No mundo dos diminutivos

Textos russos são repletos de diminutivos Foto: Andrêi Zaitsev/Gazeta Russa

Textos russos são repletos de diminutivos Foto: Andrêi Zaitsev/Gazeta Russa

Dacha (diminutivo de Dária), Kólia (diminutivo de Nikolai), Vânia (diminutivo de Ivan), Nástienka (diminutivo de Anastassia)... Quem conhece um pouco da literatura russa nas traduções brasileiras mais recentes deve estar familiarizado com notas de rodapé para explicar diminutivos de substantivos próprios. O fato é que os textos de autores russos estão repletos de diminutivos, e não só para nomes de pessoas. Assim como em português, essa forma pode ser carinhosa e positiva, mas também insultuosa e negativa.

No Brasil, os mineiros costumam ser “acusados” de abusar dos diminutivos. Então ninguém melhor do que uma escritora mineira consagrada para louvar essa “mania”, que caracteriza também os russos.

Com os russos me sinto em casa,

não podem ver uma névoa,

uma aguinha, uma flor no capim

e param eternos minutos fazendo diminutivos.

São versos de Adélia Prado em “Branca de Neve”. Aliás, a sua ligação com os russos revela-se também em “A convertida”.

A liturgia,o ícone,

o monacato.

Descobri que sou russa.

Mas voltemos aos diminutivos. Na verdade, a denominação mais exata para a forma de tratamento carinhosa é hipocorístico, segundo o Houaiss eletrônico, “qualquer palavra criada com intenção afetiva e para uso no trato familiar ou amoroso; modificação do prenome pela qual se designa carinhosamente a pessoa na intimidade”.

Apesar da feliz aproximação entre russos e mineiros, não podemos falar em exclusividade quando o assunto é o uso dos diminutivos. Luís Fernando Veríssimo, na crônica “Diminutivos”, conta que achava os brasileiros invencíveis nesse campo até o dia em que, na Itália, descobriu o mezzoretto: “Não sei se a grafia é essa mesma, mas um povo que consegue, numa palavra, reduzir uma meia hora de tamanho [...] é invencível em matéria de diminutivo”.

Às vezes, as notas para diminutivos de nomes de personagens podem cansar o leitor, mas há casos em que elas evitam erros grosseiros de interpretação. No conto “Pamonha”, de Anton Tchekhov, o patrão chama a governanta para acertar as contas e vai listando vários motivos para descontos. Ele desconta os domingos, porque nesses dias ela não deu aulas a Kólia e mais quatro dias, em que Kólia ficou doente e não pôde estudar. Assim, sem artigo e sem nota, o menininho Kólia pode nos parecer uma menina.

Outras vezes, o significado do diminutivo dispensa notas, mas exige uma solução tradutória mais enfática. Na novela Três anos, por exemplo, Tchékhov usa sete vezes sestriônotchka, um diminutivo especial de “sestrá” (irmã). As sete ocorrências estão na fala de Fiódor quando este se refere à cunhada. Na tradução que fiz para a Editora 34, usei irmãzinha do meu coração. Isso porque Fiódor, irmão do personagem principal, Aleksei, queria demonstrar não só que aceitava a cunhada, categoricamente rejeitada pelo sogro, mas também que a acolhia com amor, recebendo-a como se fosse uma irmã mais nova muito querida.

Como recurso linguístico importante, os diminutivos são assunto comum em pesquisas acadêmicas. No artigo A evolução do uso dos diminutivos na literatura russa do século XIX, as autoras explicam que, nos anos de 1700, era considerado de mau gosto o uso de diminutivos na linguagem literária; associados a um estilo baixo de linguagem, só podiam ser usados em comédias ou sátiras.

No século seguinte, entretanto, passaram a recurso comum entre os grandes clássicos. Em Gente pobre, Dostoiévski caracterizou o personagem Makar Diévuchkin pela linguagem de suas cartas, repletas de diminutivos.

12 de junho: “Começarei pela época em que tinha ainda dezessete aninhos [...]”, 1º de agosto: “E hoje na repartição fiquei sentado como um ursinho [...]”.

Por razões diversas, nem sempre o diminutivo do original corresponde a um diminutivo na tradução, mas esses são dois exemplos em que a tradutora brasileira optou pela mesma forma em português.

Sugestões de leitura

Miserere, de Adélia Prado. Editora Record.

Oráculos de maio, de Adélia Prado. Editora Record.

“Diminutivos”, em Comédia da vida privada, de Luís Fernando Veríssimo. L&PM.

“Pamonha”, de Anton Tchékhov, em A dama do cachorrinho e outros contos. Tradução de Boris Schnaiderman. Editora 34. (O conto pode ser encontrado em várias outras coletâneas.)

Gente pobre, de Fiódor Dostoiévski. Tradução de Fátima Bianchi. Editora 34.

 

A evolução do uso dos diminutivos na literatura russa do século XIX. Anna Aleksándrovna Buriakovskaia e Iúlia Nikoláievna Zvonariova. (Texto em russo disponível em http://cyberleninka.ru/article/n/evolyutsiya-upotrebleniya-diminutivov-v-russkoy-literature-xix-veka)

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