“Não nasci um seguidor de Stanislávski”

Diretor Adolf Shapiro Foto: Cacá Bernardes

Diretor Adolf Shapiro Foto: Cacá Bernardes

Um dos principais nomes do teatro mundial, Adolf Shapiro, é o diretor convidado pela mundana companhia para dirigir a nova montagem de “Pais e Filhos”, baseada no romance homônimo de 1862 de Ivan Turguêniev, que estreia em 28 de setembro em São Paulo.

Um dos principais seguidores de Stanislávski, Shapiro foi discípulo de Maria Knébel, que trabalhou e assessorou Stanislávski diretamente. O diretor tem vindo ao Brasil com certa frequência para trabalhar com os atores da mundana. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva que Adolf Shapiro concedeu à Gazeta Russa:

 

Gazeta Russa: O que o senhor gostaria que o espectador observasse na sua montagem de “Pais e Filhos”?

 

Adolf Shapiro: Primeiro eu gostaria que ele não dormisse [risos). O teatro é um lugar onde não se deve sentir tédio.  

GR: O espectador desempenha algum papel? 

AS: Varia muito. O público tem de participar, claro, mas já basta estar conectado com aquilo que está em cena.

GR: Quanto tempo levou para fazer essa montagem?

AS: Um mês e meio. Mas antes disso eu já tinha vindo ao Brasil duas vezes. Nesse ínterim, os atores trabalharam por conta própria e me mostraram os resultados. Na verdade, o trabalho começou há muito tempo.

Raio-X


Idade: 73 anos

 

Profissão: diretor e professor de teatro

 

Discípulo da renomada diretora Maria Knébel, Shapiro nasceu em Kharkov, atualmente território ucraniano, e dirigiu por 30 anos o Teatro Jovem de Riga (Letônia).

GR: Quantas horas por dia o senhor ensaia?

AS: Nos últimos dias temos ensaiado quase nove ou dez horas por dia, mas, geralmente, entre seis e sete horas. Enquanto os atores não caem duros a gente continua ensaiando. Acho que um outro grupo de artistas não conseguiria segurar a barra.

GR: Por que o senhor escolheu esse texto de Turguêniev?

AS: Espero que o espectador brasileiro receba esse texto como um diálogo com a sociedade contemporânea.

Também cansa um pouco ver que em muitos países a literatura russa associa-se apenas a um nome. Chego a acreditar que Tchékhov não teria existido se não fosse Turguêniev e uma plêiade de escritores russos anteriores.

Por fim, nossa tarefa não é apenas montar o espetáculo mas usar esse texto para tocar a tradição do teatro russo, do método do teatro psicológico. E Turguêniev, assim como Tchékhov, possibilitam isso.

Existe uma série de outras razões, sem contar que esse é um grande livro, um dos meus preferidos.

GR: Turguêniev não foi só um precursor de outros escritores russos mas também da literatura russa fora das fronteiras nacionais...

AS: Sim, ele viveu a maior parte da vida fora da Rússia, na França. Mais do que qualquer outro russo, ele era traduzido quase que imediatamente para o francês.

GR: Por que o interesse em trabalhar com uma cia. brasileira? 

AS: Eu gosto muito de trabalhar em países em que não tenho apenas coisas a dar, mas onde também recebo, conhecendo outra cultura e outros pontos de vista.

Para mim é muito mais interessante trabalhar na América Latina ou na China, onde eu vou montar um espetáculo no próximo ano, do que nos países da Europa.

Há muito a América Latina me inspira. A energia da vida latino-americana é muito próxima da minha alma. E a abertura das pessoas, sua reatividade...

Acabo de vir dos Estados Unidos, onde fiquei um tempo ensinando na escola Stanislávki, que funciona anexa à Universidade de Harvard. Pelo contrato, eu trabalhava quatro horas por dia e folgava aos sábados e domingos, mas eu me cansava muito mais lá do que aqui.

GR: O que notou de diferente no teatro brasileiro ou no país? 

