Raridades de Tarkóvski são leiloadas em Londres

Andrêi Tarkóvski. Foto: ITAR-TASS

Andrêi Tarkóvski. Foto: ITAR-TASS

Casa de leilões inglesa oferecerá cartas, fitas e versões de filmes inéditas do aclamado diretor russo.

Andrêi Tarkóvski marcou a história do cinema com apenas sete títulos. “Apenas” porque a lista de projetos que tinha em mente era muito maior. Porém, depois de '”O Espelho”, Tarkóvski ficou atrás da grande muralha do Goskino (Comitê Estatal de Cinema).

Ele passou anos pedindo permissão para desenvolver seus projetos pessoais ou, pelo menos, fazê-los no exterior. Uma história, infelizmente, pouco original.

Ainda assim, fama do autor de “Andrei Rublev” não parou de crescer. Nem a literatura sobre o seu trabalho, as edições remasterizadas, os documentários que tentam esclarecer a complexa personalidade do cineasta.

No entanto, o tempo, exatamente o delicado material com que era construído o sistema filosófico de Tarkóvski, tem sido responsável por colocar esses sete títulos entre os mais valorizados pelos críticos.

O cineasta deixou publicado seu corpo teórico e, após sua morte, apareceram diários (1970-1986), bem como outros materiais e lembranças de amigos e colaboradores. Ainda assim, tudo isso era insuficiente para satisfazer a curiosidade geral e, sobretudo, a de seus seguidores.

Por isso, não é de estranhar a grande expectativa com que foi recebida a notícia do leilão de materiais pessoais de Tarkóvski grande parte inéditos, até então sob posse de seu colega de trabalho Olga Surkova, coautora de “Esculpir no tempo”.

Entre os materiais para leilão, há quatro álbuns de fotos com imagens nunca publicadas de seus anos no exílio; 13 fitas e 13 CDs com entrevistas inéditas; 12 cartas de Andrêi Tarkóvski ao crítico cinematográfico russo Evguêni Surkov; manuscritos de “Esculpir no tempo”, incluindo esboços, comentários e a versão final datilografada; e edições raras de “Solaris”, “Stalker” e o “O Espelho”, nos quais a estrutura é detalhada sequência por sequência, permitindo a comparação com o resultado final.

Um esboço das correspondências para Brejnev também faz parte do lote que a casa de leilões Sotheby’s, em Londres, vai leiloar a preço estimado de 120 mil euros. Alguns trechos revelam momentos especialmente difíceis.

“Durante três anos e meio, meu filme foi proibido nos cinemas (..) ‘Andrêi Rublev’ não foi utilizado nem poderia ser usado para qualquer tipo de propaganda antissoviética. Não tenho oportunidade alguma de executar minhas ideias criativas. Dizem que essa questão está intimamente ligada ao destino de Andrei Rublev”, diz em uma das cartas.

“E, no entanto, não tenho trabalho, não tenho como ganhar a vida, além de ter mulher e filho. Não me sinto confortável falando sobre isso, mas há muito tempo que a minha situação não mudou de modo que não posso permanecer em silêncio por mais tempo.”, continua Tarkóvski.

O destinatário era o secretário-geral do Comitê Central, Leonid Brejnev, que proibiu a distribuição do filme sobre o pintor de ícones.

“Esta noite sonhei com Brejnev, que se dirigia a mim com carinho. Dio mio!”, escreve em seu diário no mesmo ano da morte do líder.

O especialista em livros e manuscritos da Sotheby's, Stephen Roe, diz ser pouco provável que volte a ocorrer um leilão desse tipo com materiais do diretor russo.

Entretanto, até 28 de novembro, não saberemos que pessoa ou instituição vai ficar com o lote. Se voltará ao baú para o gosto e o prazer de alguém, ou passar para as mãos de especialistas para que aproximarão o público um pouco mais do mundo desse brilhante artista.

Ele e os outros

Tarkóvski buscava incansavelmente outros meios para se expressar, como, por exemplo, o teatro. A adaptação de Hamlet foi tão bem-sucedida que ele até pensou em começar a sua própria companhia.

Ou até mesmo a ficção científica, um gênero considerado menor pelas autoridades, foi outra opção que repetiu depois de “Solaris”, dada a sua capacidade de aproximar a aparente distância das tramas fantásticas a suas preocupações filosófico-morais.

“O artista deve, em princípio, se opor, não pode ser um conformista”, declarou certa vez em uma entrevista à revista “Time Out”.

Tarkóvski dividiu os diretores de cinema em dois grupos: aqueles que tentam reconstruir o mundo ao redor deles, e os que criam seu próprio mundo. O segundo são aqueles que colidem com o gosto do público, porque não tentam agradá-los, mas sim refletir suas próprias aspirações.

O diretor russo tinha a modéstia de não se incluir neste grupo, no qual estavam Bresson, Bergman ou Kurosawa, mas sem dúvida ele também tentava “compreender as emoções internas dos potenciais espectadores, mesmo que seu alcance tenha um alcance bem distante”, como definia o trabalho desses cineastas.

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