

Ainda assim, os médicos da época desconheciam a natureza da hemofilia do tsarevitch Alexey e não tinham a cura, enquanto Grigori Rasputin continuava ajudando o pequeno herdeiro com seus poderes hipnóticos.

Grigori Rasputin foi assassinado em São Petersburgo, em 16 de dezembro de 1916, e até mesmo um membro da família imperial, o grão-duque Dmítri Pávlovitch, esteve envolvido no caso.

O herdeiro, o pequeno Alexey, ficou devastado após a morte de Grigori. Seguêi Fedorov, outro médico da corte, escreveu que o herdeiro dissera: “Agora não há mais santos! Havia um santo, Grigori, mas eles o mataram. Agora eles me curam e rezam por mim, mas isso não adianta. Grigori me trazia uma maçã, me acariciava no ponto dolorido e eu imediatamente melhorava”.

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