Ciência espacial russa floresce novamente

Telescópio Spektr-R mostra a força do novo programa espacial do país e abre espaço para colaborações com outros países em missões no cosmos.

O período de seca que já durava três décadas chegou ao fim no dia 18 de julho deste ano, quando um foguete Zenit lançou o telescópio Spektr-R na órbita terrestre. Desde a queda política e econômica da União Soviética, os cientistas espaciais russos não tinham sido capazes de desenvolver e lançar um instrumento de pesquisa de ponta como este.

Produto do Instituto de Física Lêbedev, com financiamento adicional do Kremlin, o Spektr-R é o maior telescópio no espaço do mundo atual. Talvez também seja o mais belo, por conta de seu formato de flor – com 27 pétalas douradas, que se abriram com perfeição logo após o lançamento. O principal objetivo científico da missão, que durará cinco anos, é o estudo dos mais profundos e misteriosos aspectos do nosso universo, incluindo a origem de buracos negros, a estrutura das galáxias, a formação das estrelas e os limites do espaço interestelar.

Orgulho da comunidade científica russa, o telescópio tem apenas dez metros de comprimento. Mas, quando suas operações começarem, em setembro ou outubro, será capaz de produzir imagens detalhadas do universo com uma resolução cem mil vezes maior que as do telescópio norte-americano Hubble. Embora o Spektr-R seja um radiotelescópio, não fornecerá fotos impressionantes como o Hubble, mas os cientistas aguardam ansiosamente o recebimento do primeiro fluxo de dados.

O telescópio é pequeno, mas poderoso em razão de um engenhoso sistema, que utiliza uma rede terrestre de telescópios e antenas de satélites. A associação desses instrumentos ao Spektr-R torna possível o fornecimento de sinais com uma clareza extraordinária. É o que há de mais moderno em termos de “computação em nuvem”. A rede inclui telescópios da Rússia e da Agência Espacial Europeia, bem como outros espalhados pela Austrália, Chile, China, Índia, Japão, Coreia, México, África do Sul, Ucrânia e Estados Unidos. Quando estiver em funcionamento, a rede de telescópios será conhecida como RadioAstron e terá um "prato" 30 vezes maior que o diâmetro da Terra.

“Esperávamos por esse dia havia muito tempo”, disse Nikolai Podorvaniuk, pesquisador do Instituto de Astronomia de Moscou. “Isso foi planejado desde os anos 80, mas sempre fracassava, por diversas razões. Mas o importante é que alcançamos nosso objetivo e estamos nos preparando para todas as novas informações que o telescópio irá proporcionar”.  

Vladímir Fedotov, diretor do Instituto de Termofísica de Moscou, concorda com essa afirmação. “Será o início de uma nova era para a astronomia e para a astrofísica”, diz. “É uma enorme contribuição para o mundo da ciência, onde a Rússia tradicionalmente ocupa posições de destaque. É simplesmente fantástico”. 

A órbita do telescópio é igualmente incomum e inovadora, pois ficará a uma distância que varia de 500 a 340 mil quilômetros da Terra. Essa órbita elíptica indica que a gravidade da Lua é parte importante da missão e o telescópio dificilmente ficará na sombra da Terra, como se fosse uma viagem ao espaço profundo, mas sem o custo que envolve esta atividade.

Volta de um dos líderes


Os aspectos técnicos do programa dividem importância com o fato de que, com a bem-sucedida implantação do radiotelescópio, a Rússia foi reintegrada à comunidade espacial internacional. Afinal, as primeiras imagens da superfície oposta da Lua e de muitas outras descobertas astronômicas básicas foram contribuições do programa espacial russo. Assim, os primeiros sinais do Spektr-R são esperados não só pelo que revelam sobre os mistérios do universo, mas também pelo retorno à ativa de um tradicional líder em ciência espacial. “Somos mais que um táxi espacial”, brincam os cientistas, referindo-se ao fato de que a Agência Espacial Russa está sendo paga pela NASA para trazer e levar astronautas à Estação Espacial Internacional.    

Ainda assim, o lançamento do Spektr-R não parece uma notícia muito agradável para os leitores da maioria dos meios de comunicação americanos. Numa época em que a NASA se vê diante de uma crise em seu orçamento e o Congresso local ameaça cortar o financiamento do telescópio James Webb, os sites de apoio à atividade espacial – próxima “joia da coroa” astronômica dos EUA – e como os tradicionais canais de notícia do país têm ignorado a missão do telescópio.

Vamos torcer para que o silêncio esteja mais relacionado à iniciativa de resguardar os programas científicos básicos da NASA do que à desconsideração pelas conquistas russas. Esse fato é ainda mais intrigante porque a missão a Júpiter da NASA (Juno) foi recentemente lançada em um foguete chamado Atlas 5, movido em parte por motores licenciados pela organização russa Energomash.

A parceria dos programas de exploração espacial realizados em conjunto por americanos e russos deveria ser aplaudida por razões políticas, econômicas e científicas. Mas, no momento, isso não importa: a realidade é que, quando essa façanha astronômica – que envolve 20 nações e é orientada por uma flor espacial de 2,5 toneladas – começar a produzir resultados, esperamos que este seja apenas o primeiro capítulo da nova fase da exploração russa do universo.


Jeffrey Manber é conselheiro de longa data da cooperação especial russo-americana e autor da obra “Selling Peace” (em tradução livre, “Vendendo Paz”), que conta sua trajetória pessoal em relação aos acontecimentos que levaram dois países a trabalharem juntos em missões espaciais.

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies