Elena Tchukovskaia vence Prêmio Soljenítsin

Foto: Victor Vassenin

Foto: Victor Vassenin

Neta de ícone e filha de dissidente, transcritora é reconhecida por seu trabalho de preservação das obras de Aleksandr Soljenítsin.

O prêmio literário Aleksandr Soljenítsin 2011 foi concedido a Elena Tchukovskaia, neta do escritor russo Kornei Ivanovitch Tchukóvski e filha da famosa dissidente Lídia Korneevna Tchukovskaia. Por muitos anos, ela transcreveu as obras do cronista russo, tendo sido fundamental na preservação e na distribuição de seus trabalhos: por exemplo, “O Arquipélago Gulag” foi preservado em grande parte graças a seu envolvimento. Tatiana Chabaeva, tradutora e colaboradora da Gazeta Russa, conversou com Elena sobre Soljenítsin, o legado da família Tchukovskaia, tradução literária e a história soviética do século 20.

Nota do editor: Com a intenção de permanecer fiel às palavras da entrevistada, bem como ao costume russo, no qual todos os adultos são mencionados por seus nomes e patronímicos em vez de primeiro e último nomes, Kornei Tchukóvski aparece ao longo do texto como Kornei Ivanovitch e Lídia Tchukovskaia, como Lídia Korneevna.  

 

O que significa para você vencer o prêmio Soljenítsin?

 

Muita coisa. Durante anos, Aleksandr Soljenítsin esteve pessoalmente envolvido na escolha dos vencedores da premiação e tinha os seus próprios critérios e razões para dá-lo a alguém. No meu caso, os motivos são diversos, como o meu envolvimento com Kornei Ivanovitch e Lídia Korneevna e com o trabalho dele.

Qual foi é seu envolvimento com o trabalho de Soljenítsin?

 

Enquanto ele viveu fora de Moscou, todo o seu trabalho foi realizado lá, incluindo a transcrição dos manuscritos. Eu mesma transcrevi “O Pavilhão dos Cancerosos”, dois volumes de “Arquipélago Gulag” e parte de “A Roda Vermelha”. Eles tinham que ser armazenados e distribuídos, o que na época foi um grande desafio. Os manuscritos nunca foram guardados por Soljenítsin ou em casa, mas sim repassados por desconhecidos não associados a nós, que os recebiam por meio de uma série de outras pessoas.

Ele costumava dizer: “guardar (meus trabalhos) era uma tarefa tão desafiadora quanto escrevê-los”. Era preciso se lembrar de todos os lugares onde os livros eram guardados. Repassar os manuscritos era tão difícil quanto pegá-los de volta. Havia todo um sistema complexo de organização. Os manuscritos deviam ser recolhidos por pessoas de diversas vilas e cidades e alguém precisava reuni-los.

Dentre outras coisas, eu transcrevi “Carta à Quarta Convenção de Escritores”. Só ali havia mais de 200 cópias a serem distribuídas. Soljenítsin recebia diversas correspondências, que também deveriam ser respondidas em sua ausência. Alguém ainda devia acompanhar seus artigos na imprensa. Quando estava escrevendo “A Roda Vermelha”, ele cortou a comunicação com muitos historiadores, então alguém tinha que encontrá-los, repassar as questões e obter as respostas.  

 

As obras de Soljenítsin são consideradas clássicas. O que caracteriza um clássico?

 

A dimensão do trabalho, a qualidade dos textos e a sua influência. Pode-se dizer que Soljenítsin balançou o nosso país e o colocou em uma direção específica. Ele mostrou o que uma pessoa comprometida poderia conseguir.

O que você lembra sobre Andrei Dmitrievitch Sakharov?

 

Ele era um homem tranquilo e bastante iluminado. Não nos conhecemos muito bem. Durante os esforços para publicar “O Arquipélago Gulag”, uma carta que precisava ser assinada por Sakharov foi escrita para o Comitê do Partido Central. Sabendo das desavenças com Soljenítsin, quem redigiu a carta escreveu: “O Arquipélago’ tem que ser publicado à parte das nossas discórdias.” E foi isso que levei a Sakharov. Ele a leu e disse: “Por que mencionar as nossas divergências? Não há necessidade disso.” Então, riscou esse trecho. Sakharov era um homem muito nobre.  

