Analisando Tchékhov

Foto: ufrgs.br

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Que pena... O curso de extensão sobre Antón Tchékhov chegou ao fim. Mas ficaram os frutos de várias semanas de discussões sobre as histórias que esmiuçamos em nossos encontros. Convido todos vocês a seguirem o mesmo trajeto.

O objetivo do curso era analisar contos de Tchékhov e apresentar aspectos de sua poética através de diferentes traduções. Além das edições sugeridas no programa, os encontros foram enriquecidos pelas pesquisas dos participantes que, sempre generosos e dedicados, compartilharam os seus achados e a sua experiência de interpretação e crítica literária.

As leituras começaram com “Razmazniá” (1883), conto breve, em que a governanta Iúlia Vassílievna é enganada nas contas pelo patrão. Intimidada e servil, ela aceita o valor calculado pelo dono da casa. No final, ele revela que tudo não passava de uma lição e explode: “Mas, como é que se pode ser moleirona assim? Por que não protesta? Por que fica quieta? Pensa que, neste mundo, pode-se não ser audacioso? Pensa que pode ser tão pamonha?” 

Logo de início o próprio título rendeu um bom debate. No dicionário russo-português Voinova, “razmazniá” tem as seguintes traduções: “papa”, “mingau”; “trouxa”, “pamonha”. Além de significar uma comida de consistência pastosa http://www.povarenok.ru/images/dict/237099.jpg, o termo russo indica também um indivíduo mole, abobado, sem ação. Nas traduções que usamos em sala de aula (veja as Sugestões de Leitura), Boris Schnaiderman optou por “Pamonha” e Maria Aparecida Botelho, por “A palerma”. Em seu recente Tradução, ato desmedido, Schnaiderman explica porque, mais tarde, resolveu mudar o título. “Mas na Rússia existe pamonha? Foi só então que percebi a bobagem que tinha cometido. E em vista disso, tratei de mudar o título para ‘Molenga’ nas próximas edições, pois o livro tem grande aceitação e vem sendo reeditado continuamente.” 

“A morte do funcionário” (1883) levou-nos ao mundo da rígida hierarquia dos títulos e patentes da Rússia do século XIX. O ekzekutor Ivan Dmitritch que, no teatro, acredita ter espirrado sobre o statski general Brisjalov, faz várias tentativas de se desculpar. No final, rechaçado pelo superior, chega “maquinalmente em casa”, deita-se “no divã, sem tirar o uniforme de gala e...” morre. Nesse caso, a tradução exata do cargo dos personagens (oficial de justiça ou funcionário encarregado de seção para o primeiro, general civil para o segundo) importa menos do que a indicação, contida em outros detalhes do texto, de que Ivan é um subordinado e Brisjalov um chefe. Sob o exagero caricatural da história redigida nos moldes das revistas literário-humorísticas da época, reconhecemos traços do personagem de O capote, de Nikolai Gógol, e dos humilhados e ofendidos de Fiódor Dostoiévski. 

Na sequência, analisamos “Camaleão” (1884), “Angústia” (1886) e “Bilhete premiado” (1887). Deste último, é interessante ouvir uma adaptação lida na Rádio de Heliópolis  https://www.youtube.com/watch?v=wT8tLp6r8lQ4  e refletir sobre as possibilidades de divulgação dos clássicos da literatura no mundo globalizado. Os dois primeiros retomam a questão da valoração do ser humano segundo a sua posição na hierarquia social. O “Camaleão” num tom mais leve e satírico e “Angústia” numa atmosfera mais lírica, com ênfase na impossibilidade de comunicação entre os homens num mundo que não reconhece todos como iguais.

Os encontros seguintes foram dedicados a contos mais longos – “O beijo” (1887), “Kachtanka” (1887), “Uma crise” (1888), “Uma história enfadonha” (1889), “Enfermaria n. 6” (1892) e “A dama do cachorrinho” (1899).  São eles mais típicos do que ficou conhecido entre nós como a narrativa tchekhoviana: o desfecho que foge ao padrão tradicional e sugere o próprio ritmo da vida, num contínuo e indiferente desenrolar, a noção horizontal de espaço, em que não há separação entre alto e baixo, sublime e terreno, a colocação de problemas sociais fundamentais sem propor soluções acabadas...

Fechamos o curso com o filme russo “Дамассобачкой” [Dama s sobátchkoi] https://www.youtube.com/watch?v=v9fkGWooVhE&feature=mv_sr Quem (ainda!) não sabe russo, pode comprar o DVD com legendas em português: “A dama do cachorrinho”, diretor Iosif Kheifits, atores principais Iya Savvina e  Aleksey Batalov, distribuidora Culto Classic.

Sugestões de leitura

A dama do cachorrinho e outras histórias. Anton Tchékhov. Trad. Maria Aparecida Botelho Pereira Soares. Editora L&PM, 2012.

A dama do cachorrinho e outros contos. Anton Tchékhov. Trad. Boris Schnaiderman. Editora 34, 1999.

O Malfeitor e outros contos da Velha Rússia. Anton Tchékhov. Trad. Tatiana Belinky. Ediouro. http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/tchecov/index.html 

Tradução, ato desmedido. Boris Schnaiderman. Editora Perspectiva, 2011.

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