Morre escritor russo Boris Strugatsky

Boris Strugatsky Foto: TASS

Boris Strugatsky Foto: TASS

Autor morreu na segunda-feira aos 79 anos. Segundo apurou a agência RIA Nóvosti com um amigo do escritor que pediu para não ser identificado, Strugatsky faleceu por problemas de coração. A novelista Katerli, no entanto, afirmou que ele morreu de câncer de sangue.

O escritor russo Boris Strugatsky morreu na segunda-feira aos 79 anos. Segundo apurou a agência RIA Nóvosti com um amigo do escritor que pediu para não ser identificada, Strugatsky faleceu por problemas de coração. A novelista Katerli, no entanto, afirmou que ele morreu de câncer de sangue.

Ao lado do irmão Arkádi, Boris foi não só um dos mais famosos escritores de ficção científica do país, mas também o único escritor soviético de ficção científica a ser reconhecido internacionalmente como clássico desse gênero.

"Segunda-feira começa no sábado", "É duro ser um Deus", "Um besouro no formigueiro", "Um bilhão de anos antes do fim do mundo"  e muitos outros livros eram vendidos em poucas horas, apesar de suas enormes tiragens. Na URSS, poucos foram os que não leram os livros da dupla, traduzidos para mais de 30 idiomas. No início de 1991, havia 321 edições de seus livros em 27 países.

Formação

Segundo um dos admiradores da obra dos Strugatsky, ao contrário de muitos outros escritores de ficção científica, os dois realmente sabiam o que eram o campo tensorial e a métrica de Schwarzschild.

No dueto, os campos tensoriais estavam a cargo do irmão mais novo, Boris. Formado em astronomia pela faculdade de mecânica e matemática da Universidade de Lenigrado (atualmente, São Petersburgo), Boris trabalhou, durante muitos anos, no Observatório de Pulkovo, ao contrário de Arkádi, formado em línguas estrangeiras pelo Instituto Militar de Idiomas de Moscou.

Formadores de opinião

Quando, em 1957, os irmãos Arkádi e Boris começaram a escrever o seu primeiro livro, dificilmente esperavam que, daí a dez anos, se tornariam formadores de opinião de um enorme país. Sua popularidade nos anos 1960 e 1970 era incrível e muito maior do que a de Erich Maria Remarque e Ernest Hemingway, ídolos dos meios intelectuais soviéticos na época. Seus livros  tornavam-se sucesso nas livrarias, destacando-se de muitos outros romances contemporâneos pela relevância social dos temas abordados.

 

Ao lado do irmão Arkádi (à esq.), Boris (à dir.) foi não só um dos mais famosos escritores de ficção científica do país, mas também o único escritor soviético de ficção científica a ser reconhecido internacionalmente. Foto: TASS 

Boris permaneceu por muito tempo na sombra de seu irmão mais velho. A biografia de Arkádi foi realmente mais rica, inclusive em eventos trágicos: a evacuação de Leningrado cercada pelas tropas nazistas, o pai que morreu em seus braços, a convocação para o serviço militar em Orembrugo, os estudos na Escola de  Artilharia em Aktiubinsk (mais de dez anos de serviço militar), a participação na guerra soviético-japonesa e muitos anos de trabalho como editor dos primeiros livros soviéticos de ficção científica.

O currículo de Boris é mais comum, embora tenha vivido, aos nove anos, o inverno terrível de 1941 em uma Leningrado cercada. Depois, concluiu o curso secundário com distinção, estudou na Universidade de Leningrado e na faculdade de pós-graduação e trabalhou no Observatório de Pulkovo até se tornar, em 1964, escritor profissional.

Em seguida, houve apenas a literatura, com a publicação de livros em que buscavam mostrar às pessoas um futuro melhor para se viver. Sua série de romances em vários volumes sobre o Mundo do Meio-Dia (título emprestado pelo primeiro livro da série "Meio-dia, século 22") foi a segunda –após os livros de Ivan Efremov– e talvez mais bem sucedida tentativa de apresentar um quadro detalhado de uma sociedade comunista empreendida na literatura soviética.

Personagens de Efremov foram longe demais e deixaram, de fato, de ser seres humanos parecidos conosco. Já os personagens do "Meio-Dia" são iguais ou até melhores: eles discutem, sonham, amam e buscam soluções corretas, cometendo erros e até crimes, mas são mais puros e felizes por viverem em um mundo criado para a felicidade das pessoas.

Cinema

O mundo do "Meio-Dia" é absolutamente vivo e forte e continua relevante ainda hoje. É estranho verificar que, enquanto o país estava construindo o comunismo, cineastas transpuseram para a tela muitas das obras dos irmãos Strugatsky, entre as quais o "Hotel montanhista morto", "Segunda-feira começa no sábado", "Piquenique à beira da estrada" (mais conhecido como "Stalker", de Andrêi Tarkovsky), "Um bilhão de anos antes do fim do mundo", e não rodaram nenhum com base em um dos livros da série sobre o mundo do "Meio-Dia".

Só agora, quando a ideia de construir um futuro comunista radiante perdeu  atualidade,  foram lançados dois projetos de adaptação cinematográfica dos dois livros mais relevantes da série: "A ilha habitada" e "É duro ser um Deus".

O dueto dos irmãos Strugatsy não sobreviveu ao colapso da União Soviética. Pouco antes da assinatura do Acordo de Belovejsakaia Pucha, na Bielo-Rússia, que deu fim à URSS, em outubro de 1991, Arkádi faleceu. Boris ficou sozinho e disse que um escritor com o nome de "os irmãos Strugatsky” não existia mais e nunca mais existiria e continuou "cortando sozinho o tronco grosso da literatura com a mesma serra para duas pessoas". Em  20 anos, ele publicou (sob o pseudônimo de S.Vitítski) apenas dois livros,  "Busca da predestinação ou o 27º teorema da ética", na década de 1990, e "Os incapazes deste mundo", nos anos 2000.  

Os últimos anos foram muito difíceis para ele –Boris sofreu vários enfartes. Muitos admiradores antigos não aceitaram sua transformação de um comunista romântico em um ultraliberal e partidário da política de terapia de choque e, posteriormente, e em um cético renitente. Como resultado, viveu por longo tempo em um mundo onde o "Meio-Dia" perdeu.

Agora, muitas pessoas dizem: "Sua morte marcou o final da época".  Assim se costuma dizer sempre que um notável se vai. Mas, dessa feita, a época realmente teve fim. Nos últimos anos, tantos escritores famosos já deixaram esse mundo. Entre eles: Simak e Asimov, Heinlein e Dick, Clark e Lem, Shackley e Vonnegut. Neste ano, partiram os últimos: Harry Harrison, Ray Bradbury e Boris Strugatsky. Eles conseguiram fazer da ficção científica um verdadeiro gênero literário. 

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