Pianista russo toca no Brasil em novembro

Foto: daniiltrifonov.com

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Daniil Trifonov, um pianista de 20 anos proveniente de Nijni Nóvgorod, apenas começou a agitada e desgastante vida das turnês internacionais. Durante uma apresentação recente em Guildford, na Inglaterra, as luzes se apagaram no meio do primeiro movimento. Trifonov continuou tocando na escuridão total - uma façanha que quem conhece o Concerto para piano e orquestra Nº 1 de Tchaikovski consideraria impossível –, mas ele apenas sorriu e disse com ironia: “[tocar] sem luzes – é uma experiência espetacular para qualquer intérprete”.

Fotos: daniiltrifonov.com

 

Um dia antes de sua estreia no Carnegie Hall, em outubro, encontrei Trifonov no camarim, beliscando um pequeno pacote de nozes. “Nem sempre tenho tempo para comer, mas sempre arranjo tempo para praticar”, disse, se referindo a seu almoço improvisado. 

 

Pálido e franzino, o rapaz de 20 anos ainda se assemelha a um adolescente, mas vem se tornando conhecido como um cometa de grande talento musical, um modesto jovem que se entrega à música com um vigor que beira o fanatismo. À medida que conversamos, percebo que ele ainda não foi contaminado pelo estrelato repentino e tudo que o preocupa, ainda, é sua música. O resto – a turbulenta vida de viagens, os diversos palcos e os bajuladores de plantão – não parece realmente existir. Reservado e sério, possui uma exercitada indiferença ao “hype” ao seu redor, e não a impassibilidade casual de artistas mais experientes. Fala hesitante e laconicamente, procurando as palavras e terminando muitas de suas frases de modo interrogativo, como se não estivesse convicto de ter encontrado os termos certos para se expressar.  

 

 

Trifonov tem tido um ano agitado desde que venceu o terceiro lugar na 16ª Competição Internacional de Piano Frédéric Chopin, em Varsóvia, no outono deste ano. As apresentações com os vencedores do prêmio o levaram a várias partes do mundo. Em maio, venceu o Concurso Internacional de Mestres do Piano Artur Rubinstein, em Tel Aviv, e por isso entrou numa estonteante maratona de duas semanas de concertos. Na metade de junho, um dia após essas apresentações acabarem, ele chegou a Moscou para a Competição Internacional Tchaikovski. Agora, o jovem pianista se prepara para uma série de concertos em vários países, incluindo o Brasil, onde se apresentará no dia 26 de novembro, no Rio de Janeiro.

Nas finais, Trifonov se destacou perante os demais ao tocar o Concerto para piano n.º 1 de Chopin, em vez das típicas e intensas composições da competição, tais como Concerto para piano nº 3 de Rachmaninoff (interpretado por 3 dos 5 finalistas do concurso). Inicialmente, Trifonov, como quase todos os outros garotos ambiciosos, queria aprender o resplandecente e sombrio Rachmaninoff 3. Ele queria o desafio e disse isso ao seu professor no Instituto Cleveland de Música, Serguêi Babaian. Argumentou que ninguém jamais ganhou essa competição tocando Chopin, observação à qual seu mentor respondeu: “Prove que você pode vencer tocando Chopin. Se ninguém o fez até agora, seja você o primeiro”.    

 

E ele conseguiu, para a alegria de muitos. Ao longo das últimas duas décadas, a competição tinha perdido seu prestígio, ganhado a reputação de corrupta e revelado vencedores com os quais o público não estava satisfeito. Sua reputação tinha caído tanto que, em 2010, o ministério da Cultura russo interveio no caso, nomeando o regente Valeri Guerguiev como presidente do júri e o incumbindo de reavivar a antiga glória da competição. É difícil superar a desconfiança geral quando esta já está profundamente enraizada. Entretanto, o vencedor deste ano foi um artista que todos poderiam adorar. Foi como nos bons e velhos tempos quando estrelas nasciam da competição. 

