“Nosso remédio é uma luta contra o suicídio”

Foto: TASS

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Há alguns anos, a Rússia vem realizando experimentos para tentar descobrir “um remédio contra a velhice”. Eis que o momento se aproxima. Uma substância utilizada para tratar a síndrome do olho seco pode se transformar na promessa da ciência para evitar a degeneração do organismo e, assim, impedir que o organismo faça mal a si mesmo.

Uma vez concluídos os estudos clínicos, o preparado “Vizomitin”, que previne o envelhecimento dos olhos, estará disponível nas farmácias russas ainda neste semestre. Por enquanto, ele tem sido usado apenas em casos de déficit de líquido lacrimal, a chamada síndrome do olho seco.

No entanto, alguns especialistas russos acreditam que os mesmos componentes em forma de pílulas poderiam agir de modo semelhante da prevenção do envelhecimento do organismo.

Para entender melhor a ação da substância, a revista “Rússki Reporter” conversou o acadêmico que a descobriu e também diretor do projeto, Vladímir Skulatchev.

Rússki Reporter: Por que escolheram a síndrome do olho seco para os primeiros estudos clínicos?

Vladímir Skulatchev: Por dois motivos. Em primeiro lugar, essa é uma doença incurável, e qualquer êxito no tratamento de uma doença incurável é algo que impressiona. Também acreditamos que muitas doenças incuráveis não são exatamente doenças, mas sim o cumprimento da programação de envelhecimento.

O segundo motivo é que, na síndrome do olho seco, o tratamento existente é apenas sintomático. As causas da doença não são eliminadas.

RR: E quais foram os resultados dos testes?

VS: Um momento decisivo é aquele em que perguntamos aos doentes, passadas três semanas, se eles têm alguma queixa. Com o nosso preparado, 60% responderam que não; com os preparados de tratamento sintomático, a porcentagem foi de apenas 20%. Acho que, se prolongássemos os testes, o nosso índice seria ainda mais alto.

Há um ano e meio tratamos o glaucoma e a catarata; por enquanto, não observamos nenhum fenômeno indesejável em dezenas de pessoas. Aliás, não fomos nós que escolhemos a síndrome do olho seco, ela foi proposta pelo Ministério da Saúde.

RR: Dizem que o senhor tratou os próprios olhos com a substância...

VS: É verdade. Quando se trata de olhos, a minha herança genética é ruim. Eu tive catarata senil. Os dois olhos foram afetados, o direito mais gravemente. Percebi que já não conseguia ler com o olho direito. O médico prescreveu uma cirurgia para substituir o cristalino.

Eu aproveitei um período de um mês e meio para pingar o nosso preparado. Depois voltei ao consultório, e o médico ainda assim me prescreveu a cirurgia para um olho. A ironia está em que o nossa substância preparado não faz efeito em ratos velhos. Então concluí que eu era um rato velho.

Nós não operamos o outro olho na mesma época, e eu continuei pingando o preparado. Retornando ao médico depois de oito meses, ele me perguntou: “Onde é que o senhor enfiou a catarata? Não há nada.” Desde então, passaram-se quatro anos; eu continuo a usar o líquido, e a catarata não voltou.

RR: O principal objetivo do projeto é a “pílula da juventude”, para desligar a programação de envelhecimento do organismo. Quando serão iniciados os estudos clínicos?

VS: Faremos o possível para iniciar os estudos já no próximo ano.

RR: Como será o procedimento?

VS: Os estudos serão como um tratamento de doenças da velhice. Podemos tomar a pílula em vez de pingar o preparado nos olhos. Há algumas variantes também. Temos feito progresso na cura de feridas. Sabe-se que, nos idosos, a cicatrização é muito penosa, de um arranhão até uma gangrena. Pois em ratos demonstramos que esses processos de envelhecimento não se manifestam quando os animais recebem a substância.

RR: E as doenças cardíacas? Elas também são doenças da velhice, como a arritmia, por exemplo.

VS: Sim, elas são as próximas na lista. Nós elaboramos modelos animais de alguns tipos de arritmias, todos eles foram tratados com êxito.