 

Como os livros de Lídia Korneevna chegaram ao Ocidente?

 

Em 1962, quando o degelo começou, ela entregou “Sofia Petrovna” à editora da União Soviética, mas não havia tempo suficiente para lançá-lo antes que o degelo terminasse. No entanto, quando um livro é entregue e já existem diversas cópias, torna-se extremamente difícil controlar a sua distribuição. Naquela época, isso significava que a obra poderia aparecer em qualquer lugar.

Foi assim que o livro acabou indo parar no Ocidente e foi publicado em Paris sem o conhecimento ou o consentimento de Lídia. Ela soube disso por uma carta da artista Annenkov a Kornei Ivanovitch e, na época, ficou desapontada com o fato de os editores terem dado um novo nome ao livro e à principal personagem, além de acrescentarem uma epígrafe por conta própria. Assim, o livro foi lançado com o título “Olga Petrovna”, como está registrado em quase todas as traduções. E o direito de publicá-lo no Exterior ainda é mantido por uma editora inglesa.

 

Como as agências de segurança soviéticas reagiram à publicação do livro de Lídia Korneevna no Ocidente?

 

Em meados de 1960, Lídia tinha conquistado uma posição no mundo literário e as editoras russas publicaram várias de suas obras. Kornei Ivanovitch a protegeu até a sua morte, em 1969. Entretanto, ela se expressou abertamente durante o julgamento de Siniavski-Daniel em uma carta a Sholokhov. Isso foi ao ar em todas as estações de rádio “hostis” do Ocidente. Antes disso, contribuiu por muitos anos com os esforços para libertar o poeta Iosif Brodski. Em 1968, escreveu uma nova carta pública, dessa vez em defesa de Soljenítsin. Qualquer referência a ela foi banida após apenas algumas semanas da morte de Tchukóvski.

Em 1974, Lídia foi expulsa da Corporação de Escritores por causa do seu artigo “Ira do Povo”, em defesa de Sakharov e Soljenítsin. Acabou sendo, como ela mesma diria, “expulsa da família”. Seu nome foi excluído de todas as publicações do diário de Ivanovitch. Quando, em 1977, a coletânea “Relembrando Kornei Ivanovitch” estava para ser lançada, o editor me disse: “Temos que garantir que ninguém vai colocar qualquer informação sobre Lídia Korneevna.” Foi quando eu incluí uma foto de sua infância no volume. Fiz questão de inseri-la na história. 

O seu avô, Kornei Ivanovitch Tchukóvski, traduziu Wilde, Kipling, Defoe, O.Henry e Whitman. Qual foi o trabalho mais importante para ele?

 

Em minha opinião, garantir que os livros não parecessem traduções e tivessem um tom russo. Qualquer edição que ele tenha feito foi com a intenção de melhorar a qualidade da linguagem. Meu avô simplesmente amava Whitman e Oscar Wilde, de quem tinha orgulho de ser a única pessoa no país a ter o autógrafo, em uma página de “Balada do Cárcere de Reading” que o próprio Robert Ross havia dado a ele. Para meu avô, Wilde era um fenômeno literário extremamente importante. Ele foi bem a fundo nos autores que traduziu e ele nunca aprovou traduções dos seus trabalhos. Acreditava que não se podia fazer isso com os seus contos de fada.

Como Kornei Ivanovitch se tornou um honorário Doutor em Letras da Universidade de Oxford?


Ele estava prestes a fazer 80 anos quando a Universidade de Oxford tomou a decisão de dá-lo um título de honoris causa. Ele recebeu o título na terceira vez que havia ido a Londres: a primeira tinha sido em 1903, quando foi enviado como correspondente; a segunda, em 1916, quando visitou a cidade como integrante da delegação de jornalistas que seria recebida pelo rei.

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