Primeira bomba atômica soviética completa 65 anos

A bomba, cujo protótipo está sendo exibido no Museu Politécnico, tem uma aparência surpreendentemente elegante Foto: ITAR-TASS

A bomba, cujo protótipo está sendo exibido no Museu Politécnico, tem uma aparência surpreendentemente elegante Foto: ITAR-TASS

Protótipo da bomba RDS-1 está em exposição no Museu Politécnico.

Depois que os Estados Unidos jogaram bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 1945, a União Soviética começou a procurar lugares para desenvolver o seu próprio projeto nuclear. Assim, em 1946, um centro nuclear com o codinome Arzamas-16 surgiu no assentamento urbano de Sarov, localizado  nas proximidades de Nijni Novgorod. Foi ali que a primeira bomba soviética foi criada em tempo recorde. Ela foi testada em 29 de agosto de 1949, em um polígono localizado na região de Semipalatinsk, no Cazaquistão, que na época fazia parte da União Soviética.

O protótipo da RDS-1 (denominação oficial da primeira bomba soviética), construído em 1995 por operários em Arzamas-16, agora está em exposição nas instalações do Museu Politécnico no Centro Panrusso de Exposições, em Moscou, próximo ao pavilhão Cosmos (parte da exposição do Museu Politécnico foi transferida para esse local, onde irá permanecer durante o período da reforma do edifício principal).

Por ocasião do aniversário de 65 anos da RDS-1, a Rosatom (Corporação Estatal de Energia Atômica) montou uma instalação interativa – “o painel de controle” da bomba. Arkádi Brich, um dos desenvolvedores da bomba, participou da abertura da exposição. Professor catedrático, Brich tem 97 anos de idade e é uma lenda viva da indústria nuclear. Ele contou à Gazeta Russa porque naquele tempo os jovens cientistas concordavam em participar da criação de armas letais: "Se depois de Hiroshima nós não tivéssemos criado a bomba, os EUA poderiam ter continuado a fazer uso das armas nucleares. Dessa forma, a criação da bomba Soviética serviu à causa da paz, pois a partir daí passou a vigorar a política de contenção".

A política de contenção é um argumento popular para justificar a criação das armas nucleares soviéticas, e até mesmo alguns estudiosos americanos daquela época compreenderam isso. “De acordo com uma versão, a tecnologia da bomba atômica foi passada para nós por cientistas dos EUA”, disse à Gazeta Russa a curadora da coleção do Museu Politécnico, Maria Platónova. “Eles estavam convencidos de que as armas atômicas não deveriam estar em posse de apenas um único país no mundo", acrescentou. No entanto, é impossível provar essa hipótese, pois a maioria dos documentos referentes ao projeto nuclear até hoje é confidencial.

A cidade da qual ninguém fala

Nem todos concordavam com a ideia de manter a paz através da igualdade na corrida armamentista. Na exposição são apresentadas citações retiradas de memórias e entrevistas dos participantes do primeiro projeto nuclear soviético, desde os principais designers da bomba até os trabalhadores comuns. O físico experimental Pujliaev, por exemplo, se queixa de que não foi fácil fazer a escolha de trabalhar ou não em armas de destruição em massa, mas naquele tempo quase ninguém falava abertamente sobre suas dúvidas, pois era uma época sombria e as operações no centro nuclear Arzamas-16 eram classificadas como ultrassecretas.

O projeto era tão secreto que as referências sobre a cidade de Sarov, perto da qual estavam construindo Arzamas-16, foram removidas de todos os guias. A engenheira líder Manakova recorda que, mesmo em casa, as pessoas tinham medo de falar sobre o trabalho: "Quando meu marido viajou para participar do primeiro teste da bomba, ele não me disse nada. Somente depois de alguns anos eu fiquei sabendo desses testes e compreendi que meu marido esteve lá. E isso apesar do fato de que eu trabalhava no mesmo departamento de design".

 O comunismo atrás do arame farpado

O projeto nuclear era dirigido por Lavrénti Béria, comissário do povo para assuntos internos (equivalente ao cargo de ministro do Interior) da URSS, que usou ativamente o trabalho de prisioneiros na construção do centro. O Arzamas-16 foi erguido em apenas um ano, com escritórios, polígonos e casas para os especialistas. O acadêmico Andrêi Sákharov, um dos criadores da bomba de nêutrons e futuro defensor dos direitos humanos, referia-se ao centro Arzamas-16 em suas memórias como “o nosso querido espinheiro" (era assim que os cientistas chamavam o instituto secreto que era protegido por arame farpado).

Arkádi Brich, um dos desenvolvedores da bomba Foto: ITAR-TASS

Ninguém sabia que ali acontecia o desenvolvimento da nova arma, nem mesmo os camponeses das aldeias vizinhas: “A cidade parecia ser um produto bastante estranho de sua época. Os camponeses das aldeias miseráveis da vizinhança podiam ver apenas uma cerca de arame farpado. Eles encontraram uma estranha explicação para isso: achavam que atrás da cerca estão construindo um comunismo ‘experimental’”, lembrou Sákharov.

A construção do “comunismo experimental" estava sendo realizada desde a primavera de 1946. As pessoas trabalhavam até a exaustão, pois esperava-se que a bomba ficasse pronta no mais curto prazo. O torneiro de produção de precisão Kireev recorda: “Durante a guerra trabalhávamos 12 horas por dia, e nada mudou quando depois da guerra viemos para a instalação nuclear. Continuávamos a trabalhar por no mínimo 12 horas. Certa vez, à meia-noite, o designer chefe Khariton veio à oficina pessoalmente e pediu para tornear uma peça com urgência. Eu disse-lhe que à meia-noite tudo bem, é normal, o trabalho está no auge, mas que se ele tivesse vindo mais tarde então teríamos que ter adiado até o dia seguinte”.

A bomba, cujo protótipo está sendo exibido no Museu Politécnico, tem uma aparência surpreendentemente elegante, parecida com a forma de uma baleia. Os visitantes da exposição podem vivenciar uma simulação da explosão nuclear: em pé sobre uma plataforma vibratória, eles podem sentir uma vibração e um som ensurdecedor, seguido de um clarão intenso. "Atualmente as crianças deixaram de temer a ameaça nuclear. Porém, algumas décadas atrás ela era vista como algo bastante real. Depois que as crianças participam dessa nossa atração, elas começam a refletir seriamente sobre isso", disse Platónova.

 

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