Nova geração de tradutores do russo

Lucas Simone Foto: Mariana Leme

Lucas Simone Foto: Mariana Leme

Antes restrito a poucos pioneiros, o ofício agora atrai cada vez mais jovens saídos dos departamentos de história e letras eslavas.

A tradução direta do russo se torna regra no país há apenas uma década – antes, o comum eram chegarem ao português a partir de edições francesas e americanas—mas poucos especialistas exerciam o ofício. A pioneiros como Boris Schnaiderman e Tatiana Belinky, se somaram Paulo Bezerra e Rubens Figueiredo, não muitos mais. O círculo restrito começa agora a se ampliar, inclui já cerca de duas dezenas de nomes, a maioria jovens saídos de departamentos de história e letras eslavas. Depois de novas edições de clássicos do século 19, aparecem títulos de grandes autores menos conhecidos, alguns já do século 20.

A nova onda parece surgir principalmente do movimento de traduções diretas que se multiplicaram nos últimos anos, como avalia Cide Piquet, 35, editor responsável pela Coleção Leste da Editora 34, a que mais se concentra nesse campo: “Acredito que isso se deva, em parte, à atenção dedicada à literatura russa pelas editoras, o que por sua vez faz parte de um movimento maior da cultura e da história da recepção da literatura russa no Brasil”. A impressão se confirma, como conta Piquet, pelos comentários de amigos, colegas e professores que têm relação mais próxima com o mundo acadêmico, também pelos e-mails de leitores e admiradores da 34 e de alunos interessados em oportunidades de estágio ou de trabalho. “Percebo um aumento crescente e constante do interesse pela língua e pela literatura russa na última década.”

Da parte de quem está na universidade, o relato é semelhante. “O interesse aumentou tremendamente nos últimos anos”, diz Bruno Gomide, 40, doutor na Unicamp, professor de literatura russa na USP. “Os cursos de russo na graduação tinham poucos alunos, agora são dezenas. Na pós-graduação, também. Temos cerca de 30 alunos, o que não é pouco para um curso de russo, sob qualquer ponto de vista internacional.” Gomide observa que os novos mestrandos e doutorandos continuam bastante envolvidos com autores consagrados como Dostoiévski e Tolstói, mas têm procurado outros, alguns inéditos no país, como Griboiêdov. Mesmo quando os estudos se detêm nos clássicos, buscam-se aspectos novos, como a recepção de Tchékhov no Brasil e os textos de juventude de Lev Vygótski, acrescenta Gomide. Há pesquisas que tratam de temas arquivísticos e históricos, como a antologia de contos russos da editora Lux, do início dos anos 1960. Outras abordam o período soviético e pós-soviético, como o que investiga os prêmios literários na Rússia contemporânea.

Uma amostra dessas novas vozes –tradutores da nova geração atentos a escritores pouco conhecidos- está numa “Nova Antologia do Conto Russo” publicada recentemente pela 34, com organização do próprio Gomide. Entre muitos de grande presença, há aqueles que são novidade para o público brasileiro, como Leskov, Katáiev, Schedrin e Zóschenko. Um volume do mesmo porte vai ser lançado no começo de 2013. Será outra antologia, desta vez de não ficção, com o pensamento crítico russo entre 1802-1898. Incluirá os principais ensaios sobre história, literatura e cultura russas. A porcentagem de tradutores da novíssima geração é ainda maior do que na outra antologia, informa o organizador. Praticamente todos são ligados aos cursos de russo da USP, da graduação ou da pós.

A descoberta de novos tradutores tem também caminhos fora do ambiente da universidade. Cide Piquet conta que dois dos mais jovens tradutores que trabalham hoje com a 34, Lucas Simone e Cecília Rosas, ele conheceu ao ler traduções suas publicadas pela editora Hedra, de São Paulo: “Em ambos os casos, fiquei impressionado com a qualidade dos textos. Tanto que, hoje, além de tradutores, os dois são também nossos colegas na editora, participando ativamente de todo o processo de edição e revisão de textos”. Piquet conta que há tradutores que procuram diretamente a editora, outros são indicados por editores, professores, colaboradores e já aconteceu até de ser procurado por um tradutor via Facebook.

Em comum, os novos tradutores têm a paixão despertada por leituras que ocorrem quase sempre na adolescência, alguns têm ascendência eslava, muitos já estiveram por temporadas de duração variada na Rússia e países que pertenceram à antiga União Soviética. Do ponto de vista de estilo e modo de trabalhar, a nova geração reflete grandes mestres e inventam seu próprio jeito de traduzir. O editor da Coleção Leste comenta: “Penso que todo tradutor inventa o seu próprio jeito de traduzir, mas é também norteado por alguns modelos. No caso do russo, Boris Schnaiderman e Paulo Bezerra são referências de grande peso. No entanto, uma característica comum à maioria dos novos tradutores é o alto grau de consciência a respeito do seu trabalho, que se reflete na qualidade de seus textos, e que é fruto, creio, do caminho já trilhado e do exemplo oferecido pelos anteriores, e também de um amadurecimento do mercado editorial brasileiro e dos estudos de tradução nas universidades do país.” 

Na Coleção Leste, que já vai ultrapassar os 40 títulos, saem quatro volumes novos em fins deste 2012. Um é traduzido por Paulo Bezerra, “Dois Sonhos”, de Dostoiévski. Outros três têm tradutores da nova geração. “A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes”, de Dostoiévski, é traduzido por Lucas Simone, “Rúdin”, de Ivan Turguêniev, por Fátima Bianchi, já professora na USP, e “A perspectiva inversa”, de Pável Floriênski, por Neide Jallageas e Anastassia Bytsenko, este último de não ficção. Os próximos a caminho são “Mistério-Bufo”, de Maiakóvski, com tradução de Arlete Cavaliere, “Memórias de um Caçador”, de Ivan Turguêniev, deIrineu Franco Perpétuo.

A época atual é também de maior convívio entre brasileiros e russos --fronteiras mais abertas, internet etc -- em comparação ao que ocorria no passado. O maior intercâmbio favorece a pesquisa e a tradução. “Sem dúvida, o momento para realizar pesquisas entre os dois países é muito favorável”, avalia Gomide.” Temos tido muitos professores - visitantes russos na USP, e muitos professores e alunos nossos têm ido à Rússia para realização de estágios e participação em congressos”.

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