O singular encanto da fênix

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A comunidade dos amantes da música e do balé ficou muito triste quando, no verão de 2005, encontraram seu amado Teatro Bolshoi cercado por andaimes. Três anos sem o Bolshoi! Todo mundo teve que aprender a ter paciência, uma vez que a necessidade de reforma era óbvia. Segundo os boatos, o prédio estava em tal estado de deterioração que havia ameaça de desabamento. Infelizmente, os amantes da música tiveram que aguardar mais do que esperavam. O público do Teatro Bolshoi logo ficou ciente de que a data de conclusão da obra não passava de pura invenção. Entretanto, ninguém poderia imaginar que teriam que esperar até outubro de 2011 para entrar no lendário interior do teatro novamente.

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Hoje, o diretor do Bolshoi, Anatóli Iksanov, admite que só começou a perceber a dimensão do problema à medida que o trabalho progredia. “Novas questões surgiram após o fechamento. Quando raspamos o gesso que revestia as paredes, descobrimos sete rachaduras enormes que iam da fundação ao teto. Na verdade, as paredes só eram sustentadas graças ao seu próprio peso”, conta. Uma comissão de inquérito foi formada dois anos atrás para garantir que o dinheiro público não fosse desviado, mas suas conclusões ainda não foram publicadas.

A principal mudança consiste na melhoria da acústica, segundo Iksanov. A plateia  mudou de ângulo, os antigos materiais dos balcões foram substituídos por abeto da Carélia e moldados com umpapier mâché específico que não desmorona com as vibrações. Até mesmo o tecido dos assentos e da cortina foi escolhido de acordo com a recomendações de especialistas em acústica. O espectador atento vai notar que, além da abundância de dourado (quatro toneladas de ouro teriam sido usadas), os brasões soviéticos exibidos até 2006 (a foice e o martelo) deram lugar aos símbolos tsaristas originais – isto é, de 1856.

O Teatro Bolshoi não estava em busca de uma nova identidade, apenas deu um ponto final ao período compreendido entre 1917 e 2006. É possível ver, então, o emblema da Dinastia Romanov, bem como o do Governador de Moscou. Ainda assim, Stálin deixou sua marca, dentro de um camarote próximo ao palco: o camarim que tinha para si próprio foi escrupulosamente restaurado. "Mas ele permanecerá inacessível ao público", acrescenta Iksanov. Um testemunho invisível do passado. Outras mudanças pouco visíveis, mas muito mais significativas, se referem a um ganho muito importante de espaço, graças a uma adaptação mais moderna do edifício. Esse espaço extra será usado como salas de ensaio, enquanto o palco principal vai ganhar profundidade e passará a contar com equipamentos de última geração. É preciso ressaltar que a linha de metrô que passa a quarenta metros de distância do Bolshoi foi fechada por alguns dias, período necessário para colocar trilhos de trem específicos e, assim, reduzir as vibrações que eram claramente perceptíveis no interior da sala de concertos.

A política artística do teatro está perfeitamente de acordo com seu tempo. O conservadorismo é uma tendência presente e o Bolshoi ainda vai constar entre os mais tradicionalistas do mundo. “Vamos dirigir excelentes óperas e balés do passado, é nossa maior prioridade”, ressaltou Anatóli Iksanov. “Produções mais modernas serão deixadas para a nouvelle scène, espaço onde a abordagem deve ser mais criativa.” Durante a última década, o Teatro Bolshoi surpreendeu seu público uma única vez, com a criação da ópera “Deti Rosentalia”, de Leonid Desiatnikov e Vladímir Sorokin; além de algumas direções muito admiradas de Dmítri Tcherniakov (Eugene Oneguin, Wozzeck), e algumas coreografias muito bem-sucedidas de Ratmanski (Bolt et Svetly Rouchey). Esses espetáculos ficarão obviamente restritos a nouvelle scène, um teatro adjacente de tamanho modesto inaugurado no fim de 2002. De certo modo, é exatamente o oposto da política artística conduzida pela Ópera de Paris. De acordo com o modelo francês, a grande Ópera da Bastilha geralmente recebe criações e obras-primas do século 20, enquanto a Ópera Garnier, de tamanho reduzido, oferece seu refinado interior às produções de Mozart e barrocas.

A 236a temporada será aberta com “Ruslan e Ludmila”, de Glinka, uma ópera simbólica geralmente considerada pelos musicologistas como o nascimento do gênero lírico russo. A produção será dirigida por Vladímir Iurovski e encenada por Dmítri Tcherniakov. O primeiro balé será apresentado no dia 18 de novembro. Será “A Bela Adormecida”, de Tchaikóvski, com coreografia original de Marius Petipa e supervisionada pelo diretor de arte do Bolshoi, Iúri Grigorovitch. Ainda nessa primeira e modesta temporada, “O Cavaleiro da Rosa”, de Richard Strauss, e “Tcharodeika”, de Tchaikóvski, serão as outras duas únicas produções novas a serem apresentadas no Bolshoi.

A política de preços permanece um mistério, mas podemos esperar uma clara inflação nos preços depois da reabertura, agora alinhados com os valores praticados por outras grandes casas de ópera. No início, era possível adquirir ingressos pelo site do teatro (www.bolshoi.ru), mas, a essa altura, todos já estão esgotados até janeiro, e os bilhetes dos espetáculos seguintes ainda não estão à venda. Desse modo, a única maneira de encontrar um assento no prestigioso interior é apelando para o mercado negro. As entradas para o espetáculo inaugural, que será realizado no dia 28 de outubro, estão cotadas entre 90 mil e 2 milhões de rublos em alguns sites da internet. Será que eles pretendem transformar os amantes de música em revolucionários?

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