"Ossétia do Sul não pode se unir a nós”, diz Medvedev

Em entrevista a canais de televisão, presidente fala sobre a relação entre os dois países e as negociações para a entrada da Rússia na Organização Mundial de Comércio

O presidente Dmítri Medvedev deu recentemente uma polêmica declaração sobre a guerra na Ossétia do Sul, ocorrida em 2008. Em entrevista a RT, rádio Eco de Moscou e Primeira Televisão do Cáucaso realizada em Sôtchi, no sul da Rússia, ele afirmou que, atualmente, “não existem pré-requisitos para a entrada da Ossétia do Sul na Federação Russa”.

Na conversa, Medvedev falou sobre as ações militares promovidas pela Geórgia há três anos, o atual estado das relações entre a Rússia e a Geórgia e a situação das repúblicas independentes da Abecásia e da Ossétia do Sul. Ao ser perguntado sobre o que pode ser feito para melhorar a vida dos moradores das regiões afetadas pelo conflito, bem como a dos refugiados, ele respondeu que a restauração da paz e a manutenção de conversas civilizadas são medidas fundamentais.

 “Iniciativas diplomáticas, negociações e disposição para ouvirem uns aos outros são os pré-requisitos necessários para se resolver essas questões”, disse o líder russo. Ele disse ainda que as partes precisam agir de acordo com a nova realidade política surgida há três anos.

Medvedev contou que tinha tentado estabelecer diálogo com o presidente georgiano Mikhail Saakashvili desde o início, antes dos acontecimentos de 2008, mas ele não atendeu às suas ligações, optando por estabelecer contato com as autoridades americanas. No entanto, afirmou que os Estados Unidos não são responsáveis pelos ataques promovidos contra a Ossétia do Sul.

“Não creio que os americanos tenham estimulado a invasão, mas acredito em discursos sutis e dicas. Talvez eles tenham dado declarações como ‘é hora de restaurar a ordem constitucional’ ou ‘chegou o momento de ser mais assertivo’, o que pode ter efetivamente alimentado as esperanças de Saakashvili de que receberia apoio se houvesse qualquer conflito”, disse o presidente. 


Medvedev também admitiu que poderia ter assumido uma abordagem mais dura nas conversas com o presidente georgiano. “Se, em julho de 2008, eu tivesse percebido que Saakashvili estava cultivando tais planos em sua mente, talvez tivesse me dirigido a ele de forma mais incisiva”, afirmou. “Eu teria tentado arrastá-lo para fora do seu ambiente, trazido o líder da Geórgia para a Rússia ou qualquer país neutro, para conversar, tentar convencê-lo a não assumir tal postura.”

O presidente ressaltou que o líder georgiano cometeu crimes contra a Federação Russa e contra os habitantes do país que comanda. “Centenas de cidadãos foram mortos sob suas ordens, incluindo integrantes das forças de paz. Nunca vou perdoá-lo por isso”, disse, ao ser indagado sobre o estado atual das relações entre a Geórgia e a Rússia. 

Apesar de sua mágoa, ele compreende que Saakashvili era o presidente legalmente eleito da Geórgia e era responsabilidade do povo georgiano dar ou negar-lhe um voto de confiança. Deixou claro, porém, que a situação pode mudar cedo ou tarde e o próximo presidente georgiano tem a chance de reestabelecer relações positivas com a Rússia.

Sobre o porquê do posicionamento russo em relação à Líbia e à Síria, diferente do que é dispensado à Geórgia, Medvedev afirmou que não existem países nem situações idênticas. Para ele, o ditador Muammar Gaddafi comandou a Líbia por quarenta anos e, em determinado momento, decidiu usar a força militar contra o seu próprio povo – atitude condenada tanto pela comunidade internacional como pela Federação Russa. “Bashar Assad, líder da Síria, ainda não deu esse passo”, declarou Medvedev, acrescentando que acredita ainda existir uma chance de acordo com o país árabe. Ele pediu ao sírio que promovesse reformas democráticas em seu país para restaurar a paz entre os grupos de conflito e iniciar a construção de uma sociedade civil.

Ossétia do Sul e Tchetchênia

 

Medvedev disse que a intervenção russa na Ossétia do Sul foi diferente do que aconteceu na Tchetchênia: em 2008, a Rússia não estava restaurando a paz ou lutando contra extremistas, mas ajudando um Estado independente a impedir um ataque estrangeiro. Também afirmou que havia entrado em contato com o primeiro-ministro russo Vladímir Pútin somente 24 horas após a ação militar ter se iniciado em Tskhinval, já que ele não estava na Rússia e, por isso, foi preciso algum tempo para se estabelecer uma linha de comunicação segura entre os dois governantes.

Em relação às insinuações de que o presidente francês Nicolas Sarkozy o teria convencido a deter o avanço das tropas na capital da Geórgia, o presidente russo disse que isto não é verdade. “Nenhum chefe de Estado pode convencer outro a fazer alguma coisa. Deixe-me enfatizar mais uma vez: tomar cidades nunca foi o nosso objetivo, mas sim parar a máquina de guerra, que estava direcionada a dois territórios separatistas e, infelizmente, aos nossos cidadãos", disse.


Medvedev também garantiu que Sarkozy não teve nenhuma relação com a decisão russa de reconhecer a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul. E negou as declarações do Congresso dos EUA, que classificou a ocupação russa do território georgiano como uma determinação infundada. De acordo com ele, “tais declarações refletiram as preferências de alguns integrantes do Senado, que, por razões não objetivas, se alinharam a certos indivíduos” e, por isso, não podem afetar as políticas da Rússia.


Quanto à falta de apoio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), o presidente russo justificou que os países-membros desses blocos têm suas próprias questões territoriais para resolver e, portanto, tal postura era compreensível.

Sem pré-requisitos para a reunificação

 

Medvedev assegurou que, em sua opinião, não existiam pré-requisitos para a entrada da Ossétia do Sul na Federação Russa, embora a grande maioria dos moradores dessa república fossem cidadãos russos. “Acho que não há exigências prévias legais ou de fato para que isso aconteça. Esse é o motivo pelo qual os meus decretos solicitaram o reconhecimento dos Estados separatistas como sujeitos do direito internacional”, afirmou.

O líder russo admitiu ainda que a situação deve mudar em 15 ou 20 anos, quando outras opções podem ser consideradas, como a dupla cidadania. Além disso, repetiu que a Rússia continuaria apoiando a Abecásia e a Ossétia do Sul e que mais pessoas desses dois Estados poderiam ganhar cidadania russa, caso fosse do desejo delas.

A Rússia não promoverá nenhuma mudança relativa à sua situação política para ganhar uma posição mais favorável nas negociações em curso para a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Isso seria imoral”, disse Medvedev. “Se a Geórgia quiser mudar realidades políticas, apresentando essa exigência como um pré-requisito para a nossa adesão à OMC, não cairemos nessa”, disse o presidente russo. “Não se deve pagar um preço tão alto.”

O presidente russo deixou claro que um bom ponto de partida para restaurar as relações econômicas e políticas com a Rússia seria a remoção das reinvindicações da Geórgia contra a adesão da Rússia à Organização Mundial do Comércio. Ao mesmo tempo, Medvedev também reconheceu que essas barreiras políticas poderiam levar o país de volta ao início do processo de negociação, o que isso seria ruim para todos.


Reportagem originalmente publicada no site rt.com

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