Diálogo com Taleban será inevitável, diz presidente do Clube de Comandantes Militares da Rússia

Ilustração: Niyaz Karim

Ilustração: Niyaz Karim

Resistência talibã não foi quebrada, o descontentamento do povo afegão com a presença das tropas estrangeiras em seu país vem aumentando e os órgãos de poder regionais recém-formados são incapazes de controlar a situação em suas próprias regiões.

A situação dentro e em torno do Afeganistão é desfavorável aos interesses da Rússia na região porque os EUA não alcançaram as metas traçadas e a situação no país pode se agravar muito após a retirada das tropas dos países ocidentais, programada para 2014.

A resistência talibã não foi quebrada, o descontentamento do povo afegão com a presença das tropas estrangeiras em seu país vem aumentando e os órgãos de poder regionais recém-formados são incapazes de controlar a situação em suas próprias regiões.

Nos últimos anos, a situação no país vem se agravando porque os problemas fundamentais nos campos socioeconômico, ideológico e militar permanecem sem solução.

O país enfrenta, de fato, uma dualidade de poderes. Em resultado dos esforços da comunidade internacional, as instituições do poder público foram restauradas e foram realizadas eleições nacionais e municipais.

No entanto, por mais desagradável que isso seja, devemos constatar que o poder real nas regiões pertence aos talibãs e se apoia na influência dos líderes religiosos, relações étnicas e autoridade dos senhores da guerra locais

Após a retirada das tropas

Tomo a liberdade de apresentar neste artigo um leque diversificado de opiniões de especialistas e cientistas políticos sobre o assunto e vou tentar formular, de modo geral, os roteiros mais prováveis no Afeganistão depois de 2014.

O primeiro roteiro parte da suposição de que, apesar de os EUA terem anunciado sua intenção de retirar as tropas do Afeganistão, o fator americano continuará a ser fundamental no país.

O mais provável é que os EUA não se retirem do Afeganistão, até porque o país tem uma posição geográfica privilegiada.

Segundo informações disponíveis, os EUA estão negociando com o governo de Hamid Karzai a possibilidade de estabelecer bases militares permanentes e manter no país vários milhares de instrutores, comandos e unidades da Força Aérea até 2024.

Por apreço à justiça, temos que reconhecer que esse contingente militar será insuficiente para conter e derrotar o Taleban. Os EUA precisam continuar seus esforços para a criação de um exército afegão capaz de realizar sozinho operações militares.

Por outro lado, hoje, Washington não dispõe dos mesmos recursos ilimitados do início de mandato da administração George W. Bush na Casa Branca.

Até 2023, o orçamento militar dos EUA deve ser reduzido em US$ 400 bilhões. Por essa razão, Washington procura configurar seu contingente militar no Afeganistão de modo a poder financiá-lo sem prejudicar o orçamento federal.

Se Washington não conseguir fazer isso, o segundo roteiro se torna muito provável.

Com a diminuição do controle e da presença militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no país, líderes regionais e senhores da guerra, os quais muitos reconhecem apenas formalmente o governo de Cabul, se revigorarão e as tendências centrífugas se tornarão realidade.

Nessas circunstâncias, não podemos descartar a hipótese de intensificação da luta geopolítica no Afeganistão. A razão é que, após o início da missão da Otan no país, os países ocidentais estabeleceram um monopólio sobre a busca de soluções para o problema afegão, afastando outros atores regionais e internacionais com um peso muito maior no cenário afegão.

Não é segredo que, nos anos 1990, a maioria dos grupos armados afegãos mantiveram relações estreitas com forças externas, razão pela qual a guerra civil no Afeganistão foi vista por muitos especialistas como guerra dos interesses geopolíticos entre potências mundiais e regionais por meio das unidades paramilitares afegãs.

Cientes disso, podemos dizer que a probabilidade de os acontecimentos do século passado se repetirem no país em caso de diminuição da influência da Otan é grande.

Diálogo é inevitável

A cooperação entre a Rússia e o Ocidente na vertente afegã é muito complicada devido a sua luta pela influência na Ásia Central pós-soviética e suas divergências ideológicas. Se as contradições acima citadas forem superadas, a Rússia, em cooperação com o Ocidente, poderá contribuir para estabilização da situação dentro e em torno do Afeganistão.

Tal cooperação permitirá preservar a rota de transporte norte, ajudar o legítimo governo afegão e as forças anti-Taleban, aumentar a ajuda militar e econômica aos países da Ásia Central no contexto de reforço das "zonas de segurança" nas fronteiras do Afeganistão, conjugar os esforços dos países integrantes da Organização do Tratado de Segurança Coletiva e da Organização de Cooperação de Xangai com a União Europeia e a Otan.

A busca de vias de diálogo é um processo longo e complexo, cujo sucesso, entretanto, não está garantido. Esse processo deve ter como pano de fundo medidas enérgicas para a reconstrução econômica do país e criação de um governo eficaz.

Ao que tudo indica, hoje não existe um outro caminho a não ser o diálogo com os líderes do Taleban, seu envolvimento no processo de governança do país através de um governo de coalizão e sua integração às forças de segurança e a criação de condições para o desenvolvimento econômico do Afeganistão.

 

Anatoli Kulikov, general de quatro estrelas, é presidente do Clube de Comandantes Militares da Rússia.

Para a versão na íntegra do artigo em russo, acesse: http://vpk-news.ru/articles/13425

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