Kador Ben-Salim: como um marroquino se tornou astro do cinema soviético?

Ivan Perestiani/Departamento cinematográfico do Comissariado de Educação do Povo da Geórgia, 1923
Sua vida parece um filme: acrobata marroquino, artista de circo, soldado do Exército Vermelho e o primeiro ator soviético negro. Leia mais sobre suas extraordinárias aventuras na URSS.

Poderia um marroquino, que chegou à Rússia tsarista em turnê com o circo, ter imaginado que se tornaria um astro do cinema soviético? Dificilmente. Mas esta fantástica história aconteceu na vida real de Kador Ben-Salim, cuja biografia ainda hoje permanece sem começo nem fim.

O diabo Tom Jackson

O jovem chegou à Rússia em 1912, com a trupe marroquina de acrobatas Moulay Said, que percorreu com sucesso as cidades do Império Russo. Mas Kador Ben-Salim gostou tanto do país que decidiu ficar.

Antes da carreira no circo, Kador havia trabalhado como marinheiro e se apresentado com uma trupe de artistas de rua.

Em 1916, juntou-se à equipe do famoso acrobata Aleksandr Sossin em Verni (como era chamada Almati, atualmente no Cazaquistão) e se apresentou em uma série de “Tango Argentino”. Mas ele não estava completamente satisfeito. Foi quando Kador alistou-se como voluntário no Exército Vermelho e foi para o front como parte da divisão do famoso Vassíli Tchapáiev.

A bisneta deste último, em seu livro “Meu desconhecido Tchapáiev”, menciona que muitos estrangeiros serviram na divisão e, inclusive, exibe a foto de um homem negro chamado Khonik. No campo de batalha, Kador estrelou uma situação quase cômica: devido a um ferimento na perna, ele não teve tempo de se esconder dos guardas brancos e fingiu estar morto. Sem esperar a saída do inimigo, ele começou a se mover, aterrorizando a todos.

“No quartel-general veio a informação de que haviam visto um homem ressuscitando no campo de batalha. O comandante militar mandou procurar o ‘diabo vermelho’, e a ordem foi cumprida. No fim das contas, o ‘homem morto’ falava francês e inglês com fluência, era muito inteligente e pouco confiável”, disse Sossin ao relatar essa história em suas memórias.

Depois de retornar à vida pacífica, Ben-Salim seguiu para Tbilisi, onde começou a se apresentar no circo local — já no papel de um boxeador sob o pseudônimo de Tom Jackson. Em 1922 sua vida deu uma guinada radical: o diretor Ivan Perestiani convidou artistas circenses para estrelar a adaptação cinematográfica do livro popular “Os Diabos Vermelhos”, de Pável Bliakhin, sobre os combatentes do Primeiro Exército de Cavalaria.

Astro das telonas

Todos os truques do primeiro “eastern” soviético eram realizados pelos próprios atores. Kador cruzou um desfiladeiro de montanha em uma corda, deu cambalhotas nas rochas e correu no teto de um trem em movimento. O filme virou sucesso instantâneo — chamado de “o milagre da cinematografia soviética”, viu o público formar filas enormes para comprar um ingresso.

Os artistas do circo de Tbilisi estrelaram mais quatro filmes — sequências de “Os Diabos Vermelhos”: “Tumba Savur, O Crime da Princesa de Shirvan, O Castigo da Princesa de Shirvan” e Illán-Dili.

A carreira de Ben-Salim estava em ascensão. Ele se tornou o primeiro ator cujo retrato foi impresso na capa da revista de cinema “Tela Soviética” e estrelou vários outros filmes — como, por exemplo, o papel de lacaio em “A Fuga de Mr. Lloyd”, um filme mudo sobre os vícios da burguesia, e “O Retorno”, de Nathan Baker, sobre a construção do socialismo na Bielorrússia.

Na década de 1930, o ator sumiu sem deixar vestígios. Já sem atuar no cinema, continuou se apresentando no circo, viajou por todo o país, mas não se sabe onde encontrou refúgio. Na história, porém, ele ficou para sempre marcado como o primeiro ator soviético negro.

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