ONGs vão lutar contra lei sobre “agentes estrangeiros”

Liudmila Alekseieva, chefe da organização Moscow Helsinki Group (à esq.), e presidente do Conselho de Direitos Humanos Mikhail Fedotov (no meio), durante uma sessão sobre o desenvolvimento da sociedade civil na Rússia. Foto: ITAR-TASS

Liudmila Alekseieva, chefe da organização Moscow Helsinki Group (à esq.), e presidente do Conselho de Direitos Humanos Mikhail Fedotov (no meio), durante uma sessão sobre o desenvolvimento da sociedade civil na Rússia. Foto: ITAR-TASS

As emendas na lei referente às organizações não governamentais entraram em vigor na semana passada. As novas medidas obrigam as ONGs que recebem financiamento estrangeiro e estejam engajadas em “qualquer atividade política” a se registrarem como “agentes estrangeiros”, um sinônimo para espião em russo.

A lei também endurece o controle sobre tais organizações, expondo-as a inspeções e auditorias frequentes que agora poderão ser solicitadas até mesmo por indivíduos.

Uma das defensoras da nova legislação, Irina Iarovaia do partido governista Rússia Unida, que chefia o Comitê Anticorrupção e Segurança na Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo), alega que “as pessoas devem saber quem faz política na Rússia usando dinheiro do exterior”.

“A legislação russa proíbe que partidos políticos recebam financiamento estrangeiro”, disse em comentários enviados por e-mail. “A norma sobre as ONGs corresponde ao princípio da lei sobre os partidos políticos e reforça as garantias contra ilegalidades nessa esfera.”

Os parlamentares preveem que a lei possa ser aplicada a não mais que mil organizações sem fins lucrativos das cerca de 220 mil ONGs que operam na Rússia. Apesar das multas elevadas de até 500 mil rublos (US$ 15.773), das sentenças de até quatro anos e da possível interrupção das operações por até seis meses em caso de desrespeito aos novos regulamentos, muitas ONGs russas afirmaram publicamente que não irão se registrar como “agentes estrangeiros” junto ao Ministério da Justiça.

Oleg Orlov, membro do conselho da organização de direitos humanos Memorial, acredita que a lei irá manchar a reputação de organizações sem fins lucrativos perante os cidadãos comuns e funcionários do governo. “Não vamos colocar esse rótulo em nós mesmos”, diz. “Conhecendo a realidade russa, posso dizer que as autoridades e os responsáveis pela aplicação da lei vão nos evitar se formos rotulados como agentes estrangeiros.” Orlov acrescenta que isso poderá complicar o acesso dos ativistas de direitos humanos aos presídios, delegacias de polícia e instalações militares.

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As novas regras foram apresentadas durante a mais recente reunião do presidente Vladímir Pútin com o Conselho Presidencial sobre Direitos Humanos, em 12 de novembro. Segundo Pútin, “tudo o que não está ligado à política deve ser excluído da lei”; o presidente também reiterou que “a influência estrangeira sobre a política interna não deve ser permitida.”

Mikhail Fedotov, chefe do Conselho Presidencial sobre Direitos Humanos, apontou mais de uma vez as falhas do nova legislação, inclusive ao presidente Pútin. Na referida reunião, Fedotov sugeriu até mesmo a revisão da lei.

“Ou não será aplicada na prática antes de ser reformulada ou as primeiras tentativas de aplicá-la vão causar um grande escândalo político e problemas legais – a lei vai entrar em conflito com o resto da legislação, incluindo a Constituição e o Código Civil”, disse Fedotov. “Se as autoridades querem multar uma organização ou suspender sua atividade, elas podem fazê-lo. Mas não farão isso, pois não são loucas.” Fedotov disse ainda que o Conselho sobre Direitos Humanos pretende elaborar uma lei federal que altera a nova legislação sobre organizações sem fins lucrativos.

