Tocar Shostakóvitch e voar

Tatiana Vassilieva Foto: Felix Broede / Flickr.com

Tatiana Vassilieva Foto: Felix Broede / Flickr.com

A jovem violoncelista Tatiana apresentará concerto de Shostakóvitch no teatro Kolon no dia 29 de setembro.

Parece que o ensaio de três horas passou despercebido. Cuidadosamente, ela passa o batom, abre o sorriso encantador, os olhos brilham. Não há diferença entre ela e as impecáveis fotografias do portfólio. Sentada no hall do hotel, Tatiana Vassilieva pede um chá preto simples, do mesmo modo que faz um gesto azedo à garçonete. Nesse momento, parece que se pode entendê-la, escuta-se uma espécie de entonação não moscovita (interessante, mas, ao mesmo tempo, de onde vem ela?). A maneira de pronunciar algumas palavras e rir – um pouco mais alto e vivo do que o aceitável na sisuda Moscou – revela em Tatiana suas qualidades siberianas. Sob a forma de uma menina sincera e ingênua da província, discute seu calendário de apresentações, que poderia ser o sonho de qualquer gerente de uma companhia aérea: Moscou – Viena – Buenos Aires – Varsóvia – Gavle (leste da Suécia) – Tóquio – Kemerovo (cidade russa na Sibéria) – Paris – Greven (na Alemanha) – Cannes.

Tatiana trata tranquilamente aqueles tipos de músicos de marcha rápida, embora alguns deles tenham passado a ela uma impressão não muito agradável. Um discurso na Venezuela, por exemplo, lembrou não apenas a habilidade da orquestra local, mas do maestro Claudio Abbado. Em Caracas, foi permitido a ela, como a outros músicos, circular apenas entre o hotel e a sala de concerto, somente na companhia de um guarda armado. Mas, durante ensaios na Sala São Paulo, ela encontrou sua colega de classe de Novossibirski, que imigrou nos anos 90 e casou-se com um músico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

 

Com Rostrópovitch (violonista e regente russo) Foto: Felix Broede / Flickr.com

Na Argentina, Tatiana chega primeiro, leva consigo um concerto de Dmítri Shostakóvitch. "Para mim, essa música é de particular importância", conta Tatiana. "Rostropóvitch [violoncelista e regente russo] já estava gravemente doente quando nós realizamos esse concerto na sua última turnê. Mesmo assim, ele foi o ouvinte mais exigente que se pode imaginar. Shostakóvitch dedicou seu concerto a ele (composto em 1959). Lembro que no ensaio eu me preparava para tocar uma cadência complicada com metade da força. No entanto, ele não apenas não me permitiu fazer isso, como me fez tocar o concerto ainda duas vezes já no camarim, sem orquestra", lembra Tatiana. "Eu espero que meu desempenho não decepcione o público da Argentina!" Entre outras coisas, Mstislav Rostropóvitch foi homenageado com dois prêmios na República da Argentina, com a Ordem de Maio e a Ordem da Liberdade, assim como na Venezuela, com a Ordem de Francisco de Miranda 1ª classe e, no Equador, com a Ordem Nacional.

 

Para o púlpito da Orquestra Filarmônica de Buenos Aires, foi chamado o maestro chileno Maximiano Valdés. Sobre o seu novo violoncelo, que Tatiana pegou em Buenos Aires, ela fala com uma alegria quase infantil. "Meu avô comprou esse instrumento para mim ainda na infância, mas eu ainda não toquei com ele. Ele era na época 'supostamente' italiano para nós, mas não acreditávamos. E então a mamãe falou 'pegue ou venda, está ocupando espaço'", conta ela. No caminho para vender o instrumento musical, Tatiana resolveu mostrar o violoncelo a um conhecido especialista. "Por enquanto, ainda não se sabe exatamente quem o fez, se foi Amati ou Gofriller, mas, em todo o caso, é um antigo instrumento italiano do fim do século 17. Com ele eu encontrei o som ideal", Tatiana não esconde nem a felicidade, nem o orgulho. Mas então acrescenta: "Infelizmente, em meados dos anos 1950, ele passou por uma má e inepta restauração. Graças a Deus, durante todo o ano passado, um dos melhores especialistas do mundo estudou-o, o francês Schmidt de Lion. Sendo assim, estão em casa o Stradivarius, o Amati, o Mirmó, o Pasteloni, mandei todos com a alma leve".  

 

Tatiana Vassilieva Foto: Flickr.com

Voltando à infância em Novossibirski nos anos 1980, onde por um pacote de arroz era necessário ficar em longas filas, Tatiana lembra com nostalgia: "Lembro como nós trocamos em 1988 um apartamento de três dormitórios no centro de Novossibirski por um de dois dormitórios na periferia de Moscou. Ocupamos o espaço com mamãe, vovó e vovô”.

Sua vida mudou de verdade depois que ela se mudou para a Alemanha. Começou na escola em Colônia, e depois no caminho como artista independente em Berlim. Conseguiu vitórias em concursos e reais contatos criativos. Foi quando ela pediu, em uma festa, para tocar com os músicos da Orquestra Filarmônica de Berlim – até hoje duas semanas por ano eles dão concertos com seu quinteto de cordas da Filarmônica de Berlim. Depois de um ano, ela espera comparecer ao festival na terra natal Novossibirski – pela primeira vez em todos esses anos. Tatiana está louca pela língua japonesa, que tem estudado sozinha, e pelo Japão, e pode ser que exatamente lá ela comece uma nova etapa de sua vida. Mas, por enquanto, ela toma mais um chá, no aeroporto.

Concerto conjunto com baleron japonês Saburo Teshigawara 

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