Uma avalanche chamada Pussy Riot

Foto: Reuters / Vostock Photo

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Exatamente um mês depois do tribunal de Moscou ter concedido a pena de dois anos para as três integrantes do grupo punk Pussy Riot, o impacto do julgamento ainda prevalece sobre a sociedade.

Tudo começou com uma apresentação provocativa, porém inocente – ainda que tenha parecido ofensiva para muitos – na Catedral de Cristo Salvador, em Moscou. Elas logo se tornaram superestrelas da mídia e ícones para a oposição russa. Mas o julgamento também dividiu a sociedade russa, manchou a reputação daIgreja Ortodoxa Russa e colocou o Kremlin na berlinda da crítica internacional.

Em primeiro lugar, o processo judicial em Moscou parecia um julgamento de fachada com um resultado predeterminado. Para a maioria das pessoas, foi uma demonstração do poder do Estado para punir os ativistas da oposição.

Muitos defensores do Pussy Riot acreditam que a ação do grupo não foi particularmente boa ou inteligente. Mas as integrantes da banda não causaram quaisquer danos materiais ou corporais. Além disso, os seguranças da catedral não fizeram um grande esforço para detê-las.

Não gostar do presidente Vladímir Pútin e entoar “Virgem Maria, livrai-nos de Pútin!”, mesmo sob os olhares daqueles que acharam o protesto infeliz e ofensivo, é dificilmente equivalente a uma pena de dois na prisão. 

Nadéjda Tolokonnikova, Ekaterina Samutsevitch e Maria Alekhina vão permanecer presas até 2012, se não receberem liberdade condicional antes da época. Uma sentença tão longa que pode causar estragos na vida familiar. Afinal, Nadéjda e Maria têm filhos pequenos que irão provavelmente sofrer bastante durante esse período.

Embora o Kremlin possa pensar que espalhou terror nos corações dos ativistas da oposição, o que governo fez na verdade foi criar novos mártires para a causa dos protestos e revelou o caráter do sistema judicial da Rússia, isto é, nada mais que uma extensão do poder Executivo.

Com essa atitude, um pequeno incidente assumiu proporções homéricas, trazendo consigo uma indesejada crítica internacional para os registros dos direitos humanos na Rússia.

Em segundo lugar, o julgamento do Pussy Riot caiu como uma bomba para a Igreja Ortodoxa Russa. Em mais de vinte anos de história russa pós-soviética, essa instituição nunca havia sofrido tal pressão e crítica aberta do público russo.

A Igreja não conseguiu se desassociar das autoridades de Estado e mostrar misericórdia pelas Pussy Riot, como muitos fieis e não fieis esperavam. Em vez disso, o porta-voz oficial da Igreja se envolveu no que pode ser chamado de teologia criativa, alegando que o perdão só pode vir como resultado do arrependimento. Como as integrantes do Pussy Riot nunca demonstraram arrependimento explícito, a Igreja não deveria pedir clemência aos poderes seculares.

Essa nova intepretação do Sermão da Montanha de Jesus, que clama por perdão incondicional para os inimigos, deixou a Igreja exposta a acusações de hipocrisia e subserviência ao Estado. O fato dos representantes da Igreja parecerem ignorar o caráter essencialmente político do protesto punk deixou o público ainda mais furioso. Quando a Igreja pediu clemência, após o julgamento, já era tarde demais.

O caso dividiu fieis e o clero em uma maioria que exigia vingança contra as blasfêmias e uma minoria em defesa do perdão. Os primeiros citaram precedentes jurídicos na União Europeia, onde perturbar a paz na igreja é punível por lei em alguns países.

Os demais, por sua vez, tentaram chamar a atenção do patriarca Kirill para o fato de que onde os sistemas políticos e judiciais estão fatalmente comprometidos um com outro (como ocorre na Rússia), esse argumento é falso e faz da Igreja um cúmplice da injustiça.

O primaz da Igreja Ortodoxa Russa ficou do lado da maioria. Ele até mesmo se referiu aos sacerdotes que pediam clemência como “traidores sob batinas”.

O caso Pussy Riot criou o contexto para o Kremlin testar a lealdade da hierarquia ortodoxa. A hierarquia, contudo, passou no teste com louvor, à custa de perder o apoios da classe de intelectuais da Rússia e vincular seu futuro ao do presidente Pútin.

Isso pode parecer uma boa aposta em curto prazo. Entretanto, a política russa se mostra cada vez mais volátil e imprevisível, e a Igreja Ortodoxa parece estar alheia ao crescente descontentamento que está lentamente mudando a atitude da sociedade em relação a Pútin e seu governo.

Ainda assim, o julgamento também colocou a oposição russa em uma situação difícil. No momento crucial em que precisa trabalhar duro para formar uma rede nacional de simpatizantes e participar das eleições regionais, viu-se confrontada com uma imagem polêmica.

As populações politicamente astutas de Moscou e São Petersburgo podem diferenciar entre o apoio às Pussy Riot e os objetivos mais amplos da oposição. No entanto, em regiões provincianas, o Kremlin terá mais facilidade em convencer os eleitores de que os protestos são conduzidos por radicais e loucos.

Por fim, a própria sociedade claramente se dividiu. A minoria que deseja mudanças políticas é pequena, mas forte. A maioria (também vista como a maioria de Pútin) prefere manter o status quo, é politicamente passiva e não tem iniciativa. E tal divisão só tende a se aprofundar nos próximos anos.

Konstantin von Eggert é comentarista da rádio Kommersant FM.

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