Tarkóvski é homenageado em SP

Andrêi Andreevitch Tarkóvski Foto: TASS

Andrêi Andreevitch Tarkóvski Foto: TASS

Filho do diretor soviético Andrêi Tarkóvski, o também cineasta Andrei Andreevitch chega a São Paulo neste sábado (13) para a abertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 19. Ele fala com exclusividade à Gazeta Russa.

Filho do diretor soviético Andrêi Tarkóvski, o também cineasta Andrei Andreevitch chega a São Paulo neste sábado (13) para a abertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 19.

Presidente do Instituto Internacional Andrêi Tarkóvski, dedicado à preservação da memória do cineasta,  Andrêi Andreevitch vem ao país para o lançamento de duas publicações do pai e exibirá no festival um documentário sobre seus últimos anos.

Homenageado na Mostra, Tarkóvski teria completado 80 anos em abril. Entre outras celebrações no Brasil, a Cosac Naif publica um livro de polaroids tiradas pelo cineasta soviético e a É Realizações lançará seus diários, intitulados pelo mesmo de “Martirológio”, no próximo dia 20, no MIS (Museu da Imagem e do Som).

De Florença, por telefone, Andrêi Andreevitch Tarkóvski falou à Gazeta Russa sobre suas expectativas, as novas publicações e recordações do pai:

Gazeta Russa: Como surgiu a ideia de homenagear no Brasil seu pai em seu 80° aniversário?

Andrêi Andreevitch: Na verdade, foi uma grande surpresa, muito agradável, que o Brasil esteja interessado no trabalho do meu pai, em seu cinema, em suas fotos, suas polaroids... Tudo começou com as editoras, e então fui contatado pelo festival, que decidiu colocar tudo junto. Estou feliz que haja pessoas que conhecem, que gostam do meu pai no Brasil!

GR: E você virá ao Brasil...

A.A.: Eu chego no Brasil no sábado para a mostra, para a abertura etc. Haverá também um cineasta russo, Evguêni Borzov, e um filósofo, Igor Evlampiev, que escreveu um texto excelente analisando o cinema do meu pai, do ponto de vista filosófico russo tradicional.

GR: Você já havia vindo ao Brasil alguma vez?

A.A.: Não, nunca estive, estou ansioso por fazê-lo!

GR: Quais os principais países celebrando essa efeméride?

A.A.: São muitos lugares: Itália, França, Alemanha, Rússia, Inglaterra... São muitos eventos, e tem alguns dos quais eu nem fiquei sabendo, nem sempre sou contatado pelas pessoas porque são muitas coisas.

GR: A Rússia publicou os diários do seu pai bem depois da França. Você disse ao jornal Izvestia sobre uma certa censura ao legado do seu pai na terra natal...

A.A.: Sim, sim. Na verdade nosso instituto publicou os diários na Rússia, há alguns anos. Não conseguimos achar um editor, e especialmente para a edição russa nos era muito importante fazer um bom trabalho e um livro bonito.

Nós nunca conseguiríamos entrar em acordo com nenhuma editora porque realmente era um projeto muito caro, e nem todas as editoras, especialmente as russas, podiam bancá-lo. Mas, felizmente, encontramos patrocinadores e o publicamos, o livro foi na verdade lançado com bastante sucesso, já está esgotado, estamos preparando uma nova edição.

GR: Depois da publicação dos diários, tornou-se mais fácil a publicação do trabalho do seu pai?

A.A.: Não houve censura após a perestroika, após o período soviético. As pessoas não sabiam seu sofrimento, as dificuldades que ele teve na vida enquanto viveu na Rússia, ninguém sabia. Então esses diários mostraram um pouco da sua vida, da vida de verdade na Rússia, naquele período, e na União Soviética.

GR: Você havia falado inclusive em imprimir o trabalho na Itália e de lá levar à Rússia...

A.A.: Sim, foi o que fizemos. Mas não foi uma questão de censura, mas comercial. Agora, tudo é muito comercial na Rússia. Não há uma censura política do meu pai, porque ele nunca teve nada a ver com política, ele nunca foi um dissidente, ele nunca se atrelou a nenhum tipo de regime, ele só queria trabalhar e fazer seus filmes de seu próprio jeito, e era por isso que ele lutava na verdade todo o tempo com a burocracia. Seu trabalho sempre vai ser muito requisitado pelas pessoas na Rússia.

