Rússia, país dos ciborgues e avatares

Foto:PhotoXpress

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Cientistas querem desenvolver corpo artificial para garantir a imortalidade ao ser humano, em projeto que conquistou até o ator Steven Seagal.

Em geral, os russos não gostam de fazer planos. Uma pergunta inocente, do tipo “o que vai fazer no próximo verão?”, é capaz de provocar uma sincera perplexidade na pessoa que deveria respondê-la. É mais provável que o interlocutor encolha os ombros e responda filosoficamente algo como “vamos ver...”.

Nos últimos 20 anos, época em que o país se modificou a uma velocidade caleidoscópica, impuseram na mente do povo a ideia de que se podia planejar a vida apenas para o próximo mês – ou melhor, para a próxima semana. Grosso modo, o antigo provérbio russo “o homem supõe e o Deus dispõe” tornou-se mais válido do que nunca.

Entretanto, há alguns meses surgiu na Rússia um extraordinário movimento social chamado Rússia 2045. Ele prega que, daqui a 34 anos, deverá ser criado no país um corpo artificial, capaz de substituir por completo as pessoas de carne e osso.

Não, não é uma brincadeira: tudo isso é muito sério. A organização não uniu amadores da ficção científica e fãs do filme “Avatar”, mas sim cientistas bem sérios e de renome mundial. Alguns deles são Viatcheslav Riabínin, criador do aparelho “fígado bioartificial”, o doutor em Ciências Físicas e Matemáticas Vitáli Dúnin-Barkôvski e o professor catedrático da Academia das Ciências Russa Aleksandr Bolônkin, um dos entusiastas da ideia da imortalidade por meio da criação dos corpos artificias.

A trajetória de Bolônkin, aliás, é tão dramática que vale a pena contá-la de modo mais detalhado. Ele foi um dos mais destacados cientistas soviéticos e criou vários artefatos direcionados à exploração cósmica.  Mas, no fim dos anos 60, juntou-se ao acadêmico Sákharov e ao movimento dissidente. Em seguida, inventou um simples aparelho de fotocópias, que possibilitou a impressão de milhares de páginas das obras de Sákharov e Soljenítsin. Tais atividades, claro, não escaparam do controle do onipotente KGB.

Por seu engajamento na luta contra a ditadura soviética, Bolônkin foi condenado a quarto anos de cadeia em regime rigoroso, conquistando a liberdade definitiva apenas 15 anos depois, já nos tempos de Gorbatchov. Obviamente, ele não quis ficar na União Soviética e mudou-se para os Estados Unidos, onde colaborou com os militares locais.

Durante os últimos anos, o cientista passou a se focar na ideia da imortalidade humana. Segundo ele, a solução desse problema cabe aos sistemas de computação. Antes da morte, o conteúdo do cérebro humano é copiado para um chip especial e a consciência continua a existir em um corpo artificial, adquirindo uma nova imagem. Bolônkin supõe que tecnologias do gênero serão criadas em um futuro próximo.

O problema principal de seu projeto é a falta de recursos financeiros, visto que, nos meios científicos, a ideia de criar órgãos artificiais ou “peças sobressalentes” para o corpo biológico é considerada melhor e mais lucrativa. Mas ele pretende ir mais longe, criando corpos artificiais completos, feitos de plástico e ligas.

Mil e uma utilidades

O manifesto do movimento Rússia 2045 descreve de maneira bem pitoresca a futura serventia desses ciborgues. Eles ajudariam, em primeiro lugar, os empregados dos serviços de emergência: por exemplo, a equipe que consertou avarias nos reatores nucleares de Fukushima. Um avatar seria capaz de entrar sem problemas em qualquer usina atômica, pois seria praticamente invulnerável.

Além disso, os “robôs” também seriam mais úteis em trabalhos cósmicos e na conquista dos novos planetas que os seres humanos comuns. As perspectivas no campo da gerontologia e da beleza física também seriam fantásticas, segundo os cientistas: imaginem um corpo sem flacidez e celulite! A velhice seria abolida para sempre, bem como o sofrimento a respeito das imperfeições na aparência.

Mesmo com todas essas vantagens, os problemas não seriam eliminados por completo. Afinal, todos nós fomos educados nos limites dos padrões de beleza de Hollywood e não é certeza que os corpos artificiais seriam produzidos com essas características. Por exemplo, se eu decidir ter o rosto e o corpo de Marilyn Monroe, quem garante que, além de mim, alguns milhões de mulheres não terão a mesma aparência? E isso seria pior do que encontrar outra pessoa com vestido igual ao seu em uma festa, não é? Pareceria um filme de horror!

No que se refere à imortalidade, também há dúvidas. Ao descrever as perspectivas da criação dos corpos artificiais, o professor Dúnin-Barkôvski afirma: “Graças ao intelecto artificial, a vida eterna será possível para os milhões de Ivanov, Jones, Li e Singh que vivem mundo aforma”. Não há segurança, porém, de que isso seja necessário para a evolução terrestre. É preciso lembrar que 90% das pessoas não sabem o que fazer nos dias de folga, restringindo-se a optar entre a TV e as compras. E se elas forem condenadas a fazer isso eternamente, e não durante apenas algumas dezenas de anos? Em vez de um prémio, esse cenário soa como uma autêntica tortura.

Ainda assim, sou absolutamente convicto que são muitas as pessoas que queiram prolongar a sua existência. Uma deles é o ator Steven Seagal. Há pouco tempo, ele escreveu uma carta ao primeiro-ministro russo Vladímir Pútin pedindo um encontro para discutir uma eventual colaboração com o projeto.

No comunicado, ele usou argumentos bastante convincentes. “Poderemos restaurar ou até recompor por completo as partes do corpo daqueles que estão sofrendo ou morrendo de doenças ou feridas. Por exemplo, um homem que perdeu as suas pernas poderá receber novas e, assim, ter novamente um corpo em perfeito estado. Essa pode ser a mais surpreendente conquista científica na história da humanidade. Para mim, é uma grande honra participar desse movimento”, afirmou.

Seagal também garantiu que seus antepassados eram originários do país e, por isso, se considera russo. “Orgulho-me que, precisamente na Rússia, compreendeu-se que é necessário desenvolver esse projeto. O país tem grandes cientistas e investigadores, que, por meio de novas tecnologias, podem fazer a humanidade dar um salto sem precedentes em direção a uma era de nova e melhor qualidade da vida”, completou.


Até o momento, consta que Pútin ainda não deu um retorno oficial ao pedido do famoso ator. Mas podemos adivinhar qual foi a resposta informal. Quem sabe não foi algo como “meu caro, Barack Obama e Nicolas Sarkozy já reservaram vários corpos para si e para os seus familiares. Você será o número 1125 da fila”?

Pessoalmente, não tenho nada contra a vida eterna almejada por Steven Seagal. Mas, se essas tecnologias estiverem ao alcance dele, porque não seriam também usadas por pessoas de reputação pior? Bin Laden, por exemplo, se ainda estivesse vivo. Por outro lado, se a humanidade for transmitida para os corpos artificiais, os problemas causados pelo terrorismo e pelas guerras deixarão de existir – vamos viver eternamente! Em todo caso, temos que esperar uns 30 anos para verificar essas perspectivas serão reais.


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