O agosto que mudou a Rússia

O primeiro presidente da Federação Russa, Boris Iéltsin, cumprimenta manifestantes em 20 de agosto de 1991. Foto: Reuters/Vostock

O primeiro presidente da Federação Russa, Boris Iéltsin, cumprimenta manifestantes em 20 de agosto de 1991. Foto: Reuters/Vostock

Golpe ocorrido em 1991 é momento decisivo na história do país: deu origem, pouco tempo depois, à desintegração da União Soviética

Como tantos outros dias, naquela inesquecível manhã cinzenta e chuvosa, fui acordado por um telefonema. “Ligue o rádio”, disse, em tom agitado, um amigo do outro lado do telefone. “Golpe de Estado!”, completou. Corri para o aparelho. O locutor, com a voz inalterável, lia: “Guiado pelos interesses fundamentais dos povos da nossa Pátria Mãe, o governo declarou estado de emergência em algumas regiões da União Soviética por um período de seis meses a partir das 4h, horário de Moscou, do dia 19 de agosto de 1991”.

Aumentei o volume. “Um Comitê Estatal para Situações de Emergência (GKChP) vai governar o país e administrar a situação com eficácia.”

Naquela manhã de agosto, ouvi uma conversa enquanto estava a caminho do trabalho. “Não é ruim. Pelo menos haverá ordem...”. Eles tinham 30 e poucos anos, assim como eu. Eram filhos do degelo de Khruschtchov, tinham convivido apenas com a perestroika de Gorbatchov e, no entanto, já estavam desejando uma mão firme.

A redação da editora Pravda – pela qual minha revista, “Sobesédnik”, era publicada – recebeu uma intimação do Comitê Estatal de Emergência para suspender “até segunda ordem” a impressão de todos os jornais e revistas, exceto o “Pravda”, a “Krásnaia Zvezdá” (Estrela Vermelha, órgão das forças armadas soviéticas) e outras sete publicações controladas pelo governo. Descarregamos nossa raiva convertendo os jornais em cartazes e folhetos. Enquanto isso, fileiras de tanques, veículos blindados e caminhões com soldados circulavam pela capital.

Até então, não havia informações confiáveis ​​sobre o paradeiro do presidente da União Soviética. A última informação que se tinha era de que ele estava em Foros, casa de veraneio dos governantes do país localizada em Crimeia. O vice-presidente Gennadi Ianáiev anunciou que o estado de saúde de Mikhail Gorbatchov era delicado, mas o tom nervoso e pouco sincero de sua declaração era claramente perceptível.

Durante o golpe, o ministro da Defesa, Dmítri Iázov, não abandonou o seu gabinete. Assim como o resto do país, o Exército se encontrava dividido e o marechal fazia o que podia para impedir que as forças armadas se envolvessem diretamente no impasse. Havia também as unidades especiais de combate controladas por Vladímir Kriutchkov, chefe do KGB (em português, Comité de Segurança do Estado). Iázov sabia que estas unidades tinham recebido ordens para avançar sobre Moscou e tinha colocado em alerta as tropas que estavam na cidade.

Nesses três dias tensos, ninguém poderia dizer com certeza como os fatos se desenrolariam. Duas divisões do KGB que avançavam sobre Moscou foram detidas e tiveram que recuar. Mas Iéltsin e os seus seguidores permaneceram nos tanques, cercando o Parlamento. Os motoristas dos blindados faziam a guarda e abraçavam os cidadãos nas barricadas.


 Aleksandr Emeliánenkov foi vice-diretor da revista semanal “Sobesédnik” em 1991

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