AS: Não conheço verdadeiramente o teatro brasileiro para ter alguma opinião. Temo as generalizações e acho que estaria sendo muito fútil se fizesse algumas. Não quero parecer um “turistão” que acha que já entendeu tudo.

Posso dizer que de tudo o que vi, a maior parte é interessante.  E fiquei muito impressionado pelo grau de organização do Sesc. Vou falar muito sobre isso na Rússia. Ensaiamos primeiro no Sesc Pompeia, que foi projetado pela Lina Bo Bardi, e toda vez que entro naquele lugar sinto uma alegria imensa.

GR: A mundana companhia entende a criação teatral como um processo coletivo. Nesse contexto, onde fica o diretor? 

AS: À frente.

GR: O que quer dizer?

AS: Como assim? Um diretor que fica à mercê ou atrás dos atores não é necessário, senão eles podem fazer tudo por conta própria. É um paradoxo, mas quanto mais coletiva a arte, mais necessária é uma pessoa que saiba como direcionar as outras. É preciso encontrar pontos em comum entre as individualidades.

Esse grupo de atores é composto de pessoas muito artísticas. Por mais paradoxal que possa parecer, não é sempre que a gente encontra pessoas criativas no teatro.

Eles [os atores do grupo] querem, além dos resultados, os segredos da arte. Estão muito preparados para a pesquisa e pensam muito no desenvolvimento pessoal. Não é um elogio, é um dos motivos pelos quais estou aqui.

GR: Pretende trabalhar com outros grupos brasileiros? 

AS: Eu gostaria primeiro de conhecer outros grupos.

GR: Ouvi de certos atores que o senhor transmite Stanislávski muito naturalmente; por outro lado, trata-se de um método que alguns classificam como quase científico... 

AS: [Risos] Os atores sabem melhor como eu lido com isso, mas posso dizer que Stanislávski não é naturalismo. No comecinho, sim, mas já a partir de Tchékhov seu teatro não pode ser classificado como tal, é um teatro poético, impressionista, às vezes místico, ele até trabalhou com autores simbolistas....

O próprio Stanislávski era um artista brilhante, que adorava papéis bufonescos ou grotescos com os quais fazia muito sucesso. Ele adorava Molière e Shakespeare.O problema é que colocam um sinal de igual entre Stanislávski e Tchékhov. Ele descobriu Tchékhov, mas teve muito mais depois.

E, como todo grande artista, teve etapas que se diferenciam radicalmente umas das outras. Ele era um experimentador, um reformador do teatro, então até o último dia negava o que tinha feito. O método das ações físicas ou o método da análise através da ação são coisas que ele descobriu apenas no final da vida e contradiziam muito as experiências dos primeiros anos.

GR: Uma última pergunta: como o senhor analisa a recepção de Stanislávski fora da Rússia? 

AS: Absolutamente da mesma forma como dentro da Rússia. Ou seja, entendê-lo é muito difícil. Você sabe que sobre livros como a Bíblia, o Corão e o Talmud diferentes sacerdotes fazem diferentes tratados.

E, como todo grande ensinamento, esse também tem uma série de pupilos, os quais o mestre inicial teria muita felicidade em recusar [risos].

Durante todo o século 20, muita gente quis o título de continuador verdadeiro do sistema Stanislávski. Em todos os países encontramos continuadores que não têm nada a ver com ele.

Eu mesmo não nasci um seguidor de Stanislávski. Na minha juventude outros tipos de teatro me atraíam. Se não tivesse conhecido Maria Knébel -- que não somente era aluna de Stanislávski, mas sua assistente --, talvez eu não fosse um seguidor de Stanislávski.

Apesar de ter me ocupado de Stanislávski a vida inteira, eu mesmo, a todo momento tento entender que raios é isso.  É uma grande doutrina, um grande ensinamento teatral. É como se fosse uma Bíblia. Pessoas vivem com a Bíblia a vida inteira e voltam a ela especialmente nos momentos mais difíceis.

Por isso, quando estou ensaiando e está dando tudo certo, eu também esqueço de Stanislávski, mas assim que alguma coisa começa a dar errado, começo a pensar como Stalisnávski faria. 

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