A outra geração P

Grigóri Perelman Foto: Arquivo pessoal

Grigóri Perelman Foto: Arquivo pessoal

Alheio à mitologia do glamour, o matemático se tornou uma alusão a todos os perdedores do capitalismo pós-soviético, os outros "P" da geração descrita pelo escritor russo Viktor Pelevin.

Nas feiras, na televisão, nas universidades...todos os dias nos deparamos com especialistas que inutilmente tentam esconder suas posturas soviéticas e jovens ambiciosos que escalaram posições até assumir cargos altos, cujos nomes são mais extensos do que o da Duquesa de Alba, mas são inversamente proporcionais a seus escrúpulos. Porém, Perelman é diferente. Quando surge, preenche o espaço, cessa as palavras, paralisa os micróbios. Quanto tempo levará para fazerem camisetas com seu rosto? Grigóri Perelman é esse arcanjo Gabriel, esse primo de Belzebu enviado por Zeus – um verdadeiro Tolstói pós-moderno.

"Без меня меня женили". (“casaram-me sem que eu tivesse consentido”, tradução livre de um provérbio russo)

A proposta foi feita por Terenti Mecheriakov (responsável do bairro de São Petersburgo onde Perelman está inscrito) e por Ludwig Faddeev, diretor do instituto Euler. O conselho científico do Instituto Steklov, em São Petersburgo, apoiou e deu sequência ao processo, e, neste mês, a Academia de Ciências da Rússia tornou público o convite feito a Grigóri Perelman para que integre o corpo acadêmico de tal instituição. No entanto, assim como na época em que recusou US$ 1 milhão, o matemático também parece desprezar a recente nomeação. “Uma pessoa não pode ser designada a um cargo contra sua vontade e consentimento”, reconheceu a chefe do departamento pessoal da Academia, Tatiana Pugatchova.

“Ainda não entramos em contato com Perelman, portanto, não sabemos se acabará aceitando o convite”, alegou Serguêi Kisliakov, diretor da delegação petersburguesa do instituto Steklov.

Ironicamente, Perelman abandonou esse centro de pesquisa em 2005, pois, de acordo com informações publicadas em diversos jornais russos, se sentia ofendido por não valorizarem adequadamente seu trabalho. A revista Glavni Novósti chegou a garantir que o matemático pensou em abdicar da prática profissional dessa ciência e, em declarações publicadas pela revista The New Yorker, Perelman expressou sua decepção com a desonestidade e conduta de alguns colegas que queriam se apropriar de suas descobertas.

 

Grigóri Perelman Foto: Arquivo pessoal

Em 2002, Grigóri Perelman publicou na internet uma prova com a resolução da conjetura de Poincaré. De modo geral, essas demonstrações devem cumprir uma série de convenções: começar com axiomas e utilizar afirmações lógicas antes de chegar à conclusão. Entretanto, a demonstração de Perelman quebrava essas regras: era muito curta para a extrema complexidade do problema matemático, pois as sequências lógicas elaboradas em dezenas de páginas haviam sido compactadas, ao mesmo tempo que introduzia outros argumentos que não eram relevantes ao resultado final. Ainda assim, a prova foi examinada e aceita como válida. 

Henri Poincaré era primo de Raymond Poincaré, presidente francês durante a Primeira Guerra Mundial. Sendo um dos matemáticos mais criativos de sua época, Henri concebeu, em 1904, uma conjectura que recebeu seu nome e sugeria uma hipótese especialmente importante para o estudo das esferas tridimensionais. Em 1982, a teoria foi, de fato, provada em todas as dimensões, menos na terceira; por esse motivo, no ano 2000, o instituto norte-americano dedicado a estudos matemáticos Clay Mathematics Institute (CMI) ofereceu US$ 1 milhão aos cientistas que resolvessem os sete problemas matemáticos mais importantes do século.

O homem que desvendou a conjectura de Poincaré tem cabelo ondulado, sobrancelhas grandes e olhos azul-turquesa. Além disso, pouco se sabe sobre Grigóri Perelman. Vive com sua mãe em um apartamento nos arredores de São Petersburgo (Kuptchino), embora tenha uma casa própria no bairro de Frunze.

Perelman não concede entrevistas, o que dá mais motivos para o assédio da imprensa. A jornalista Macha Guessen publicou, inclusive, um livro sobre o matemático sem ter conseguido falar com ele, baseando-se apenas em testemunhos de antigos companheiros e professores. 

Sua fama cresceu após renunciar ao prêmio do instituto Clay. “Já tenho tudo que preciso, o matemático Richard Hamilton merece o prêmio tanto quanto eu”, alegou na época.

Também foi inutilmente convidado a participar do projeto Skôlkovo, assim como ignorou a chamada de Serguêi Mirónov para que desse conselhos sobre como melhorar o ensino de matemática nas escolas. Até mesmo Vladímir Pútin se referiu a ele durante uma reunião com cientistas que se queixavam da falta de financiamento para pesquisa científica: “Vocês deveriam seguir o exemplo de Perelman, tentamos ajudá-lo e ele sempre recusa nosso dinheiro”. 

Mas Perelman não é um marciano. Seu ex-chefe, Serguêi Kisliakov, o define como "uma pessoa muito amigável e que, embora tenha instinto gregário, é muito introvertida", acrescentando que "pode ​​ser extremamente frágil”. “Algumas vezes enxerga violações morais em situações em que elas não existem”, explicou.

O prêmio parecer ter intensificado ainda mais o isolamento do matemático. Alguns meios de comunicação garantem que Perelman abandonou a pesquisa e vive de dar aulas particulares a crianças.   

Ps. Além de Grigóri Perelman, o pesquisador Stanislav Smírnov também foi admitido na Academia de Ciências da Rússia; no ano passado, Smírnov  ganhou a medalha Fields, o prêmio máximo da matemática.

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