Ele era um russo, seu mundo, sua mensagem, tudo o que ele fez na arte era muito russo, remonta às tradições russas. Infelizmente, seu trabalho demorou para ser publicado na Rússia, mas era só uma questão de tempo, e na Rússia há muitas pessoas que entendem e amam seu trabalho, talvez mais que em qualquer outro lugar.

GR: Quando seu pai morreu você tinha apenas 16 anos, mas você se recorda de ele falar em sobre as dificuldades que tinha para levar a cabo seu trabalho ?

A.A.: Sim, todo mundo sabia dessa situação, mas naquele período todo mundo passava por dificuldades, o regime era tão forte, e não era apenas com meu pai. Mas ele sofreu muito com isso, com falta de trabalho, dinheiro e, especialmente, de compreensão. Claro, você não pode esperar compreensão do regime, dos burocratas soviéticos, mas dos colegas, essa foi uma das coisas mais duras para ele. Essa foi a coisa que mais o machucou.

GR: E você também é diretor, como seu pai. Você mostrará alguns de seus trabalhos na Mostra Internacional de São Paulo?

A.A.: Na verdade eu faço documentários mais curtos, não faço longas ainda, então é um pouco diferente. Será exibido um documentário curto meu sobre meu pai em alguma exibição, não na competição do festival. É meu primeiro documentário, sobre os últimos anos do meu pai.

GR: Você se dedica mais ao instituto que à direção?

A.A.: São muitas coisas, muito trabalho com o instituto, também dirijo documentários para a televisão, geralmente sobre artistas... O instituto foi fundado em 1987, um ano depois que meu pai morreu, e desde então ele é dedicado a seu legado, à publicação de seus trabalhos e também concentra todos seus arquivos aqui, em Florença. Na verdade, a ideia do instituto é do meu pai, que queria fazer sua própria escola de artes em Florença, não apenas de cinema, mas para a arte em geral.

GR: Você acha que a repressão à arte hoje pode ser comparada à da época do seu pai?

A.A.: O problema que meu pai encontrou lá com a burocracia soviética é o mesmo que a gente encontra agora com a produção cinematográfica. É diferente, mas é a mesma coisa, porque agora é o lado comercial do cinema que é mais predominante.

GR: Há trabalhos do seu pai publicados no Japão que são inéditos no resto do mundo...

A.A.: Existem sim, são os diários de trabalho de “O Espelho”. Eles fizeram uma publicação maravilhosa deles, e agora estamos procurando editores por aqui.

GR: Quais são os trabalhos do seu pai que você acredita que sejam indispensáveis que se puubliquem depois desses lançamentos no Brasil?

Tem muita coisa, mas meu projeto é lançar livros sobre todos os filmes, onde a gente poderia colocar o roteiro, os materiais, as cartas, e os diários de trabalho de cada filme, as fotografias...

É um projeto especial, é bem complicado, e levará tempo. Também há um livro que saiu na Itália há algumas semanas, Lições de Cinema, dedicado a jovens cineastas e diretores. É muito interessante, apesar de ser muito técnico também, mas muito mais preciso, com todos os exemplos do mundo do cinema.

GR: O instituto tem absolutamente todos os escritos do seu pai ou ainda há material nos arquivos russos?

A.A.: Nós temos todos seus arquivos, tudo o que ele escreveu na Rússia, na França, na Itália. Talvez haja só cópias dos roteiros de trabalho em outros arquivos.

GR: Você disse que seu pai ensinou uma lição que te marcou, de que as pessoas não são feitas para a felicidade. Você poderia explicar?

A.A.: Ele dizia que havia coisas mais importantes que a felicidade. Ele tinha em mente que a felicidade é a ideia de bem-estar, de curtir a vida e de não pensar. Seu objetivo e seu modo de vida era o da busca, da busca pela verdade. É difícil até dizer que ele era um diretor de cinema, porque seus filmes são um reflexo de sua busca.

GR: Os diários que serão lançados em breve no Brasil são enormes, têm quase 700 páginas. Se você pudesse recomendar um trecho ou determinados anos desses diários para serem lidos primeiro, o que você recomendaria?

A.A.: Não é bem como um romance, mas se pode buscar pelos períodos em que os filmes foram realizados e ler sobre determinados filmes que se queira, lá tem muita coisa. Mas também há outras partes determinadas muito interessantes, especialmente a última parte, de 1986, com suas reflexões sobre a vida... É muito forte e interessante.

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