A Câmara Civil da Rússia também fez uma avaliação dura sobre o projeto de lei em setembro, mas as críticas foram sequer levadas em conta pelos autores do projeto. Além disso, também não foram realizadas consultas com organizações públicas. “Nunca vi nada mais absurdo e prejudicial para o Estado”, diz Elena Lukianova, diretora do Instituto para Monitoramento de Eficácia da Aplicação da Lei na Câmara Civil.

Lukianova também ressalta que uma das maiores deficiências da lei é o fato de não fornecer uma definição clara e inequívoca de atividade política, além de a expressão “agente estrangeiro” ter uma conotação negativa, isto é, de “espião”.

Uma pesquisa realizada pelo Centro Levada em setembro passado mostrou que cerca de 62% dos russos tem uma impressão negativa sobre o termo “agente estrangeiro” – 39% dos entrevistados o definiriam como “um agente do serviço secreto de outro Estado ou um espião agindo disfarçado” e 22% dos entrevistados disseram que agente estrangeiro seria um “inimigo secreto atuando na Rússia guiado pelos interesses de outros países”.

À parte dessas percepções, a lei também exige constantes inspeções, o que poderá prejudicar o trabalho das ONGs. As organizações sem fins lucrativos que receberam financiamento externo deverão apresentar um relatório sobre suas despesas e atividades no território da Federação da Rússia a cada trimestre e a cada seis meses, respectivamente, em vez de submeter relatórios anuais como realizado anteriormente.

Oleg Orlov e Elena Panfilova, diretora da ONG Transparência Internacional Rússia, afirmam estar prontos para defender seus direitos no tribunal em caso de eventuais sanções. “Não posso dizer exatamente o que faremos, pois tudo depende do primeiro passo daqueles que podem potencialmente tomar medidas contra nós”, diz Panfilova.

Irina Iarovaia, do Rússia Unida, afirma que “é cedo para falar de uma possível revisão da lei antes de ver como funcionará na prática”.

Os analistas acreditam que a pressão do governo sobre as organizações sem fins lucrativos pode ser vista como uma reação aos protestos contra as supostamente fraudulentas eleições parlamentares e presidenciais na Rússia durante o último inverno. “As ONGs ajudam a restringir a ilegalidade no país, por exemplo, relatando essas fraudes eleitorais”, afirma Dmítri Orechkin, analista político independente e ex-membro do Conselho Presidencial sobre Direitos Humanos, que abandonou o grupo após a corrida eleitoral.

Outro problema para algumas ONGs são as doações generosas que receberam de organizações governamentais norte-americanas, especialmente da USAID, que recentemente fechou suas portas na Rússia.

“Muitas dessas organizações podem ser, de certo modo,  consideradas antigoverno, porque lutam contra a corrupção, e a maior fonte de corrupção é o governo. Eles não podem deixar de irritar o governo, especialmente quando se trata de um regime autoritário”, diz a professora Olga Krichtanovskaia, que dirige seu próprio laboratório sociológico em Moscou.

“A mensagem que o ‘coletivo de Pútin’ está tentando comunicar ao público ao classificar as ONGs como ‘agentes estrangeiros’ é que, por meio delas, o Ocidente interfere na política russa, promovendo os recentes protestos, a fim de substituir Pútin por um líder mais fraco com quem seria mais fácil de lidar, e isso coincide com as percepções gerais do público sobre política”, arremata Krichtanovskaia.

 

Irina Iarovaia, chefe do Comitê Anticorrupção e Segurança na Duma de Estado

“As pessoas devem saber quem faz política na Rússia usando dinheiro do exterior. A legislação russa proíbe que partidos políticos recebam financiamento estrangeiro. A lei sobre as ONGs tem correspondência com a legislação e com as garantias contra ilegalidades políticas.”

Elena Panfilova, diretora da Transparência Internacional Rússia

“Essa lei estimula a desigualdade entre as organizações públicas e nos faz reconhecer que a nossa atividade, que sempre foi destinada a beneficiar a Federação da Rússia e seu povo, é realizada seguindo interesse de outros Estados.”

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