Rússia tem um novo tipo de oposição

Cinco anos atrás, Evguênia Tchirikova, moradora da cidades de Khímki, localizada nos arredores de Moscou, não possuía muitos fãs a não ser os amigos e a própria família. Ambiciosa por natureza, ela conquistou três diplomas universitários e gerenciava um pequeno negócio com o marido. Também não se interessava por política: “Eu não imaginava que era possível mudar alguma coisa. Por isso, parecia-me um esforço sem sentido”.

Serguêi Mironov, ex-presidente do Conselho Federal, em reunião Anti-Seliguer/Foto:Ilia Varlamov

Com 34 anos de idade, Evguênia tem uma voz suave e, vestida com calça jeans e camiseta, poderia facilmente se passar por uma estudante. Nem parece uma pessoa que atrai a atenção de diversos partidos e movimentos da oposição em razão de suas críticas ao primeiro-ministro Vladímir Pútin e ao partido Rússia Unida. Sua transformação de mãe trabalhadora para uma das mais conhecidas ativistas da Rússia aconteceu após o governo de Moscou ter decidido derrubar a floresta local, que fica perto da sua casa, para construir de uma rodovia em direção a São Petersburgo.

O interesse dela pelo destino da floresta, segundo ela, surgiu após o nascimento de sua segunda filha. “De repente, olhei para os lados e percebi que, enquanto eu estava trabalhando e pagando impostos, outras pessoas estavam usando aquele dinheiro para destruir o meu habitat”, afirma. Então, reuniu os moradores da região e se engajou na luta pela alteração da rota da estrada. Os ecologistas sugeriram 11 rotas alternativas, mas os burocratas não reagiram bem a essa iniciativa.

Na Rússia, nunca antes um projeto internacional envolvendo milhões de dólares tinha sido impedido de seguir em frente por causa de uma floresta. “O governo não entendia o que nós queríamos. Eles nos disseram que, se quiséssemos viver no meio da mata, que nos mudássemos para a Sibéria”, contou.     

 “Se existe medo, a batalha já está perdida”

 Evguênia Tchirikova e Serguêi Mironov na Anti-Seliguer/Foto:Ilia Varlamov

Ao entrar nessa briga, Evguênia não percebeu onde estava se metendo. “Era muito ingênua. Achava que a rota dessa estrada não passava de um engano, assim como acreditava que vivíamos em um Estado que respeita as leis”, garantiu. Durante o conflito gerado em torno da floresta, dez ativistas foram mutilados por criminosos não identificados. Ela também recebeu ameaças anônimas, mas se recusou a desistir.

Alguns pensaram que a jovem mãe estava louca; outros achavam que suas aspirações eram unicamente políticas e, portanto, essa era apenas uma forma de se tornar conhecida. Houve ainda quem acreditasse que interesses comerciais estavam envolvidos na negociação.  “Foram os burocratas que me transformaram em líder da oposição”, disse Evguênia, que é proprietária de duas empresas especializadas na proteção eletromagnética de equipamentos. Na verdade, seu marido, Mikhail, administra as companhias, enquanto ela trabalha como relações-públicas.

Ela está ficando acostumada a receber ameaças: se tem medo, certamente não o demonstra.  “Todas as vezes que algum de nós era espancado, eu dizia para mim mesma: ‘Na próxima vez que isso acontecer, largarei tudo’. Mas não se pode passar a vida inteira fugindo. Se existe medo, a batalha já está perdida”, explica.

As constantes conversas com os burocratas, que diziam que a estrada era um projeto federal e que, assim sendo, não estava sujeita a alterações, não contribuíram em nada para que Evguênia aumentasse sua confiança nos poderes constituídos. “Eu cresci rápido”, disse. No início, ela colocou suas esperanças em Vladímir Pútin, que havia deslocado a construção de um novo oleoduto para uma área distante do lago Baikal quando era presidente. No entanto, em 2009, ele aprovou a construção da rodovia.

Naquele mesmo ano, Evguênia, com o apoio da oposição, concorreu à prefeitura de Khímki, levantando uma única bandeira: a alteração da rota da estrada. “Ela ficou em terceiro lugar, mas as muitas pessoas que a apoiaram mostram que a sociedade russa precisa resolver diversos problemas específicos”, afirmou Aleksêi Múkhin, diretor do Centro de Informações Políticas. “É por esse motivo que os movimentos de oposição tradicionais, com receio de trocar os seus slogans por ações concretas, têm perdido popularidade”, disse Múkhin.