Também tivemos resultados impressionantes em termos de comportamento. Existe um teste chamado labirinto em cruz elevado [nota do editor: uma estrutura com dois braços abertos e dois fechados, com paredes, elevados acima do chão; nele estudam-se o nível de ansiedade e atividade em ratos]. Os animais mais velhos geralmente passam o tempo todo na parte fechada e costumam ficar sentados num mesmo lugar. Já em nossos testes, os ratos comportam-se nesse labirinto como jovens.

Outro recurso para retardar a programação de envelhecimento, além do nosso preparado, é o jejum. Comer 30% menos, e o mais importante: não comer carne.

RR: E qual é o mecanismo dessa lógica?

VS: A minha hipótese é de que, quando se diminui a quantidade de comida, certos receptores do organismo registram isso no sangue e interpretam como uma ameaça de fome. Para populações, pior do que a fome, só epidemias.

O organismo fica diante de um dilema: ou mobiliza todos os recursos para conseguir comida ou morre. Infelizmente, junto com o sinal de fome vem a inquietação. E ela pode ser medida: geralmente, na roda, o rato corre por dia não mais de um quilômetro; mas quando há o alerta de fome, ele corre oito e, às vezes, até perde as forças, cai desmaiado. Ele tenta correr para conseguir comida.

Quando usa o nosso preparado, a pessoa não sente esses efeitos, pois os receptores sinalizam que tudo está em ordem.

RR: Sabe-se que a substância ativa existente no medicamento para os olhos é a mesma da “pílula da juventude”. O senhor não acha que vão armazenar gotas para tomar depois?

VS: No líquido há pouquíssima substância. Em uma gotinha, são dois nanogramas. Então seria preciso juntar mil de nossos vidrinhos, despejar num copo e ir tomando em vez de água, pela vida toda. Se houver algum milionário que possa arcar com isso...

RR: Então o medicamento para uso oral será mais concentrado?

VS: Claro, vamos calcular pelo peso da pessoa. Veja bem, remédio é uma substância que facilita a luta do organismo contra um mal. No nosso caso, tentamos impedir que o organismo faça mal a si mesmo. Na verdade, é uma luta contra o suicídio.

A nossa lógica é a seguinte: existe um centro que envia às células sinais de envelhecimento, sinais de suicídio lento. O centro funciona de acordo com a programação genética. Nós interrompemos a transmissão do sinal no nível celular.

 Se tudo isso estiver correto, então será preciso tomar o preparado a vida toda, pois assim que você parar, o sinal será retomado, já que os genes continuarão lá.

RR: O senhor não teme que a “pílula da juventude” acabe provocando uma reviravolta na vida social?

VS: Se provocar, será para melhor.

RR: Podemos imaginar, por exemplo, as seguintes consequências: o elevador da ascensão social não vai mais funcionar. O chefe continuará no lugar de chefe cem anos – e eternamente jovem.

VS: E por que seria assim? Tudo se resolve politicamente. Uma rotação obrigatória, por exemplo. Eu não sou político, sou biólogo. A nossa tarefa é apresentar a descoberta. Veja que isso já aconteceu: hoje as pessoas vivem, em média, duas vezes mais do que no século 19.

AT: É verdade, nós sobrevivemos à revolução do antibiótico...

VS: Sobrevivemos. E ninguém disso. Mas eu não estou dizendo que as pessoas vão viver 800 anos. Há um exemplo, as baleias. Elas não envelhecem, mas ficam empedernidas com o passar do tempo. E vivem cerca de 200 anos.

Além disso, existem as verdadeiras doenças da velhice, como, por exemplo, o câncer, que nossa pílula não cura. Quer dizer, cada um vai viver até quando o seu câncer deixar. E nós não sabemos até que idade podemos prolongar a vida.

O mais importante, contudo, é que esse grupo de pessoas infelizes, que se infantilizam no aspecto físico ou mental, vai desaparecer. Nós conseguimos fazer isso com animais. Há a esperança de que funcione também em seres humanos.

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