Cáucaso, paz que nunca chega

Foto: Anna Nemtsova

Foto: Anna Nemtsova

Radicalismo, explosões, assassinatos e abusos de autoridade por parte da polícia impedem apaziguamento do conturbado sul da Rússia.

A cidade de Khassaviurt, no Daguestão, derretia com o calor do verão enquanto ativistas locais se preparavam para protestar numa praça no centro, em julho deste ano. Quando os manifestantes estavam prestes a se reunir, uma explosão levou aos ares a colorida barraca de frutas e verduras, abrindo uma cratera de cinco metros de profundidade na rua. 

As ambulâncias correram para levar oito civis e policiais feridos aos hospitais locais. Uma multidão de curiosos se juntou no local e, em seguida, foi sumindo à medida que as orações da sexta-feira, dia sagrado para o islamismo, começavam. Depois, centenas de pessoas se reuniram novamente determinadas a realizar o protesto, mas foram rapidamente cercadas e dispersadas por policiais. A tensão foi contida, e a rua, coberta de lixo e de sangue, ficou vazia.

Ataques com bombas não são raros nessa cidade que faz fronteira entre as repúblicas do Daguestão e da Tchetchênia, no sul da Rússia. Mesmo depois de ter sido palco do Acordo de Khassaviurt - que pôs fim à Primeira Guerra Tchetchena. 

Nos primeiros seis meses de 2011, o número de ataques terroristas aumentou 35% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o presidente do Comitê de Investigação da Procuradoria Geral, Aleksandr Bastríkin.Simboliza esse aumento o assassinato de Maksud Sádikov, reformador islâmico e reitor do Instituto de Teologia e Relações Internacionais Sheikh Mammadibir ar-Rotchi. 

Morto a tiros em julho no centro da capital do Daguestão, Makhatchkalá, o reitor concedeu uma entrevista à Gazeta Russa há exatamente um ano. Foi quando assumiu o cargo - uma espécie de emissário entre educadores muçulmanos, estudantes, sociedade civil e Estado. 

 

Infográfico: Niyaz Karim

Precedente moderado

Durante seu último ano de vida, Sádikov passou grande parte do tempo estimulando e coordenando diálogos entre políticos e líderes religiosos. Em junho, ele ajudou a organizar a primeira grande rodada de discussões intitulada Conselho pela Sociedade Civil e Direitos Humanos. O evento reuniu oficiais do Kremlin e líderes comunitários locais.

Maksud Sádikov, um reformador visionário silenciado

O reitor Maksud Sádikov era considerado um dos heróis do Daguestão por todos que o conheciam. Amado pelos estudantes na universidade islâmica onde era reitor, também era amigo do presidente do Daguestão e de outros políticos e líderes que acreditavam no futuro pacífico da região. Sádikov nasceu em 1963 na cidade local de Artchid e se formou em administração pública na Universidade Estatal de Moscou. Ele poderia ter ficado em Moscou, onde se formou, para seguir uma carreira no governo. Em vez disso, o sunita Sádikov resolveu voltar para o Daguestão. Tornou-se reitor do Instituto de Teologia e Relações Internacionais, na capital, Makhatchkalá, em 2003. Em 2010, começou a trabalhar para o Kremlin, quando o governo resolveu auxiliar a difusão do islamismo moderado no Cáucaso do Norte. Sádikov foi morto a tiros em junho por agressores até agora não identificados.

Poucos dias depois, Sádikov foi morto por dois homens armados. Ele é um dos 12 líderes religiosos moderados mortos no Cáucaso do Norte nos últimos 18 meses. Para o presidente do Daguestão, Magomedsalam Magomedov, Sádikov era um “elemento-chave nas negociações de paz”.

“Esses assassinatos são cometidos por grupos radicais da região que destroem o significado pacífico do islã”, diz Magomedov. 


Seu sofrimento está estampado no rosto. Diversos colegas e amigos de Magomedov, como seu assessor de imprensa, Garun Kurbanov, também morreram em ataques. Como ele, Kurbanov se pronunciava abertamente contra o extremismo e a intolerância religiosa.

O coronel Abdurachid Bibulatov afirma que o assassinato de Sádikov foi a resposta dos militantes ao processo de pacificação. “Levando em conta a cronologia dos fatos, a morte de Sádikov foi uma reação às negociações de paz no qual estava envolvido”, acredita.

Se no verão anterior policiais eram baleados por atiradores sobre telhados, neste ano os agressores se aproximaram de investigadores e do comandante de polícia. Os oficiais levaram tiros na cabeça, diante de parentes e amigos. 

Ameaça nos correios

Munidos de laptops e acesso à internet mesmo na floresta, os extremistas deixaram recentemente cartões de memória contendo vídeos ameaçadores e exigências de resgate em caixas do correio. O presidente Magomedov tenta agora encorajar os daguestaneses vítimas de tais mensagens a denunciar as ameaças às autoridades locais.

Em Khasaviurt, ativistas acreditam que a polícia também seja responsável pelo aumento da violência. O representante da ONG local Alternativa Civil, Rasul Islaimov, diz que policiais lançaram granadas dentro de uma mesquita no vilarejo de Uzun-Otar no início de agosto e mataram Nariman Aligadjiev. Pai de quatro crianças, Aligadjiev havia construído a pequena mesquita para os muçulmanos da vila que praticavam o wahhabismo , uma das formas mais conservadoras do islamismo. Enquanto os ativistas da região tentavam protestar, o ataque à bomba os impediu e a polícia se encarregou de dispersar o grupo. 

“Vemos os esforços do presidente e de sua equipe para acalmar a situação crítica do Daguestão neste ano, mas, infelizmente, algumas operações policiais acabam em mortes, torturas e desaparecimento de civis pacíficos, o que diminui a confiança das pessoas nas autoridades”, diz a pesquisadora da ONG Human Rights Watch em Moscou, Tatiana Lokchina.

Mudando de lado

Magomedov demonstra empenho para desenvolver as comunidades e fortalecer o turismo. Continua construindo hotéis, resorts e escolas. A agenda do presidente inclui até encontros semanais com uma comissão criada para estimular a aderência de antigas guerrilhas ao processo de pacificação. Até agora, cerca de 30 ex-combatentes concordaram em deixar as armas em troca de apoio do Estado, emprego e educação. 

Durante o encontro do mês passado, o combatente Zaipulla Gazimagomedov recebeu o direito de cumprir sua pena de dez anos em casa, no Daguestão. “Os jovens fogem de uma vida injusta para se juntarem a nossas tropas. A principal razão para ir à luta é o desespero”, afirma Gazimagomedov.


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