O conflito em torno da floresta Khímki terminou com a decisão governamental de estreitar a rodovia de 600 para 100 metros e proibir construções comerciais em ambos os lados da estrada.

Hoje em dia, Evguênia coloca a culpa da destruição da floresta não apenas nos burocratas russos com os seus “pontos de vista ecológicos fracos”, mas principalmente na construtora francesa Vinci, parceira estrangeira do Estado neste projeto. Foi ela, alegando seguir normas ecológicas europeias, que insistiu em construir a rota atravessando a floresta e ameaçou aplicar indenizações altíssimas caso o contrato de concessão fosse quebrado: de acordo com o jornal de negócios Vedomosti, o acordo girou em torno de 4 bilhões de rublos (US$ 143 milhões).

Naválni: “Não faz sentido se envolver”


Aleksêi Naválni faz um discurso para os membros do Anti-Seliguer/Foto: Ilia Varlamov

Uma das pessoas que duvidou das chances de Evguênia se sair vitoriosa nesse embate foi o advogado Aleksêi Naválni, ativista e blogueiro que se tornou famoso por sua luta contra a corrupção nas empresas estatais. Há muito anos, ele foi membro do partido liberal Iabloko e trabalhou em um comitê de proteção aos moscovitas.

“Algumas pessoas chegaram a mim se queixando da construção da rodovia em Khímki”, contou. “Naquele momento, respondi que não fazia sentido se envolver nessa questão. Achei que, ainda que se organizasse, o grupo sofreria retaliações.” A jovem ativista estava dentre as pessoas que foram ao encontro dele. “Agora vejo o quão errado eu estava”, assumiu.

Atualmente, Naválni apoia ativamente o movimento de Khímki e está ajudando os membros do grupo a entender os fatores por trás da construção da rodovia, em que, de acordo com a diretora da filial russa da Transparência Internacional Elena Panfilova, “a corrupção é um grande componente”. Ele também se tornou popular graças às suas ações em defesa dos direitos dos acionistas minoritários nas grandes empresas estatais russas.

Novo ativismo

Além de terem a mesma idade, Evguênia e Naválni não são afiliados a partidos políticos e preferem trabalhar como ativistas de forma independente, atraindo apoio de indivíduos das mais variadas ideologias. “Eles representam uma nova forma de oposição na Rússia, mais comprometida com a resolução de problemas reais”, afirmou Nikolai Petrov, do Centro Carnegie de Moscou. “Enquanto Evguênia se ergueu a partir de uma posição civil, ao contestar uma iniciativa isolada, Aleksêi teve o objetivo de participar da atividade política desde o início”, afirmou Petrov.

Evguênia não tinha intenção de entrar na política, mas foi empurrada pelas “autoridades locais”, afirmou Múkhin, acrescentando que os dois “têm a imagem de líderes populares correspondentes ao desespero social”.

Por não ter acesso direto à televisão, Naválni considera a internet o melhor pulverizador de suas ideias, sendo um meio rápido e barato. Ele possui muitos seguidores on-line e, no passado, chegou a arrecadar contribuições no valor total de sete milhões de rublos (US$ 250 mil) em um único mês para apoiar o seu trabalho de combate à corrupção.

O projeto atual do advogado ativista é diminuir o nível de apoio ao Rússia Unida nas eleições parlamentares que ocorrerão em dezembro. Com essa finalidade, lançou uma campanha em que convoca a população a votar em qualquer candidato que não seja daquele partido, pois acredita que este partido concentra os políticos mais corruptos de seu país. Petrov crê que Naválni tem muita chance de obter grande apoio, já que ocupa uma boa e promissora posição.

Anti-Seliguer


Evguênia e Naválni estão prontos para dividir suas experiências. Em junho, os dois participaram de um encontro de quatro dias na floresta Khímki, que atraiu mais de três mil pessoas com diferentes visões políticas. O encontro ficou conhecido como Anti-Seliguer, em referência ao encontro anual do jovem grupo pró-Kremlin Nachi, realizado no lago Seliguer, na região de Tver.

“O encontro foi um sucesso”, afirmou o político da oposição e também participante Boris Nemtsov, “porque atraiu pessoas com visões e trajetórias de vida distintas”. Segundo Evguenia, o objetivo do Anti-Seliguer foi estabelecer um diálogo entre as diferentes forças políticas e civis e “proporcionar aos cidadãos russos conhecimento real sobre como defender sua honra, dignidade e direitos.” Os organizadores, aliás, têm a intenção de promover o evento anualmente. 

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