A filosofia do desenho animado russo

Quadro do desenho animado  “Aventuras do Crocodilo Guenna e Tcheburachka”

Quadro do desenho animado “Aventuras do Crocodilo Guenna e Tcheburachka”

Embora se distingam pelos diferentes gêneros e pela altíssima qualidade técnica, maioria dos desenhos animados de países como EUA e Japão não possui algo essencial, chamado muitas vezes de “alma”, que distingue os desenhos soviéticos de muitos outros.

Não é segredo para ninguém que os desenhos animados são parte da cultura de diversos países, cada um com seu próprio estilo, suas próprias caraterísticas e histórias.

Na Rússia, esta indústria, florescente na época soviética, é hoje menos desenvolvida do que em gigantes da área, como Estados Unidos e Japão. Embora se distingam pelos diferentes gêneros e pela altíssima qualidade técnica, a maioria dos desenhos animados destes países não possui algo essencial, chamado muitas vezes de “alma”, que distingue os desenhos animados soviéticos de muitos outros.

“Alice no País das Maravilhas”

É difícil perceber a “misteriosa alma russa” sem conhecer a cinematografia e a história dos desenhos animados produzidos no país. Ela começa ainda em 1906, quando um coreógrafo do Teatro Mariinski, de São Petersburgo, criou o primeiro desenho animado da Rússia, feito com bonecos. A indústria, no entanto, começou a florescer apenas na segunda metade do século 20.

Apesar de desenvolver diferentes técnicas e experimentar com diversos materiais (tintas, bonecos, massa de modelar), o principal alvo do desenho russo sempre foi o enredo e a história contada.

Versões

Os russos possuem inúmeras versões de conhecidas obras mundiais ­–entre os filmes, podemos destacar a série sobre Sherlock Holmes, reconhecida pelo Reino Unido como a melhor adaptação clássica dos livros de Arthur Conan Doyle. Os desenhos animados não são uma exceção.

“O Karlsson”

A versão russa da “Alice no País das Maravilhas”, por exemplo, tornou-se menos psicodélica, mantendo, no entanto, sua filosofia delicada. A versão cômica de “Os Três Mosqueteiros” dá conta do confronto entre cães e gatos. Já “O Karlsson” russo é apresentado como num homem na primavera da vida, que gosta de doces e faz tudo para alegrar a solidão de seu amigo Lillebror (pequenino, em tradução livre).

“Mágico de Oz”

Os realizadores russos também criaram suas próprias versões de “Mogli”, do “Mágico de Oz”, de “Mumin”, do “Ursinho Poof” e dos contos dos irmãos Grimm. Em todas as interpretações, os personagens são mais bondosos e um pouco mais filósofos e tristes. A filosofia profunda do desenho animado soviético pode ensinar algo para pessoas de todas as idades.

A questão da moralidade e dos valores que os desenhos ensinam às  crianças tornou-se particularmente aguda no fim do século 20, quando a produção norte-americana invadiu a Rússia. Em comparação com os personagens russos, os americanos pareciam demasiado rudes e simples. A produção americana é claramente dedicada a um certo público, eliminando a ligação entre as gerações, que é forte nas obras russas. Apesar de os americanos dominarem a televisão russa atualmente, nossa “misteriosa alma” segue precisando dos filosóficos desenhos animados soviéticos.

Música

E nosso desenho animado não é apenas filosofia –as canções escritas e interpretadas pelos melhores artistas e compositores russos também são destaque. Adultos e crianças cantam até hoje, nos dias de aniversário, a lendária canção das “Aventuras do Crocodilo Guenna e Tcheburachka”, lamentando que a data seja celebrada apenas uma vez no ano.

 “Aventuras do Crocodilo Guenna e Tcheburachka”

As canções misturam gêneros e falam de forma séria sobre coisas simples e vice-versa: “Os músicos de Bremen” tinham tanto baladas de amor, como canções rock’n’roll, os piratas da “Ilha do Tesouro” cantam sobre seus maus hábitos e suas consequências. O desenho animado soviético ainda tem seu próprio rapper –o ursinho Poof–, que canta sobre tudo o que pensa.

 

O desenho animado na União Soviética era perfeito para expressar ideias de forma encoberta. Talvez seja por isso que compreendemos cada vez mais coisas ao assisti-los. Entre elas, a história do diabrete número 13, que aprende a amar; a da promessa do homem de dar uma estrela à namorada, mas que não quis lidar com a realidade e acabou deixando os problemas reais para a mulher; a do Barba Azul, que não consegue compreender as esquisitices das mulheres.

 

Enfrentamos todos estes problemas na vida real. Às vezes, o desenho propõe uma solução, às vezes nos levava à outra. No entanto, a principal razão de gostarmos dos desenhos soviéticos é que eles nos lembram nossos tempos de criança, quando o mundo parecia tão grande, interessante e compreensível. Antes de tudo, todos viemos da infância.

 

Publicado originalmente no site da rádio Voz da Rússia

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