Diretor russo estreia peça de Turguêniev em São Paulo

Primeira apresentação será no dia 28 de setembro, no Sesc Pompeia. “Pais e Filhos”, de Turguêniev, foi adaptada por Adolf Shapiro.

 

O diretor russo Adolf Shapiro está mais uma vez à frente da “mundana companhia” (que o coletivo prefere grafar em minúsculas). A montagem da vez é “Pais e Filhos,  adaptação inédita do romance homônimo de Ivan Turguêniev. A primeira experiência de Shapiro com a trupe foi na montagem de “Tchékhov4 – Uma Experiência Cênica”, há dois anos, e desde então o grupo continuou a colaborar com o diretor, já de volta à Rússia, por meio de correspondências.

 

A sugestão de adaptar Turguêniev para o teatro veio do próprio Shapiro. Contemporâneo de Dostoiévski, Turguêniev criou com “Pais e Filhos” um dos clássicos da literatura russa. O tema do romance é o choque de gerações na Rússia pré-revolução.

 

“E por que Turguêniev?! Eu respondo: Por que não?”, exlicava, em russo, o diretor na introdução a um ensaio aberto no Festival Mirada, em Santos, no início do mês. O romance é um dos preferios de Shapiro, que adaptou ele mesmo para o teatro.

 

A trama gira em torno de um estudante e um médico recém-formado que viajam pelo interior da Rússia para visitar os pais. Bazárov, o jovem médico, é o protagonista que coloca as ideias à frente da vida e não acredita em nada, exceto na ciência. O romance adquiriu grande importância logo que lançado e popularizou o termo “niilista” no país.

 

Bazárov descrê de tudo, é contra o conservadorismo da geração mais velha, mas também contra o radicalismo da mais nova. É um materialista que não acredita em religião e muito menos em abstrações como a arte ou o amor.

 

Ao viajar com o amigo Arkádi, as pessoas que cruzam seus caminhos transformam-se na personificação das críticas à estrutura arcaica do país e aos valores de sua aristocracia rural. Enquanto isso, os amigos vão se afastando um do outro, por não compartilharem dos mesmos pontos de vista. Por fim, Bazárov contrai tifo e tem de enfrentar sua própria finitude.

 

“Ele passa por um processo de humanização. É um homem completo, a humanidade inteira está nele”, afirma Sergio Siviero, em entrevista exclusiva à Gazeta Russa. É ele o que ator interpreta o estudante de medicina.

 

Entre outros personagens, compõem o universo de Bazárov seus pais Vassíli e Arina,  o pai do amigo, Nikolai, o tio Pável e uma mulher considerada emancipada pela sociedade daquele tempo, Kúkshina.

 

“A gente percebe a mão forte do Shapiro, mas como um grande regente que busca a essência do ator, sem equalizar o trabalho de cada um”, disse à Gazeta Russa Luah Guimarães (Arina), e é uma das fundadoras da mundana companhia, grupo que privilegia a criação coletiva nas montagens.

 

O método de Shapiro é baseado em Stanislávski, de quem é um dos maiores seguidores. O diretor tem especificidades enriquecedoras para os atores, ligadas à autoafetação pelas emoções.

 

“Shapiro vai montando um quebra-cabeça de memórias e deixa as relações tão humanas nos contatos que às vezes vira quase um Chaplin: a gente vai rindo, rindo, e quando percebe está chorando”, diz Guimarães.

 

“É um diretor apaixonado pelo seu ofício, que lê cada ator individualmente, em cada inflexão. Ele não deixa você mentir nem um segundo A gente não responde cenicamente como uma colagem. Com Shapiro, por exemplo, ao ter de enfrentar a questão da morte do meu personagem, estou aprendendo a morrer e não descobrindo como me matar”, diz Siviero.

 

Fiel a suas concepções de dramaturgia, Shapiro radicaliza a montagem para deixar bem evidente que, no seu teatro, tudo está no ator. O ambiente é minimalista, com poucos adereços, a não ser aqueles que possam destacar o intérprete e seu trabalho, como um tapete branco, por exemplo.

 

“É como voltarmos a pensar o teatro a partir da presença momentânea de um ator, de uma história e de alguém presente a esse acontecimento”, completa Siviero.

 

Isso pode ser bem oportuno para a companhia e para o público. Em um mundo em que o terrorismo, o nacionalismo extremo e o fanatismo religioso ainda são exemplos infelizes de lutas por ideais equivocados, Bazárov e sua história em “Pais e Filhos” reafirmam, como Shapiro gosta de dizer, que não há ideia humana que seja maior do que a vida.

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