 

“Excelentes artistas como Van Cliburn e Grigori Sokolov venceram essa competição. Por eu ser russo, o evento tem um grande significado para mim – era um dos meus sonhos”, disse Trifonov.   

 

Após a vitória, Trifonov recebeu uma enxurrada de convites para concertos – 150 para os próximos 12 meses, que reduziu a cerca de 85. “Na minha idade, 150 seria suicídio”, disse. Embora o tempo seja escasso, ele geralmente reserva de cinco a sete horas por dia para praticar. 

 

Nascido em Nijni Nóvgorod, Trifonov se mudou para Moscou quando tinha nove anos, para estudar com Tatiana Zelikman (que possui entre seus pupilos famosos nomes como Konstantin Lifstchitz) na Escola Especial de Música de Gnessin. Ele permaneceu com ela até os 18 anos, quando partiu para os Estados Unidos com uma bolsa de estudos da fundação Guzik. Zelikman recomendou-o para Babaian, com quem ele ainda estuda entre os concertos, sempre que pode – algumas vezes por horas, dia após dia.

 

Essa dedicação transparece na forma como toca, como se não existisse mais nada no mundo. Sua concentração e foco são notáveis. Segundo o pianista irlandês Barry Douglas, Trifonov “toca com uma paixão e sinceridade que comovem o público”. Ele é completamente absorvido pela música que toca, e sua crença e confiança em seus mentores – Zelikman, em Moscou, e Babaian, em Nova York – são inabaláveis. A influência deste último é aparente na forma como interpreta as canções; algumas das características mais envolventes de Trifonov, como a incomum elasticidade de suas entonações e sua atenção aos detalhes mais sutis, são créditos de seu mentor.        

 

O crítico musical do jornal “The New York Times”, Anthony Tommasini, ressaltou que Trifonov ainda precisa de “aconselhamento e orientação artística”. O público pode amá-lo por sua “fenomenal virtuosidade e apelo jovial”, mas ele não pode se aproveitar disso para sempre. A novidade da juventude desaparece rapidamente, e o público pode voltar sua fugaz atenção ao próximo jovem talentoso – se a cansativa agenda de concertos não o esgotar antes que isso ocorra.   

 

Em sua estreia no Carnagie Hall, no mês passado, Trifonov tocou o Concerto para piano e orquestra Nº 1 de Tchaikovski com Valeri Guerguiev e com a Orquestra do Teatro Mariínski. Seu Tchaikovski não foi um exemplo da típica música intensa russa; ele se esforçou para ser mais refinado e impressionante. Embora sua delicadeza tenha proporcionado momentos excepcionais no segundo movimento, nem sempre funcionou bem, especialmente no primeiro e no último movimento, nos quais ele parecia ter perdido de vista a obra como um todo. Ele transformou cada linha em algo excepcionalmente delicado, mas com tanto foco nos detalhes que a riqueza sonora da música foi perdida, tornando-a um pouco frágil. Mesmo assim, arrancou aplausos da plateia admirada.

 

Não há dúvida de que é um jovem com uma capacidade pródiga. Mesmo assim, é diferente de qualquer um dos outros pianistas extremamente talentosos que vemos brotando às dúzias. O que há nele que faz com que os espectadores fiquem aos seus pés?

 

"Se eu disser que Daniil tem uma sofisticada paleta emocional, um coração aberto, puro e apaixonado, intelecto musical afiado e uma absoluta facilidade com o piano nada disso vai realmente definir o que faz dele um músico tão especial”, disse Babaian. “A coisa mais importante é o seu imenso amor pela música. É desconcertante.” 

 

De fato, em um mundo onde tantos artistas competem por nosso interesse, forçam suas interpretações e tentam nos impressionar com suas proezas e carisma, Trifonov nos desconcerta com sua abordagem mais modesta. Ele não usa a música para transmitir sua personalidade; ele toca para incorporar a música. O ego não tem vez nesse processo. Ele é transparente; não está contaminado pela necessidade de dar parte de si ao público. Ele só quer que as pessoas ouçam música e, assim, torna-se apenas um canal da música que toca.

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